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A estrela sobe, de Marques Rebelo

by Lucas Gomes

Publicado em 1939, A Estrela Sobe se passa em grande parte “no
pequeno mundo das estações de rádio”, contando as
peripécias e sofrimentos de Leniza Maier, moça suburbana que,
no Rio de Janeiro da década de 1930, sonha com o sucesso como cantora.
Sua jornada rumo ao estrelato é marcada por percalços e dilemas
morais: quer cortar os laços com todos os que possam atrapalhar sua ascensão,
mas a nostalgia pela vida pregressa a domina. No fim, engravida e aborta, chegando
à beira do delírio e da morte. Salva-se, mas sua crise está
longe de terminar. Antes de dar um fecho convencional à história,
porém, o autor prefere deixá-la em aberto. Diz o narrador: “
aqui termino a história de Leniza. Não a abandonei, mas, como
romancista perdi-a
“.

Como já citado, a personagem central se chama Leniza. De origem humilde,
fica órfã de pai ainda pequena. A mãe passa a trabalhar
fora. Leniza trabalha para ajudar nas despesas. Moça atraente, namora
muito, e variadamente, e é muito assediada pelas ruas do Rio de Janeiro.
Muda de emprego. Trabalhava em um laboratório quando conheceu e se apaixonou
por um médico, o Oliveira. Leniza fica ora com Oliveira, ora com Mário
Alves — este, dono de um estabelecimento que comercializa aparelhos eletrônicos,
entre os quais, rádios. Ela sonha se tornar uma cantora do rádio.
Abandona o emprego no laboratório. O patrão adverte que vida de
artista não é fácil. A mãe fica com medo. Mário
Alves a leva para fazer o teste em uma emissora. Leniza não conta para
Oliveira que está cantando no rádio: alega estar em férias.
Ela passa a se chamar Leniza Máier. Suas fotos são publicadas
em revistas. Oliveira reprova a opção de Leniza. Ela se relaciona
com Mário Alves mas pensa em Oliveira.

O mês passa e ela não recebe nenhum centavo na emissora de rádio.
Entra em pânico: está difícil sobreviver, mas crê
estar em ascensão:

Sentia-se miserável, imunda, escória humana, campo de todos
os pecados, lama, pura lama. Mas subira. Dois ou três degraus na escada
do mundo. Via que já estava num plano bem acima, algumas figuras já
ficavam menores, a miséria escondia-se já numa bruma longínqua.
Mas precisava subir mais, sempre mais, custasse o que custasse.

Leniza consegue algum dinheiro. Muda-se da casa do subúrbio para um
apartamento na zona sul carioca. A mãe vai junto. Leniza rompe com Mário
Alves. Oliveira não a quer mais. Ela, então, passa a namorar Dulce,
uma colega da rádio. Dulce ensina: as cantoras não ganham dinheiro
na rádio, é preciso ter um amante. Leniza abandona Dulce e se
oferece para ser amante de Porto, homem forte na rádio. A mãe
de Leniza fica doente. Leniza dá um fora em Porto e passa a ser amante
de Amaro, um homem rico. Ela vai cantar em outra emissora de rádio. Sente-se
infeliz. E toda vez que encontra com Oliveira, casualmente, na rua, imagina
que ele, e somente ele, poderia tirá-la do mundo infeliz em que ela se
encontra.

A personagem fica grávida. Amaro, o “pai da criança”,
se afasta. Ela quer fazer aborto. Procura Oliveira. Ele se nega a participar
da operação. Leniza aborta. Fica vários dias entre a vida
e a morte, agonizando em seu quarto. A mãe, que recebeu cartas anônimas,
se afasta da filha. A protagonista do romance A estrela sobe tem uma idéia:
ela precisa ir até uma igreja, onde acredita que irá encontrar
a solução para seus problemas. No desfecho da obra, uma sexta-feira
13, Leniza acorda decidida. E sai do apartamento:

Andava, andava, esbarrando nos homens, nas mulheres, como se estivesse
embriagada. Andava, andava. Veio-lhe claro como um clarim o desejo de humilhação.
Queria se arrastar, pedir perdão, implorar. Lembrou-se da mãe,
que fora buscar no recolhimento o consolo para a sua miséria humana.
Lembrou-se da igreja do Rosário onde fora batizada, tão redonda,
tão pequena, tão linda e dourada. Tinha ido qual fumaça
o delírio místico da primeira comunhão aos doze anos…
Caiu na realidade — estava perto da igreja. Caminhou contente, depressa,
ansiosa por chegar. Sentia já nas narinas o ar confinado da igreja, morno
e azedo, nos ouvidos o eco côncavo das naves desertas, nos olhos a obscuridade
em que as almas se ajoelham ansiosas de luz. Não, não saberia
rezar! Um vento ímpio, que soprou por anos, levara-lhe da memória
as confortadoras, mecânicas orações. Mas comporia, inventaria,
deixaria sair sem freio do coração as palavras mais espontâneas
e humildes, os cantos mais sinceros de fé e de contrição.
Deixar-se-ia arrastar pelo… Ah!, e estacou — a igreja estava fechada.
[…] O céu não me quer! — e novamente mergulhou na onda
humana, caudal de sofrimentos, inquietudes, aflições, incertezas,
pecados.

Ela pensou encontrar na igreja uma solução para seus problemas,
mas a porta da igreja estava fechada. A simbologia é clara: a igreja
não daria o que ela buscava.

Leniza Máier é uma jovem pobre em busca de sucesso na grande
fábrica de sonhos da época: o rádio. E, como visto, para
conseguir seus objetivos utiliza de todos os meios – a ponto de recusar
o amor verdadeiro e aceitar outros, menos sinceros. A personagem é uma
alegoria da cidade do Rio de Janeiro. Os conflitos, as perplexidades, as angústias,
as alegrias da personagem, na verdade, são os conflitos, as perplexidades,
as angústias e as alegrias da cidade. Sua voz se confunde com a voz do
rádio; sua ascensão como cantora representa a modernização
da sociedade. Embora protagonista da estória, Leniza não é
a sua personagem principal. A fama, antiga deusa grega que significa voz pública,
essa sim, é a voz principal do romance. Leniza, mais do que uma voz,
é porta-voz, sua voz é uma metáfora da vox populi.

A prosa urbana moderna. Esse é o lugar literário da obra do escritor
Marques Rebelo, que, deste modo, se insere na linha de Manuel Antônio
de Almeida, de Machado de Assis e de Lima Barreto. Como seus predecessores,
Rebelo aprendeu as armas do distanciamento e da ironia, que usa nos melhores
momentos de sua ficção. O crítico Alfredo Bosi o classifica
como um neo-realista que, contudo, não perde sua veia lírica,
empregada comedidamente. Seu mundo é o de gente simples, mocinhas aventureiras,
pequenos funcionários, caixeiros-viajantes, donas-de-casa, estudantes,
malandros, marinheiros, boêmios, sambistas, cujos pequenos dramas são
focados numa prosa “tensa e lírica”, cuja naturalidade resulta
de sutil estilização dos valores da linguagem coloquial, sobretudo
nos diálogos.

Para o escritor Mário de Andrade, o final inacabado confirma a modernidade
do romance, pois privilegia mais o fluir da vida do que a elaboração
de um entrecho bem-acabado, atrevendo-se até a apor um final arbitrário.
O fator decisivo para a vitalidade da obra é a capacidade de representar
as tensões do quadro social, sem que o romancista ceda a dogmatismos
ideológicos. Leniza não se arrepende ou se converte, salvando
o romance de um possível esquematismo tardiamente romântico.

Créditos parciais: Márcio Renato dos Santos, dissertação
apresentada ao curso de pós-graduação em Letras da Universidade
Federal do Paraná

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