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Vaqueiro e visconde, de José Expedito Rêgo

by Lucas Gomes

Em 1981, José Expedito de Carvalho Rego, publicou seu primeiro livro,
Né de Sousa, biografia romanceada do Visconde da Parnaíba.
Esse livro teve uma segunda edição, sob o título de Vaqueiro
e Visconde
.

Neste romance, José Rego retrata a trajetória de Manoel de Souza
Martins, o Visconde de Parnaíba, revelando uma possibilidade de trajetória
infantil no Piauí do século XIX, construída em meio rural,
dando conta da existência de práticas diversas, construídas
fora dos quadrantes escolares. O menino Né de Sousa, personagem do romance,
embora tenha até aprendido a ler e a realizar alguns cálculos
aritméticos com familiares, recebeu do vaqueiro Afonso as lições
que o iniciaram na arte de campear o gado, de saber achar as vacas manhosas
que escondiam as crias, a manusear o ferrão para auxiliar na captura
dos bois, a laçar e derrubar os mais renitentes, a encaretá-los
e levar até o curral, a curar as bicheiras, a conhecer a hora de cobrir
os animais, saberes práticos que eram repassados às gerações
mais novas no contato direto e cotidiano.

A obra aborda a vida de uma figura muito discutida da história piauiense
e que lutou pela causa da emancipação política do estado:
Manuel de Sousa Martins, o Visconde da Parnaíba. A ficção
e a história são formulações da linguagem que apresentam
um estreitamento de relações. Vários escritores buscam
na História recursos para escreverem os seus romances.

José Expedito de Carvalho Rêgo soube retratar perfeitamente fatos
históricos nesta obra. O romance cobre um vasto período de tempo,
desde o nascimento do herói, em 1767 até a mudança da capital
de Oeiras para Teresina, quando ele já se encontrava velho e em declínio.

Para uma melhor compreensão da obra, faz-se necessário que o
leitor tenha alguma noção da História do Piauí.

Né Martins, pai de Né de Sousa, era pobre, mas portador de muita
saúde e disposição para o trabalho. Ao se casar com Donana
Rodrigues, recebeu como presente de casamento do seu sogro a fazenda Serra Vermelha,
onde moravam quando nasceu Né de Sousa, primeiro filho do casal.

Né de Sousa, como era conhecido na redondeza, teve uma instrução
que se resumia em aprender a ler e a contar, iniciando-se na língua latina
com um tio afim – o Sargento-Mor Marcos Francisco de Araújo Costa.

Órfão de pai, teve que fazer-se homem prematuramente. Antes dos
dezesseis anos já era o braço direito da mãe viúva.
Auxiliava nos trabalhos da fazenda e na educação dos irmãos
mais novos. Ingressou na carreira militar, o que representava a possibilidade
de ascensão social e aquisição de títulos. Durante
sua adolescência e mocidade trabalhava com afinco no intuito de aumentar
o patrimônio da família, que fora herdado do pai e da avó
e madrinha.

Casou, na flor da idade com sua prima Josefa Maria dos santos, com quem teve
três filhos. Aos setenta e sete anos, contraiu segundas núpcias,
a pedido do seu filho João, com a viúva Maria Benedita Dantas.
Desse segundo casamento não teve filhos. Homem muito sensual, mesmo nos
primeiros anos de casamento Josefa não lhe satisfazia mais completamente
e, após o terceiro parto, tornou-se inútil para o amor.

Obrigado a encontrar uma saída para as suas necessidades sexuais, envolve-se
com Sebastiana, conhecida carinhosamente como Tiana, uma mulata bem clara, filha
do vaqueiro de uma de suas fazendas, a quem amou muito, quiçá
até mais que sua esposa, que tinha uma saúde debilitada.

Quando Tiana faleceu, repentinamente, sentiu-se mais viúvo do que se
tivesse perdido a esposa legítima, que passou a cuidar das filhas da
amante do marido. Deixou numerosos bastardos, a quem amparou e educou com desvelo.

Manuel de Sousa Martins, homem de grande influência, prestou relevantes
serviços à causa da emancipação política
do Piauí, governando-o, depois por largos anos. Recebeu prêmios
honoríficos como a Comenda da Ordem de Cristo, o Oficialato, Dignatário
do Cruzeiro, o foro de Fidalgo Cavaleiro da Casa Imperial, o título de
Barão da Parnaíba e por fim o de Visconde.

A partir da derrota na eleição de 7 de abril de 1822 começou
a desarmonia entre Manuel de Sousa Martins e o governo, o que o levou a abraçar
a causa do partido separatista e a trabalhar pela realização da
Independência.

Sousa Martins é a figura mais discutida da história piauiense.
À frente do Governo Provisório, tomou medidas acertadas e trabalhou
com afinco, dirigindo a luta em toda a Província. Passou quase vinte
anos no governo, desde a independência, em 1823, até 1843, na qualidade
de presidente, o que garantiu ao Piauí a estabilidade social exigida
pelo momento nacional. Fiel aos princípios e ditames de sua fé:
a ordem e a disciplina, governou a província com pulso seguro e firme:

Estava caduco, podia morrer. Cumprira a missão. Os filhos criados
dele não precisavam, nem Oeiras, a capital ia mudar para a Vila Nova
do Poti. Os velhos fantasmas de Serra Vermelha brincavam na mente do velho visconde.

(pág. 239)

Cometeu erros e tinha conhecimento dos mesmos porém esses erros eram
frutos da malquerença e de paixão, foram antes do sistema de governo
que do governante. Foi um instrumento do regime nascente, personalista e arbitrário
de Pedro I.

A 24 de janeiro de 1823, Manuel de Sousa Martins aclamou D. Pedro Imperador
do Brasil, com a adesão de todo o povo ao novo regime. Foi em Oeiras
que se deu a Independência, estabelecendo-se novo Governo e destituindo-se
as autoridades portuguesas.

O Visconde nunca esqueceu sua origem humilde. Foi um presidente que boa convivência.
Inspirava respeito, foi temido. Recebia a todos com afabilidade, na simplicidade
de seus trajes caseiros. Muitas vezes, seu despotismo serviu para abrandar as
calamidades públicas.

Né de Sousa aparece na obra Vaqueiro e Visconde como um ser
humano, com suas amantes e filhos bastardos, cercado por figuras adejam sempre
ao lado dos poderosos. É um romance sócio-político. Em
todas as atividades e movimentos dos quais participou (Guerra pela Independência,
Batalha do Jenipapo, Revolução dos Balaios, Rebelião de
Pinto madeira) assumia compromisso de fidelidade para com os fatos e a história
do Estado.

Conseguira tudo o que um homem poderia conquistar em uma cidade como Oeiras:
poder, riqueza, prestígio, admiração de amigos, amor das
mulheres e ódio dos inimigos. Teve a lealdade incondicional de muitos,
foi bajulado por outros, desprezou o rancor dos invejosos. Dedicou-se acima
de tudo à família e aos amigos. A morte levara as odiosidades,
afastara os seres de sua maior estima, mas o desgosto maior de sua vida era
a desunião da família, principalmente com seu irmão Joaquim
Martins de Sousa.

Depois de exonerado da política, da administração, do
prestígio, do sexo, aos oitenta anos, Né de Sousa assistia à
decadência de Oeiras e na sua mente brincavam os fantasmas de sua meninice
e de sua adolescência na Serra Vermelha:

Oeiras entrava em agonia, em decadência, se não viesse a desaparecer
por completo. Ouvia-se falar em cidades extintas. Talvez se preservasse Oeiras,
quando menos como cidade-relíquia. Oeiras era a própria história
do Piauí. E Né de Sousa participava dessa história. Seu
nome estaria ligado para sempre ás lutas da Independência e da
Balaiada. Se Oeiras morrer, o Piauí perderá grande parte de sua
vida.
(pág. 239)

Vale ressaltar que, além do caráter histórico-instrucional,
encontramos na obra vários aspectos relevantes a todo grande romance,
como: o choque de ambições, a análise profunda da natureza
humana, a revelação de ideologias, cenas idílico-amorosas,
o amor na extensão dos desejos, tramas, conspirações, deslealdades,
traições, ou seja, tudo que torna a leitura agradável e
envolvente, integram o vasto universo de uma narrativa ficcional, mas com a
presença de uma realidade humana e social exposta com segurança
e equilíbrio.

A quase totalidade das personagens é real: Né Miranda é
Manuel Inácio de Miranda Osório, figura muito conhecida no cenário
político da Oeiras antiga; Padre marcos, Padre Pinto do Lago, o médico
José Luiz de quem fala Gardner em seu livro Viagens pelo interior
do Brasil
são reais e familiares do autor de Vaqueiro e Visconde.

Apesar de o livro basear-se na História, apresenta partes de pura ficção.
Lacunas da História foram preenchidas com a imaginação.

Todos os que conhecem a história do Visconde da Parnaíba sabem
que ele teve amantes e filhos bastardos, mas ninguém conhece o nome das
amantes. José Expedito criou então Tiana e Miquelina, amantes
de Manuel de Sousa Martins. A obra apresenta também outros personagens
de ficção: Zé Rolinha, apesar de fictício é
perfeitamente verossímil; Dr. Pedroso, personagem inventado, que representa
a oposição da classe média ao governo do famoso Né
de Sousa.

José Expedito Rego diz que o Visconde da Parnaíba: Foi um
grande homem, com defeitos e qualidades inerentes a todo ser humano e que foi
sobretudo um produto da época em que viveu.

Com uma linguagem leve, apurada, acessível, com o uso de frases e expressões
comuns ao seu tempo, o autor de Vaqueiro e Visconde expôs as
virtudes e defeitos próprios do ser humano comum, descrevendo o visconde
à imagem e semelhança dos homens simples e corajosos que construíram
a história do Piauí.

José Expedito, um dos maiores romancistas da cidade de Oeiras soube
com perfeição abordar temas dentro da obra, tudo dentro de um
único contexto, onde o personagem protagonista, Manuel de Sousa Martins,
se apresenta de forma sutil e ao mesmo tempo marcante, num cenário bastante
diversificado.

Créditos: Maria Cristina Araújo de Sousa, professora

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