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Estrela da vida inteira, de Manuel Bandeira

by Lucas Gomes

A obra Estrela da vida inteira é a reunião das poesias completas de Manuel Bandeira. Neste livro é possível compreender toda a genialidade deste poeta, que fez com que sua obra seja eterna e passível de ser compreendida e sentida em qualquer época. Seu estilo lírico e ao mesmo tempo despojado certamente continuará atraindo milhares de gerações. Neste livro se encontram poemas que povoam o imaginário brasileiro e que são essenciais para a formação de qualquer leitor.

O livro é, na verdade, um conjunto de livros do poeta recifense. São eles:

Cinza das Horas (1917): Nele podemos perceber que o poeta, vindo
da tradição simbolista e parnasiana, mantém com ela profundos laços e caminha,
paradoxalmente, para uma ruptura dessa tradição.

O que tu chamas tua paixão
É tão somente curiosidade.
E os teus desejos ferventes vão
Batendo as asas na irrealidade…

Curiosidade sentimental
Do seu aroma,sua pele.
Sonhas um ventre de alvura tal,
Que escuro o linho fique ao pé dele

(…)

E acima disso, buscas saber
Os seus instintos,suas tendências…
Espiar-lhe na alma por conhecer
O que há sincero nas aparências.
(trecho de “Poemeto Irônico”)

Carnaval (1919): Muito bem recebido pela nova geração da época e
por parte da crítica especializada. É um livro sem unidade. Sob pretexto de que
no carnaval todas as fantasias se permitem, segundo o próprio poeta, admitiu
na coletânea uns fundos de gaveta, três ou quatro sonetos que não passam de pastiches
parnasianos, e isto ao lado das alfinetadas dos `Sapos´. O poema “Os Sapos” é
uma sátira ao parnasianismo e foi lido por Ronald de Carvalho durante a Semana
de Arte Moderna, no Teatro Municipal de São Paulo, em 1922. O poema seria considerado
uma espécie de hino nacional dos modernistas.

Outro poema deste livro:

Na velha torre quadrangular
Vivia a Virgem dos Devaneios…
Tão alvos braços… Tão lindos seios…
Tão alvos seios por afagar…
(em “Baladilha Arcaica”).

O Ritmo Dissoluto (1924): Neste livro Bandeira começa a explorar
mais sistematicamente a simplicidade popular e um certo prosaísmo. É um livro,
como o próprio poeta via, de transição entre dois momentos de sua poesia.

A doce tarde morre. E tão mansa
Ela esmorece,
Tão lentamente no céu de prece,
Que assim parece, toda repouso,
Como um suspiro de extinto gozo
De uma profunda, longa esperança
Que, enfim cumprida, morre, descansa…
(em “Felicidade”).

Libertinagem (1930): Com a publicação deste livro, pode-se dizer
que a poesia de Bandeira amadureceu definitivamente, no sentido de uma liberdade
estética. Além disso, o poeta consolidou sua temática existencial e explorou com
mais freqüência as cenas e imagens brasileiras. Poemas que se transformaram em
clássicos: “Não Sei Dançar”, “Pneumotórax”, “Poética”,
“Evocação do Recife”, “Poema tirado de uma Notícia de Jornal”,
“Teresa” e “Vou-me Embora para Pasárgada”.

Uns tomam éter,outros cocaína.
Eu já tomei tristeza, hoje tomo alegria.
Tenho todos os motivos menos um de ser triste.
Mas o cálculo das probabilidades é uma pilhéria…
(em “Não Sei Dançar”).

Recife
Não a Veneza americana
Não a Mauritstadt dos armadores das Índias Ocidentais
(…)
Mas o Recife sem história nem literatura
Recife sem mais nada
Recife da minha infância.
(em “Evocação do Recife”)

Leia mais sobre a obra Libertinagem,
de Manuel Bandeira.

Estrela da Manhã (1936): Bandeira tinha 50 anos quando, sem encontrar
editor, publicou, sem ter recursos financeiros, 50 exemplares (papel doado e impressão
custeada por subscritos). Alguns músicos como Jaime Ovall e Radamés Gnatali, entre
outros, interessaram-se por seus textos. Em 1945, o poeta compôs as letras para
uma série de canções, a pedido do maestro Villa-Lobos, que queria composições
tipicamente brasileiras para serem cantadas em ocasiões festivas. Foram reunidas
com o nome de Canções de Cordialidade (“Trem de Ferro”, ”Berimbau”, “Cantiga”,
“Dona Janaína”, ”Irene no CÉU”, ”Na Ruia do Sabão”, “Macumba do Pai Zuzé”, “Boca
de Forno”, “O Menino Doente” e “Dentro da Noite”, publicados em outras obras.

As três mulheres do sabonete Araxá me invocam, me bouleversam, me hipnotizam.
Oh, as três mulheres do sabonete Araxá às 4 horas da tarde!
O meu reino pelas três mulheres do sabonete Araxá!

Que outros, não eu, a pedra cortem
Para brutais vos adorarem, ”Ó brancaranas azedas,
Mulatas cor da lua vem saindo cor de prata
Ou celestes africanas
(…)
Meu Deus, serão as três Marias?

A mais nua é doirada borboleta
Se a segunda casasse, eu ficava safado da vida, dava pra e nunca mais telefonava
Mas, se a terceira morresse… Oh, então, nunca mais a minha vida outrora teria
sido um festim
. (em “Balada das Três Mulheres do Sabonete Araxá”)

Lira dos Cinqüent’Anos (1940): Publicação de emergência, o primeiro
convite que o poeta recebeu de uma editora. Bandeira candidatou-se à Academia
Brasileira de Letras.

Ouro branco! Ouro preto! Ouro podre! De cada
Ribeirão trepidante e de cada recosto
De montanha o metal rolou na cascalhada
Para o fausto d´El-Rei, para a glória do imposto

Que resta do esplendor de outrora? Quase nada:
Pedras… templos que são fantasmas do sol-posto.
(em “Ouro Preto”)

Vi uma estrela tão alta,
Vi uma estrela tão fria!
Vi uma estrela luzindo
Na minha vida vazia

Era uma estrela tão alta!
Era uma estrela tão fria!
Era uma estrela sozinha
Luzindo no fim do dia
(em “A Estrela”)

Lapa-Lapa do Desterro-,
Lapa que tanto pecais!
(Mas quando bate seis horas,
Na primeira voz dos sinos,
Como anunciava
A conceição de Maria,
Que graças angelicais!
(em Última Canção do Beco”)

Belo Belo (1948): Esse título foi tirado de um poema da Lira dos Cinqüent’Anos. Numa edição posterior, de 1951, foram acrescentados alguns poemas.

Vamos viver no Nordeste, Anarina.
Deixarei aqui meus amigos, meus livros, minhas riquezas, minha vergonha
Deixarás aqui tua filha, tua avó, teu marido, teu amante.
Aqui faz muito calor.
No Nordeste faz calor também.
Mas lá tem brisa”.
(em “Brisa”)

Belo belo minha bela
Tenho tudo que não quero
Não tenho nada que quero
Não quero óculos nem tosse
Nem obrigação de voto
(…)
Belo belo
Mas basta de lero-lero
Vida noves fora zero
(em “Belo Belo”)

Mafuá do Malungo (1948): Livro publicado na Espanha por iniciativa
de João Cabral de Melo Neto. Mafuá significa feira popular, malungo é um africanismo,
significando companheiro. Nesse livro, Bandeira faz jogos com as primeiras letras
das palavras, faz também sátiras políticas, brinca “à maneira de” outros poetas.

Olhei para ela com toda a força.
Disse que era boa.
Que ela era gostosa,
Que ela era bonita pra burro:
Não fez efeito (…)
Virei pirata (…)
Então banquei o sentimental (…)
Escrevi cartinhas (…)
Perdi meu tempo: não fez efeito.
Meu Deus que mulher durinha!
Foi um buraco na minha vida.
Mas eu mato ela na cabeça:
Vou lhe mandar uma caixinha de Minorativas,
Pastilhas purgativas:
É impossível que não faça efeito!
(em “Dois Anúncios”: “I-Rondó de efeito”)

Opus 10 (1952-1955): A expressão do título vem do universo da música.
A palavra latina Opus indica genericamente obra, composição, e o número indica
a posição de determinada peça num conjunto de composição do autor. Nomeando um
livro seu a partir de uma expressão tomada no universo da música, Bandeira ressalta
a importância da música e da musicalidade em sua obra.

Como em turvas águas de enchente
Me sinto a meio submergido,
Entre destroços do presente
Dividido, subdividido,
Onde rola, enorme, o boi morto
(…)
Morto sem forma ou sentido
Ou significado. O que foi
Ninguém sabe. Agora é boi morto.
(em “Boi Morto”)

Grilo toca aí um solo de flauta.
– De flauta? Você me acha com cara de flautista?
– A flauta é um belo instrumento. Não gosta?
– Troppo dolce!
(em “O Grilo”).

Estrela da Tarde (1960): Reeditado em 1963, com novos poemas. É
a maturidade do poeta completo que Bandeira já é ao tempo deste livro, onde ele
tanto retorna ao soneto tradicional (reinventado na sua poética), como se utiliza
de recursos gráficos – talvez inspirados nas vanguardas contemporâneas – na montagem
de poemas como “O Nome em Si”.

Vejo mares tranqüilos,que repousam,
Atrás dos olhos das meninas sérias.
Alto e longe elas olham,mas não ousam
Olhar a quem as olha, e ficam sérias.
(em “Variações Sérias em Forma de Soneto”).

Lira do Brigadeiro

Depois de tamanhas dores,
De tão duro cativeiro
às mãos dos interventores,
Que quer o Brasil inteiro?
– O Brigadeiro!
(…)
Brigadeiro da esperança,
Brigadeiro da lisura
Que há nele que tanto afiança
A sua candidatura?
– Alma pura!
(…)
Abaixo a politicalha!
Abaixo o politiqueiro!
Votemos em quem nos valha:
Que nos vale, brasileiro?
– O Brigadeiro!
(…)
O Brigadeiro é católico
(…)
Comunga, mas não comunga
Com os impostores ateus
E os ricos do Estado Novo:
Comunga só com o seu Deus
E com o povo!
(…)
– Não voto no militar; voto no homem escandaloso.
– Ué, compadre, quem é o homem escandaloso?
– O Brigadeiro
(…)
Não zunzuna
Nem não fala atoamente;
Será nosso presidente
Estava no seu destino
Desde que ele era tenente
Desde que ele era menino

OUTROS POEMAS

O SUPLICANTE

Padre Nosso, que estás no céu santificado seja o teu nome. Venha a nós o teu reino. Seja feita a tua vontade, assim na terra como no céu. O pó nosso de cada dia nos dá hoje…

O SENHOR (interrompendo enternecidíssimo) – Toma lá, meu filho. Afinal tu és pó e em pó te converterás!” (em “Sonho de uma noite de coca”)

“Casa Grande e Senzala”
Grande livro que fala
Desta nossa leseira
Brasileira

Mas com aquele forte
Cheiro e sabor do Norte
– Dos engenhos de cana
(Massangana!)
(…)
Se nos brasis abunda
Jenipapo na bunda,
Se somos todos uns
Octoruns
Que importa? E lá é desgraça?
Essa história de raça,
Raças más, raças boas
(…)
É coisa que passou
Pois o mal do mestiço não está nisso.

Está em causas sociais,
De higiene e outras que tais:
Assim pensa, assim fala
Casa Grande e Senzala.

Livro que à ciência alia
A profunda poesia
Que o passado revoca
E nos toca

A alam de brasileiro,
Que o portuga femeeiro
Fez e o mau fado quis
Infeliz!.

Texto parcial: Moisés Neto – Pós-graduado
em Literatura, escritor, membro da diretoria do SATED (Sindicato dos artistas
e técnicos em espetáculos de diversão em Pernambuco)

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