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Natal na cafua (Conto da obra Malagueta, Perus e Bacanaço), de João Antônio

by Lucas Gomes

As tribulações da rotina de um quartel afetam o anônimo narrador-protagonista
de Natal na Cafua. A personagem, um simplório recruta, após ter sido
injustamente acusado de provocar um acidente de trânsito no qual sai ferido
o irritado superior Sub-Tenente Moraes, é detido na prisão do quartel durante
as festividades do Natal. Notamos, através da leitura da narrativa, que o anônimo
soldado, na companhia do prepotente Sub-Moraes, torna-se também uma figura mau-humorada.
Sua aparente irritação e desprezo pelo superior podem ser constatados neste
fragmento escolhido do conto:

Ele estava ali, velhote e meio surdo, fumando, berrando, xingando, com o
braço passeando do lado de fora da janela. O bigode à antiga, cheio, abria -se,
quase saindo da cara redonda. Era um bigode vigoroso e ajeitado todos os dias
no barbeiro do quartel […].
Metia-se a entender de tudo – motor, tração, explosão, desnorteava a mecânica,
a garagem, tudo. E fosse alguém responder, argumentar… Era cadeia […]. Mais
chato que a chateação […].

Ao contrário da malandragem, motivadora de desafetos entre familiares, o narrador
de Natal na Cafua, mesmo condenado a passar o feriado no quartel, lembra-se
com ternura de seus pais, primos e amigos (aspecto que confirma a sua posição
de “otário”), costumeiramente reunidos nessas ocasiões. A esse respeito, vale-nos
as rememorações do jovem militar que apontam uma diferença entre esta narrativa
e as demais presentes na obra Malagueta, Perus e Bacanaço:

É. Lá em casa devem estar tristes. Papai, mamãe, Natal é coisa séria para
a família que se reúne todos os anos. A gente se reencontra, se revê, abraços,
camaradagem. Sempre aparece um primo que está mais velho. Este ano papai convidou
até padre Pedro, amigo velho da casa […].
Até hoje me trata como menino, acha que eu ainda sou menino, e sei que ele vai
perguntar por mim […].

São lembranças prazerosas e bonitas para o narrador e que contrastam com o ambiente
deplorável da prisão, com “a parede imunda, que, à luz do dia, contém toda uma
variedade de palavrões, apelidos, marcas de sujeitos” que por ela passam e mofam,
“nomes de maloqueiras da redondeza”.

Importante registrar que, apesar do sofrimento físico, provindo do acidente,
e o moral, proveniente do Sub-Moraes, o soldado comove-se com a atitude de outro
superior, o sargento Magalhães. Este, vendo o recruta impossibilitado de segurar
qualquer objeto com as mãos feridas, o ajuda colocando um cigarro em sua boca.
Diante desse inesperado contato amigável entre superior e subordinado, o soldado
tranqüiliza-se e começa a observar os fatos e pessoas não mais com o desalento
de antes, mas serenamente.

Vê-se, então nesta narrativa, que o Natal, pelos olhos de um soldado sem liberdade,
é emoldurado por uma desolação individual, um descortinamento das nuances tristes
que tal data pode esconder.

O ângulo é de quem está por baixo, à margem. A ambientação é inseparável da
sua humanidade, apresentando assim, aspectos impressionistas. Mesmo que essa
relação não se apresente sem tensão ou conflito, como na pintura impressionista,
aqui, análogo a esta, tanto o ambiente quanto o aspecto humano, ambos são fonte
e produto de sentimentos, estados de espírito e ações. A exploração das qualidades
de luz, atmosfera e cor, aparece aqui fixada mediante a percepção direta e a
tremulação das pinceladas nas descrições imprecisas, desenhadas pelo artigo
indefinido: “É um sol, um ar, um dia tão leve…”.

A ação está longe de constituir o essencial. Aqui, temos um soldado apático
refletindo a dominação o massacre físico que só a dúvida resiste ao ambiente
deteriorado. O nariz se acostuma com os dejetos, ou eles não existem mais, o
sofrimento não existe ou é a voz que fala sem sentir?

O narrador não sonha com nada, não almeja melhora, ele vai mudando seu olhar
concomitante aos acontecimentos. Eles mandavam, ele obedecia. Se eles massacram,
ele sofre, mas não revida, se eles são amáveis, ele ama também.

Sua ação se reflete apenas nos sentimentos que descreve. Ele existe a partir
do que sente, do que pensa, o que não é nunca em aprofundamento da alma. Ele
suportar o mundo, o que o constitui são as suas impressões. Ele não luta por
nada, apenas constata. Sua consciência de constatação não o coloca em conflito
real com o mundo. Assim, a imagem inicial é o do motorista do quartel, que guia
a sua liberdade, quando está sozinho; sem hierarquia viajava em seus sonhos:

Agora a caminho da subsistência, a Lapa, buscar pão e carne, na subsistência,
viagem de todas as manhãs. Eu gostava do volante, adorava o volante. E mais,
gostava daquelas idas à Lapa, porque me deixavam sozinho, atravessando a cidade
toda, todinha. E bairros, e bairros, lá ia eu.
Santa Cecília, Perdizes, Pompéia, ia tão contente no caminhão, que o caminhão
parecia meu.

Assim como em Retalhos de uma fome numa tarde de G. C., cuja libertação
se dá pela personagem Tila, aqui, esta acontece pela capacidade de movimentação
externa e conseqüentemente interna do narrador. A movimentação do narrador só
é possível por meio do caminhão que, símbolo de uma liberdade onírica, representa
um estado do qual ele se apropria. As nomeações dos lugares, pelos quais passa,
perde sua referencialidade para dar vazão a uma estância poética do ambiente.

A fluidez do espaço, determinado pelo movimento parece se relacionar com os
temas da pintura impressionista, que focavam ocasiões exemplares de liberdade.
Tal como a experiência do narrador, os espectadores eram eximidos, por um momento,
do hábito e da rotina que, nesse caso, é o ambiente da prisão, tão limitador.
Dessa forma, a revitalização do narrador se dá pelo contato com matizes do espaço,
que expressa a mobilidade do narrador- viajante atento à riqueza e ao aspecto
indeterminado do meio, aberto, cambiante, oferecendo inúmeras vistas e sensações
fascinantes”.

Em conjunto o narrador é aprisionado, por isso esse estado só acontece pelo
individual. Sozinho, sem os maus tratos da caserna pode sentir que “aquilo,
sim, era vida”. Nessa narrativa, vida e alegria se ligam à liberdade e à compaixão,
assim como seus opostos podem resumir-se à opressão.

Nenhuma possibilidade de felicidade fora das duas horas em que corria pelos
bairros de São Paulo, sozinho, livre. O sub Moraes, que agora o acompanharia
em todas as viagens, é descrito numa grande metáfora caricatural do poder onipotente,
arcaico: “O bigode, à antiga cheio, abria-se quase saindo da cara redonda. Era
um bigode vigoroso e ajeitado todo o dia no barbeiro do quartel”. O bigode,
em sua expressão austera e ao mesmo tempo bonachona, que é arrumado no quartel,
revela um poder reiterado e mantido pela instituição. Acompanhado desse “boçal”,
“mais chato que a chateação”, sua liberdade acaba em frio e mudez.

“E fosse alguém responder, argumentar… Era cadeia. […] Agora me chamando
de lambão, espezinhando, procurando chifre em cabeça de cavalo. Se eu fosse
um sujeito encrespado…”. A hierarquia mutila sua fala, diálogos não existem.
Atrás do volante, ele observa, só seu pensamento é livre e paradoxalmente preso
num olhar tristemente belo, nostálgico e desalentado: “Garoa e frio na manhã
de dezembro. Garoa fria, insistente que caía nos paralelepípedos e no asfalto,
primeiro salpicando, depois molhando tudo. Uma beleza”. A gradação da mudança
na paisagem é muito bem delineada dando movimento, temperatura e textura à imagem:
a garoa e o frio se condensam em garoa fria, refletindo a sua insistência. As
pinceladas sãos impressionistas, pois essa imagem da garoa que cai gradualmente,
cobre a paisagem.

O frio se liga à prisão, à tristeza, ao desassossego, ao desconforto de uma
vida. Filtrado por um olhar oprimido, o Natal é outra coisa; imagens externas
não revelam o interno, pelo contrário, podem camuflar tristes contrastes. Há
uma profunda dissonância entre o que ele vê e o que sente. E o cenário abastado
de enfeites não o convence: “Nas ruas da cidade, os preparos de Natal, repetiam
aqui, ali, além, numa fachada de loja, numa entrada de cinema, cores vibrantes
na manhã. Mas não era alegre, era tristeza na manhã de corpos agitados, de pressa,
de frio bravo”. Para o homem na rua, a multidão, juntamente com as lojas, cinema
é parte sensível de sua própria existência. Nenhuma forma definida, nenhum grau
de precisão, nem dos corpos, nem das cores.

Os motivos natalinos vão se dissipando diante daquele olhar fustigado por uma
vida humilhante e prisioneira. A crítica vem em forma de poesia triste: os arranjos
de Natal estão em desacerto com os corpos intranqüilos, apressados; o capitalismo
o desprotege, metaforicamente, num frio bravo; o papai Noel é emprestado da
cultura estrangeira, abastada e branca. Ou sonho da burguesia, ou pesadelo dos
pobres:

Um ou outro Papai Noel de propaganda sustentando cartazes nos braços. Sujeitos
magros, desajeitados, alguns eram negros fantasiados de Papai Noel, se arrastavam
ridículos, as botas imundas de lama”.
Um especialmente um, era triste. Lá em cima duma perua, sentado numa poltrona
ordinária, descascada nos braços e amarrada à capota do carro. O homem fazendo
propaganda de pastas de dentes. O vento lhe batia na cara e fustigava a barba
postiça, sua roupa muito larga, descorada, apalhaçada. Sentado, parado, parecia
pensar e deveria sentir frio.

Em meio a vários Papais Noéis ridículos, o narrador, num voyerismo baudeleriano,
resgata a figura de um que é especialmente triste por possuir a consciência
de sua situação ridícula. Esse destaque revela uma identificação entre os dois
personagens, pois ambos tinham a liberdade tolhida e ambos sabiam disso: “parecia
pensar e deveria sentir frio”. Outro ponto importante, e que poderia significar
uma posição elevada no mundo: “lá em cima”, mostra-se, ao contrário, uma extremada
exposição que chega à desproteção, pois a fantasia, que deveria protegê-lo,
na verdade o expõe à artificialidade, a uma coisificação. Sendo assim, de símbolo
máximo a um palhaço, o papai Noel dessa narrativa representa o que pode haver
de patético e até de agressivo em apropriações culturais descontextualizadas.
É um homem sensível que se sujeita a tudo isso, às roupas que não lhe servem,
que o humilham numa perda de identidade. É um boneco todo postiço servindo de
painel comercial, mas que pensa e que sente: “Sentado, parado, parecia pensar
e deveria sentir frio”. É, enfim, mais um homem com frio na sua desproteção
social. Ele está exposto, inominado e fetichizado, se mistura à “…poltrona
ordinária, descascada nos braços e amarradas à capota do carro”. As crianças
também captam esse descompasso quando o pilheriam no seu patético papel: “Lá
embaixo, crianças morenas riam dele, zombavam, corriam atrás da perua. Ficava
uma zoeira de música de Natal, mais os gritos das crianças. Tristeza um homem
ganhar a vida daquele jeito. Como me pareciam detestáveis aquelas crianças morenas”.

Para “aquele palhaço de um circo falido” e para seu cúmplice, o narrador, tudo
aquilo era desarticuladamente triste. Como que num cataclisma inexorável, perante
tão vil situação, um acidente é descrito inesperadamente:

— Toma cuidado, lambão!
Mas não deu tempo. Desguiei, desguiei, as mãos torceram o volante, torceram,
desembraio, breque, não deu tempo. Um Chevrolet veio contra mão, passou-nos
direto, nem nos raspou. Eu fui contra a perua do Papai Noel, o pára-choque enterrou-se
inteiro na lataria. O Papai Noel estava ajoelhado na poltrona, abobalhado.

Dois homens humilhados em seu trabalho, num choque causado por um dos símbolos
do capitalismo, um Chevrolet, que vem na contra-mão e sem tocá-los, machuca-os,
oprime-os. O narrador se machuca muito nas mãos e ainda vai para cadeia. A liberdade
se anula totalmente, porque diante do silêncio imposto, as mãos que lhe asseguravam
aquela sensação, são imobilizadas, emudecidas. Destruídas as pontes simbólicas
(mãos e caminhão), o narrador é devolvido a sua impossibilidade:

O sub botou o braço na tipóia e eu fui parar no xadrez.
[…] Natal.
Sol lá fora, ruídos se tocam, se combinam, enchem a manhã, e é muito fácil adivinhar
as coisas da rua em frente ao quartel. E não é muito triste não. A dureza toda
está nas mãos que doem terrivelmente, coçam, coçam.

Sons impressionistas de confusão indecifrável, luz, memórias de felicidade,
tranqüilidade e uma doce poesia se alternam com a escuridão fétida da cafua,
numa onda de expectativa que oscila entre a esperança amorfa e uma metamorfose
aceita, nunca chega à revolta ou à falência. A expressão da cafua e do sol mascara
uma outra, a da sombra e da luz: “Aqui é frio, escuro, há fartum de dejetos,
mas lá fora há sol, barulho de automóveis, certamente crianças estarão estreando
brinquedos de Natal”. A cafua de onde o jovem preso imagina a população livre
é ao mesmo tempo o lugar da infelicidade e da contemplação da felicidade, e
se torna, por uma reviravolta, não mais o observatório, mas o local observado.
Esse processo em que o que o vislumbre do que está fora é elemento enfático
para o que está dentro vai delineando a bipolarização do espaço, verticalmente,
descoberto: sombra e luz, que sinalizam, respectivamente, dentro da prisão,
fora da prisão; dentro de si, fora de si. Essa dicotomia sensível permeia toda
a relação do narrador com o mundo: “Também Isaura vai perguntar. Novinha, miúda,
mas linda, Isaura tem me dado domingos tranqüilos, sábados tranqüilos. Isaura
tem uns olhos claros, mansos que lhe deixam ver a alma. Um dois dias por semana
passo meigamente nos olhos de Isaura”. O aspecto físico e afetivo de Isaura,
o carinho entre eles se delineia expressando uma noção de delicadeza e doçura
em oposição a dureza do mal-estar das mãos. Ele se aconchega, metonimicamente,
no olhar de Isaura, que é a representação do exterior e, portanto, da idéia
de liberdade. Depois, uma poesia grotesca e paradoxalmente amorfa toma o lugar
dos sentimentos da alma. Numa metamorfose, o narrador animaliza-se:

No primeiro dia, as emanações da latrina, nojentos, enchiam toda a cadeia.
Eu sentia enjôo e dor de cabeça. Já hoje não estranho, estou calmo, nem triste
da vida, nem tão saudoso de Isaura, de casa. Acredito que vou me acostumando,
crio casca, traquejando, ganhando cheiro de macaco.

Uma das características que este narrador personagem herda da narrativa poética
é o não aprofundamento psicológico, aquele se revela pelo vai e vem dos seus
pensamentos. Absorvidos pela narração, os personagens são devorados. Seus companheiros
de cafua são anônimos, o sub Moraes só realça o seu sofrimento, a família, a
sua solidão. O sargento Magalhães, que no dia de Natal lhe dá liberdade e um
cigarro significa, como veremos, a sua re-humanização. A luz do narrador fá-los
sombras, imagens, “a sua verdadeira natureza de seres de linguagem”. Assim,
o apagamento dos personagens deixa ao espaço um lugar privilegiado. No trecho
acima, por exemplo, é tão implacável a relação do espaço, degradado, com o sujeito,
que este acaba por anular a idéia de casa.

E, assim a simbiose do espaço com o narrador acaba dando destaque àquele, pois,
em primeira instância, o odor provoca a náusea, que se transforma posteriormente
em resignação, representando, assim, a involução, pois é a efetivação da falência
da humanidade frente ao espaço. A tensão, que enriquece o texto e provoca o
mais variado lirismo, continua a ganhar nuances diferentes. Quando o Sargento
Magalhães autoriza a tarde de Natal fora da cafua, o texto se ilumina:

Na cafua a vista se ajeita à escuridão, se acomoda, se habitua. Assim como
o corpo se ajeita à imundície e à seminudez das camisetas e dos calções ordinários.
Por isso, quando saímos à luz, o sol nos parece uma coisa muito boa, que vibra,
uma coisa quase nova, que nos aquece e nos encanta, quase nos assusta…

A independência, simbolizada pela luz, tem seu ápice num composto de significação
universal: “Nós respiramos fundo. Nós olhamos para o alto, para o céu, nós olhamos.
Assim os homens saúdam o sol”. A esperança está lá, no alto, no sol, nos homens.
É numa marcação de um tom crescente, que a ascendência da contemplação para
a saudação acontece. Essa imagem reproduz a idéia de emersão espacial e intimista,
pois na prisão tudo submerge pela restrições do meio, inclusive os sentidos,
já, fora, a capacidade de sentir e agir se expande e eleva a uma dimensão superior,
oposta à limitação da Cafua. Essa expansão atravessa a todos e um sentimento
único une aqueles diferentes soldados. Um afeto vem selar tal humanidade:

Uma pausa, pardais, meninos lá fora, o sol. E o maço de cigarros que se estende.
[…] Também tenho recebido favores, dispensas e já ganhei dois elogios no boletim,
porque eu sei o que faço no volante. Mas nunca, nada me sensibilizou tanto como
agora o maço de cigarros estirados pelo Sargento Magalhães, naquela fala camarada.
Nunca recebi nada tão bom. Arrisco uma liberdade. Falo humilde, falo baixo,
os músculos da cara parados, um medo de botar tudo a perder:
— Mas é preciso me botar na boca.
O homem me põe o cigarro na boca.

A liberdade, mesmo cerceada pelos limites do quartel, pode ser vislumbrada pelo
menos no nível sensorial. Seu olhar é outro, a sensação de amor e de liberdade,
explorada na incessante movimentação, lhe recobra afetos, a resignação animalesca
se torna complacência, seu horizonte se amplia de fora da cafua para fora do
quartel:

Boto os olhos nas crianças lá fora, as mãos doem, penso no Padre Pedro, penso
em Isaura, nos olhos calmos de Isaura. Olho para a calçada. Como são lindas
as crianças morenas! Vou andado, andando, vou juntar-me aos outros, ficar pela
grama, com os outros, até que a tarde acabe e o Sargento nos recolha à cafua.

Seu olhar tem outro prisma das coisas: as crianças morenas, que lhe “pareciam
detestáveis”, agora são lindas; voltaria para a cafua, mas com sua humanidade
às soltas. O limite espacial que o separa da rua, da liberdade é tão tênue,
que a alegria do Natal lá fora o invade. Aquela dialética do espaço foi transposta
pela afetividade da doação, o prazer exterior agora está pegado no seu íntimo:
“— Tem cigarros? / Puxa, como aquilo era bom! / Pensando no Sub Moraes.
Como seria o Natal do sub? Teria crianças, uma tarde assim como a minha?”. A
sutileza do sentimento humano, nesse caso, a superioridade emocional do narrador,
quebra o poder hierárquico da instituição militar. Além das significações já
analisadas acerca dessa relação, a própria designação – sub -, paradoxalmente,
relega ao seu superior uma noção de inferioridade. Nessa narrativa, assim como
na anterior, se tem a superação do todo afetivo humano sobre a hierarquização
institucional.

Enfim, nos é apresentada uma conduta que excede as forças individuais dos soldados
ou de qualquer homem, ou seja, o enfrentamento das adversidades com serenidade
e o sofrimento pela dureza das relações de poder com gentileza solidária. A
violência da sociedade de classes é criticada à medida que se instaura no texto
o potencial revolucionário da gentileza. Assim, numa busca da essência da linguagem,
o escritor supera o incolor da relação capitalista, em que há a exploração do
homem pelo homem, com o colorido de um estilo que reverbera sentimentos e emoções
de um homem que é apoio para o próprio homem.

Texto proveniente de:
Jane Christina Pereira
– Doutoranda em Letras da Universidade Estadual Paulista (UNESP)
Luciana Cristina Corrêa – Pós-Graduada em Letras da Universidade Estadual
Paulista (UNESP)

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