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Sarças de Fogo, de Olavo Bilac

by Lucas Gomes

Em Sarças de Fogo, de Olavo Bilac, permanece o lirismo, a que se acrescenta agora o sensualismo. São poemas eróticos, centrados na beleza física da mulher e no amor carnal, reduzido a um jogo bem arranjado de palavras, buscando mais o efeito que a genuína sensualidade. É um erotismo declamatório, que é o caso dos poemas “Tentação de Xenócrates”, “Satânia”. “O Julgamento de Frinéia”. “Alvorada do Amor” e outras.

Surge nesta obra um autor sátiro cujos poemas eróticos só se consegue ler achando graça, o que contrasta com o espírito original. Mas, mesmo sabendo que é um erotismo que se reduz ao puro jogo bem arranjado de palavras, nota-se a presença de um veemente temperamento romântico, controlado a custo pela disciplina formal aprendida. Da multiplicidade de vozes do poeta, a mais esfuziante talvez seja a voz erótico-amorosa, fortíssima nos poemas desta obra.

O primeiro poema dessa obra, intitulado “O julgamento de Frinéia”, narra a história de uma cortesã grega que foi levada ao Areópago porque estaria corrompendo a moral das famílias helênicas. O acusador, Eutias, exige a condenação de Frinéia, valendo-se de um argumento moral. Passada a acusação, o povo quer Frinéia condenada. Os juízes querem Frinéia condenada. É a vez da defesa. Fala o advogado, Hipérides, cujo timbre de voz se confunde com o sabor da liberdade. Ainda assim, os espectadores permanecem irresignados. Frinéia capitulará. Desse modo, Hipérides apela para o profano. Arranca a roupa de Frinéia, deixando-a nua.

Veja outros dois poemas contidos na obra:

NEL MEZZO DEL CAMIN

Cheguei. Chegaste. Vinhas fatigada
E triste, e triste e fatigado eu vinha.
Tinhas a alma de sonhos povoada,
E a alma de sonhos povoada eu tinha…

E paramos de súbito na estrada
Da vida: longos anos, presa à minha
A tua mão, a vista deslumbrada
Tive da luz que teu olhar continha.

Hoje, segues de novo…Na partida
Nem o pranto os teus olhos umedece,
Nem te comove a dor da despedida.

E eu, solitário, volto a face, e tremo,
Vendo o teu vulto que desaparece
Na extrema curva do caminho extremo.

O título, “No meio do caminho”, alude a um verso de Dante Alighieri: “Nel mezzo Del camin de nostra vida / mi ritrovai numa selva oscura”, que fala dos trinta e cinco anos do poeta italiano, da metade do caminho da vida.

SATÂNIA (fragmento)

Nua, de pé, solto o cabelo às costas,
Sorri. Na alcova perfumada e quente,
Pela janela, como um rio enorme
Profusamente a luz do meio-dia
Entra e se espalha, palpitante e viva.
(…)

Como uma vaga preguiçosa e lenta,
Vem lhe beijar a pequenina ponta
Do pequenino pé macio e branco.
Sobe…cinge-lhe a perna longamente;
Sobe…- e que volta sensual descreve
Para abranger todo o quadril” – prossegue.
Lambe-lhe o ventre, abraça-lhe a cintura,
Morde-lhe os bicos túmidos dos seios,
Corre-lhe a espádua, espia-lhe o recôncavo
Da axila, acende-lhe o coral da boca.
(…)

E aos mornos beijos, às carícias ternas
Da luz, cerrando levemente os cílios
Satânia os lábios úmidos encurva,
E da boca na púrpura sangrenta
Abre um curto sorriso de volúpia.
(…)

Em termos estruturais, este poema foge um pouco ao padrão parnasiano. Apesar de ser composto apenas por versos decassílabos, o que revela alguma preocupação formal, não há nele uma preocupação com a rima nem com o tamanho das estrofes.

Além disso, em termos temáticos, tem-se aí também algum resquício de Romantismo, principalmente se for observado o modo idealizado como é descrito esta figura feminina. Por outro lado, porém, não há nesta descrição a participação direta de um “eu” romântico, que sofre ao perceber a beleza desta mulher. A descrição que é feita traz grande dose de objetividade, de distanciamento, traços típicos do Parnasianismo, além de conter um alto grau de sensualidade, elemento bastante presente nesta obra de Olavo Bilac, Sarças de Fogo.

Um dado importante a considerar é o modo como é feita a descrição desta figura feminina. O truque utilizado pelo poeta foi o de colocar ante esta mulher a luz do sol, que é o ponto de vista através do qual ela vai ser apresentada. Esta luz, que entra pela janela do quarto e se desenrola pelo chão, pelos tapetes, vai iluminar primeiramente os pés de Satânia e, a partir daí, vai fazer uma sensual viagem pelo corpo desta mulher, descrevendo-o à medida que ele vai sendo iluminado pelo sol. Desta forma, a descrição segue um caminho pouco usual: a mulher é descrita de baixo para cima, dos pés à cabeça.

Outro simbolismo presente na luz do sol é ser ele uma figura distante, não é um “eu” romântico, não é um indivíduo colocado frente a esta mulher, mas tem reações humanas. A luz do sol treme, arfa, fica confusa diante de tanta beleza de Satânia. Pode-se, então, dizer que a luz do sol simboliza qualquer observador que pudesse ser colocado nesta cena, o que reforça o poder de sedução da personagem.

O fragmento final apresentado mostra o outro lado, o que faz Satânia ao sentir-se observada. Ao perceber a insegurança que sua beleza causa na luz do sol (nos que a observam), ela simplesmente sorri, ciente de seu poder de sedução e do controle que tem sobre a situação.

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