Home EstudosLivros Há metafísica bastante em não pensar em nada (Poema), de Alberto Caeiro (heterônimo de Fernando Pessoa)

Há metafísica bastante em não pensar em nada (Poema), de Alberto Caeiro (heterônimo de Fernando Pessoa)

by Lucas Gomes

Há metafísica bastante em não pensar em nada

,
é o quinto poema de O guardador de rebanhos, de Alberto Caeiro,
heterônimo de Fernando Pessoa.

Alberto Caeiro é o poeta que aceita o mundo como ele é, sem pensar
em investigar a natureza e a origem. O poeta vive na observação,
pelos sentidos, do mundo real, no tempo presente. Para ele não há
passado, porque recordar é atraiçoar a natureza (que é
apenas o agora); não há futuro, porque o futuro é campo
de miragens enganadoras. É, em suma, o poeta do real e do objetivo. Só
os sentidos contam para ele e os olhos são o mais importante, talvez
porque os olhos captam mais largamente o mundo real.

Não quer nada com a Filosofia: “Há metafísica
bastante em não pensar em nada
“; “o único sentido
íntimo das coisas é elas não terem sentido íntimo
nenhum
“. Mas note-se que tudo isto não passa de um belo jogo
artístico. Com efeito, Caeiro, ao negar toda a Metafísica, já
está raciocinanado, construindo uma nova metafísica: a Antimetafísica.

Vê-se, portanto, que o poeta, ao recusar a busca constante de um sentido
transcendente em tudo o que existe, pretende libertar o homem da extrema dependência
que este sente face à inteligência e conduzi-lo novamente ao encontro
da Natureza. A sua filosofia pode resumir-se deste modo: “
metafísica bastante em não pensar em nada
”, afinal
O único sentido íntimo das coisas/ É elas não
terem sentido íntimo nenhum
”. É precisamente por negarem
a metafísica que os poemas de Caeiro adquirem um forte significado metafísico.
O poema V começa de uma forma profundamente paradoxal com um verso que
atribui uma significação metafísica ao ato antimetafísico
de não pensar.

Alberto Caeiro nega a metafísica que valoriza o conhecimento abstrato.
Para a metafísica, o verdadeiro sentido do significado do mundo iria
além do alcance sensorial, com o quê não concorda o poeta.
Ao negar a metafísica, o poeta vale-se de argumentos embasados no sensorialismo.
Nos versos o poeta sobrepõe as sensações visuais ao mistério
das coisas, que é o objeto da metafísica.

O panteísmo é outro aspecto presente no texto, principalmente
nas definições que ele faz de Deus. O panteísmo é
uma doutrina filosófica, segundo a qual só o mundo é real
e Deus é a soma de todas as coisas e nelas se manifesta. Dessa forma,
as árvores, as flores, os montes, o sol e o luar são manifestações
da própria divindade.

Para Alberto Caeiro, Deus não é uma entidade abstrata e inacessível
aos sentidos humanos. Como ele adora a natureza, que ele vê, sente, ouve
e toca, ele vê Deus naquilo que existe de concreto, neste caso, a natureza.

O segredo da vivência sensacionista, defendida neste poema, é
pôr de lado o erro do pensamento e impedir que este prejudique a apreensão
correta do real, obtida exclusivamente através dos sentidos. Assim, se
o poeta fechar os olhos deixa de saber o que é o sol porque não
consegue vê-lo.

Alberto Caeiro aborda a perspectiva metafísica não pela sua presença,
mas sim pela sua ausência no processo contemplativo de uma simples árvore.
O poeta objetivo vê as árvores apenas como árvores e por
isso recusa a atribuição de um valor transcendente e subjetivo
a qualquer matéria física sob pena de distorcer a sua essencialidade.
Contudo, admite que as árvores, ao não terem consciência
da razão da sua existência e ao não saberem que desconhecem
essa mesma razão, possuem a melhor metafísica que pode existir.

Caeiro se pergunta como os filósofos e poetas conseguem pensar em tanta
coisa além do que lhes apresenta aos sentidos: “Quem está
ao sol e fecha os olhos, / começa a não saber o que é o
sol.
”; e é desta distração dos filósofos
– aliás, para o poeta os filósofos são homens doidos
e os poetas místicos são homens doentes – que surge toda
esta explanação metafísica a respeito de alguma coisa cheia
de calor, e a partir disto os homens doidos começam a pensar em várias
outras coisas cheias de calor; no entanto, quando ele abre os olhos e vê
o sol, ele já não pode pensar em mais nada “porque a
luz do sol vale mais que os pensamentos / de todos os filósofos e de
todos os poetas
.” Pensar o mundo é estar doente:

Creio no mundo como num malmequer,
Porque o vejo. Mas não penso nele
Porque pensar é não compreender…

O Mundo não se fez para pensarmos nele
(Pensar é estar doente dos olhos)
Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo…

Se perguntássemos ao poeta o que ele pensa do mundo, ele responderia:

Não sei. Pra mim pensar nisso é fechar os olhos
E não pensar. É correr as cortinas
Da minha janela (mas ela não tem cortinas)

Sendo assim, sua negação à metafísica fica enfatizada
quando o poeta nos pergunta:

Metafísica? Que metafísica têm aquelas árvores?
A de serem verdes e copadas e de terem ramos
E a de dar fruto na sua hora, o que não nos faz pensar,
A nós, que não sabemos dar por elas.
Mas que melhor metafísica que a delas,
Que é a de não saber pra que vivem
Nem saber o que não sabem?

E sem poder deixar de falar – já que a negação
à metafísica se estende até o final do canto – , Caeiro
vai expor seus sentimentos quanto a Deus. Lembremos que: Caeiro é um
homem do campo; ele é um pagão porque sua relação
com o mundo sensível descarta qualquer referência a outro mundo.
Sendo assim, quanto a Deus nos é dito:

Não acredito em Deus porque nunca o vi.
Se ele quisesse que eu acreditasse nele,
Sem dúvida que viria falar comigo
E entraria pela minha porta dentro
Dizendo-me, Aqui estou!

A suposta incoerência dele é constante e, por isto, ele pode dizer
que acredita em Deus, mas somente se ele estiver em seu mundo – o mundo
da natureza:

Mas se Deus é as flores e as árvores
E os montes e o luar e o sol
Então acredito nele,
Então acredito nele a toda hora,
E a minha vida é toda uma oração e uma missa,
E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos.

Mas se Deus é as árvores e as flores
E os montes e o luar e o sol
Para que lhe chamo eu Deus?
Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar,
Porque se ele se fez, para eu o ver,
Sol e luar e flores e árvores e montes,
Se ele me aparece como sendo árvores e montes
E luar e sol e flores,
É que ele quer que eu o conheça
Como árvores e montes e flores e luar e sol.

Poema na íntegra:

Há metafísica bastante em não pensar em nada.
O que penso eu do Mundo?
Sei lá o que penso do Mundo!
Se eu adoecesse pensaria nisso.

Que ideia tenho eu das coisas?
Que opinião tenho sobre as causas e os efeitos?
Que tenho eu meditado sobre Deus e a alma
E sobre a criação do Mundo?
Não sei. Para mim pensar nisso é fechar os olhos
E não pensar. É correr as cortinas
Da minha janela (mas ela não tem cortinas).

O mistério das coisas? Sei lá o que é mistério!
O único mistério é haver quem pense no mistério.
Quem está ao sol e fecha os olhos,
Começa a não saber o que é o Sol
E a pensar muitas coisas cheias de calor.
Mas abre os olhos e vê o Sol,
E já não pode pensar em nada,
Porque a luz do Sol vale mais que os pensamentos
De todos os filósofos e de todos os poetas.
A luz do Sol não sabe o que faz
E por isso não erra e é comum e boa.

Metafísica? Que metafísica têm aquelas árvores
A de serem verdes e copadas e de terem ramos
E a de dar fruto na sua hora, o que não nos faz pensar,
A nós, que não sabemos dar por elas.
Mas que melhor metafísica que a delas,
Que é a de não saber para que vivem
Nem saber que o não sabem?

“Constituição íntima das coisas”…
“Sentido íntimo do Universo”…
Tudo isto é falso, tudo isto não quer dizer nada.
É incrível que se possa pensar em coisas dessas.
É como pensar em razões e fins
Quando o começo da manhã está raiando, e pelos lados das
árvores
Um vago ouro lustroso vai perdendo a escuridão.

Pensar no sentido íntimo das coisas
É acrescentado, como pensar na saúde
Ou levar um copo à água das fontes.

O único sentido íntimo das coisas
É elas não terem sentido íntimo nenhum.

Não acredito em Deus porque nunca o vi.
Se ele quisesse que eu acreditasse nele,
Sem dúvida que viria falar comigo
E entraria pela minha porta dentro
Dizendo-me, Aqui estou!

(Isto é talvez ridículo aos ouvidos
De quem, por não saber o que é olhar para as coisas,
Não compreende quem fala delas
Com o modo de falar que reparar para elas ensina.)

Mas se Deus é as flores e as árvores
E os montes e sol e o luar,
Então acredito nele,
Então acredito nele a toda a hora,
E a minha vida é toda uma oração e uma missa,
E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos.

Mas se Deus é as árvores e as flores
E os montes e o luar e o sol,
Para que lhe chamo eu Deus?
Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar;
Porque, se ele se fez, para eu o ver,
Sol e luar e flores e árvores e montes,
Se ele me aparece como sendo árvores e montes
E luar e sol e flores,
É que ele quer que eu o conheça
Como árvores e montes e flores e luar e sol.

E por isso eu obedeço-lhe,
(Que mais sei eu de Deus que Deus de si próprio?),
Obedeço-lhe a viver, espontaneamente,
Como quem abre os olhos e vê,
E chamo-lhe luar e sol e flores e árvores e montes,
E amo-o sem pensar nele,
E penso-o vendo e ouvindo,
E ando com ele a toda a hora.

Créditos: Prof. António Afonso Borregana, Portugal |
Profª Bárbara Ferraz, Portugal | Prof. Valdir Ferreira,
Colégio Lúmen | Prof. Vilson Ferreira, Pedagogo pela
Universidade Estadual de Goiás

Posts Relacionados