Home EstudosLivros Um certo Capitão Rodrigo (da obra O tempo e o vento), de Érico Veríssimo

Um certo Capitão Rodrigo (da obra O tempo e o vento), de Érico Veríssimo

by Lucas Gomes

Análise da obra

A novela Um Certo Capitão Rodrigo, do ponto de vista cronológico, é o terceiro episódio do primeiro volume de O continente, parte da trilogia O tempo e o vento, que compreende também O retrato (parte II) e O arquipélago (parte III). A obra é do escritor gaúcho Érico Veríssimo, e foi escrita na segunda fase de sua carreira.

A ação da narrativa se inicia em outubro de 1828, quando o capitão Rodrigo, uma das personagens mais marcantes e popularizadas pela obra de Érico Veríssimo, chega à cidade de Santa Fé, ao fim de uma das tantas guerras contra “os castelhanos” da Banda Oriental, hoje Uruguai. Girando em torno do casal composto por Rodrigo e Bibiana, a narrativa apresenta, na composição do seu quadro histórico, a agitação sócio-política da pacata Santa Fé como efeito principal do início da Revolução Farroupilha, cujas batalhas percorreram os pampas do sul por dez anos, em confrontos que colocaram em lados radicalmente opostos republicanos e governistas.

Sua leitura é de fato, um mergulho no universo histórico da época, em que os pensamentos das pessoas eram de indignação pelos abusos do governo na cobrança dos altos impostos, contando paralelamente parte Revolução Farroupilha e da chegada dos primeiros imigrantes alemães no país.

E é nesse contexto cheio de atribulações civis que a história do Capitão Cambará se inicia. Ele, um homem de destino incerto, que ama sua liberdade, de repente se depara apaixonado por uma linda santa fezense poucos dias após apear seu cavalo no pequeno povoado. Uma moça chamada Bibiana Terra, que apesar de ser fortemente cortejada pelo filho do coronel, logo se rende aos olhares sedutores do forasteiro e se apaixona. E como de costume em quase todas as histórias de amor eles se casam e têm três filhos.

Destacando duas cenas espetaculares do livro temos a do duelo entre Rodrigo e Bento Amaral e a marca incompleta do R que o Capitão deixa no rosto filho do coronel e também a cena da extrema unção que o Padre Lara oferece a Rodrigo quando ele está entre a vida e a morte, exigindo antes que seu amigo se arrependesse de todos os pecados, o Capitão como resposta faz uma figa que deixa o padre horrorizado.

Um dos destaques nessa obra é o forte sopro épico que ocorre em todo o episódio, a exemplo de Ulisses e de outros heróis das epopéias gregas, o Capitão Rodrigo Cambará acreditava que só a ação guerreira dá sentido a vida de um homem. A domesticidade e o cotidiano são os maiores inimigos desses personagens. A paixão instintiva que o Capitão experimenta pela vida e seus prazeres, além de haver em sua conduta um substrato ético, misto de bravura, fanfarronice, generosidade e pensamento libertário.

Toda a trajetória do Capitão Rodrigo Cambará em Santa Fé desde da primeira conversa com Juvenal, o duelo com Bento Amaral, seu casamento com Bibiana, até a sua morte na guerra é cheia de pormenores que prende o leitor do princípio ao fim, página por página, fazendo desse romance de Veríssimo uma história já tornada mitológica e fascinante.

Em Um Certo Capitão Rodrigo vemos uma forte influência naturalista que se alastra por todo o romance O tempo e o vento, contaminando-o com um materialismo impressionante.

A ótica panfletária permeia uma estética que beira o romantismo o tempo todo. Em 28 capítulos acompanhamos a chegada do Capitão Rodrigo a Santa Fé.

Personagens

Bibiana – Neta de Ana Terra, mulher do capitão Rodrigo Cambará. Como a avó, Bibiana é a mulher generosa, sólida, sofrida.
Capitão Rodrigo – Encarna o código de honra do gaúcho, mediante os atributos de coragem, impetuosidade, machismo, violência física e um relativo conceito de moral.
Juvenal Terra – irmão de Bibiana.

Destaques da obra

1. O fato do personagem central ter se transformado – mesmo que não fosse a intenção de Érico Veríssimo – no símbolo do gaúcho, com seu misto de bravura, fanfarronice, generosidade e pensamento libertário. Talvez os gaudérios da época não tivessem o mesmo carisma. Documentos da época pintam esses homens “sem rei nem lei” quase como párias. No caso de Rodrigo, contudo, “a mentira histórica vira verdade artística”.

2. A paixão instintiva (próxima do mundo animal) que o Capitão experimenta pela vida e seus prazeres, especialmente os da cama e da mesa. Apesar disso, há em sua conduta um substrato ético que o leva, por exemplo, a se posicionar contra os tiranos e a respeitar sua mulher, Bibiana.

3. O forte sopro épico que percorre todo o episódio. A exemplo de Aquiles e de outros heróis das epopéias gregas, Rodrigo Cambará acredita que só a ação guerreira dá sentido à vida dos homens. A domesticidade e o cotidiano são os maiores inimigos desses personagens, que só se sentem felizes no fragor das batalhas e das conquistas. Antológica é a cena do Capitão, transformado em dono de venda:

Rodrigo foi até a porta (da venda) e olhou para o alto. O vento trazia um cheiro bom de capim e, aspirando-o, ele como que se embriagava. O fedor de cebola, alho e banha que havia dentro de casa nauseava-o. Meter-se naquele negócio tinha sido a maior estupidez de sua vida.

4. A criação de um modelo de Cambará: o macho audacioso, mulherengo e sempre metido em revoluções. O Dr. Rodrigo Cambará, em O retrato e em O arquipélago, será a reduplicação quase que perfeita do bisavô, apesar de já ser um caudilho ilustrado. Porém, mesmo Bolívar e Licurgo, filho e neto respectivamente, apresentarão traços do Capitão Rodrigo. De certa forma, os valores caudilhescos e machistas desse personagem cristalizam o ideal de hombridade vigente na província até meados do século XX.

5. A cena espetacular da extrema-unção que o padre Lara oferece a Rodrigo moribundo, exigindo antes que o seu amigo se arrependesse de todos os pecados. Reunindo suas últimas forças, o Capitão Cambará faz uma figa ao sacerdote que sai dali horrorizado.

6. Igualmente importante é a cena – já citada – do duelo entre Rodrigo e Bento Amaral, e a marca incompleta que o Capitão deixa no rosto do último.

7. A paixão de Bibiana pelo gaudério é a melhor realizada entre todos os casos amorosos que povoam O tempo e o vento. Independentemente dos adultérios de que é vítima, do abandono e do desprezo do marido pela vida doméstica, ela continua amando-o como no primeiro dia em que o viu. “Queria vê-lo mais uma vez, só uma vez” – pensa ela durante a Revolução e um pouco antes do último encontro amoroso, numa sublime confissão de desejo e afeto.

8. O fato de Bibiana reproduzir sua avó, Ana, tanto na obstinação, nos silêncios, no ódio à guerra e às revoluções, na profissão de parteira e na lembrança dos mortos, dando seqüência ao arquétipo feminino do romance.

Enredo

Gaudério de bela figura física e não menor carisma pessoal, Rodrigo Cambará conquista a vila de Santa Fé com seus ditos espirituosos: “Buenas e me espalho! Nos pequenos dou de prancha e nos grandes dou de talho!” Ou ainda: “Cambará macho não morre na cama!”

Juvenal, filho de Pedro Terra, é o primeiro a simpatizar com o estranho. Bibiana, sua irmã (e reprodução da avó, Ana Terra) logo se apaixonará pelo forasteiro, reafirmando sua indiferença a Bento Amaral, filho do coronel que manda no povoado. Já Pedro Terra, homem reservado e circunspecto, detesta desde o início aquele gaudério anarquista, cujo único propósito na vida parece ser o de atender aos seus impulsos básicos, especialmente os guerreiros e os eróticos.

O Coronel Ricardo Amaral Neto exige que Rodrigo parta de Santa Fé, mas este se recusa. Em seguida, o alegre capitão desentende-se – por causa de Bibiana – com Bento Amaral. No duelo que se segue, Rodrigo Cambará consegue colocar sua marca à faca na cara do rival, não conseguindo concluir a perna do R. Vencido e humilhado, Bento atira com arma de fogo, ferindo gravemente o Capitão. Este oscila entre a vida e a morte e, nessas circunstâncias, solidifica sua amizade com o padre Lara que vai ajudá-lo e tentar convertê-lo ao cristianismo. Rodrigo se safa da morte, tão ateu quanto antes, mas completamente apaixonado (desejo físico, acima de tudo) por Bibiana. Juvenal e o padre auxiliam-no em sua tarefa, facilitada pelo ardoroso sentimento que a moça (tem vinte e dois anos) nutre por ele. Com a visível discordância de Pedro Terra, Rodrigo e Bibiana acabam se casando no Natal de 1829.

Após os ardores dos primeiros meses, Rodrigo começa a se entediar. A nova profissão (tornara-se “bodegueiro” em sociedade com o cunhado Juvenal) lhe parece intolerável. Os próprios cheiros da venda lhe causam aborrecimento. Mesmo os filhos que vão nascendo – Anita, Bolívar e Leonor – não lhe restituem a perdida alegria de viver. Trai Bibiana, torna-se um jogador e um bêbado, recusa-se a voltar para casa quando o chamam por causa da doença da filha Anita. Ao retornar, enfim, já pela madrugada encontra a menina morta. Mesmo assim, Bibiana continua apaixonada pelo “seu” capitão.

A chegada dos primeiros alemães em Santa Fé, no ano de 1833, é o grande assunto da vila. Rodrigo obviamente enlouquece por uma jovem imigrante, Helga Kunz, e com ela se relaciona, mas para sua surpresa a alemã abandona-o, partindo para São Leopoldo a fim de casar-se com um conterrâneo alemão.

Em 1835 estoura a Revolução Farroupilha. Rodrigo, que é amigo de Bento Gonçalves, adere imediatamente e desaparece de Santa Fé. Em 1836, o Capitão a frente de tropas revolucionárias retorna para enfrentar os Amarais e sua gente, que permaneceram fiéis ao Império. Antes do cerco ao casarão dos inimigos, Rodrigo ama pela última vez sua esposa Bibiana. Depois parte para o combate. Os farroupilhas triunfam, mas no ataque o Capitão Rodrigo encontra a morte. O episódio termina no dia de Finados, quando Bibiana vai ao cemitério com seus dois filhos:

“Ergueu Leonor nos braços, segurou a mão de Bolívar, lançou um último olhar para a sepultura de Rodrigo e achou que afinal de contas tudo estava bem. Podiam dizer o que quisessem, mas a verdade era que o Capitão Cambará tinha voltado para casa.”

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