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Governo promete alterações profundas na educação superior pública federal

by Lucas Gomes

Tratado pelo governo como uma “pequena revolução”,
que transformaria a rede pública de ensino superior nos próximos
anos, ainda não se sabe se o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação
e Expansão das Universidades Federais – Reuni acarretará mudanças
profundas ou se esbarrará nas dificuldades inerentes à realidade
da máquina pública. Se colocadas em prática, as propostas
podem alterar a atual configuração do setor, tanto na participação
da rede pública no sistema, que atualmente responde por 12% dos alunos,
quanto no modelo pedagógico da educação superior brasileira,
que poderia até acabar com o processo seletivo por vestibular.

Instituído em abril de 2007 pelo Decreto nº 6.096, o Reuni é
um dos principais motes da política governamental para o ensino superior.
A adesão das universidades federais ao programa foi anunciada em cerimônia
no Palácio do Planalto. Em menos de um mês, o presidente Luiz Inácio
Lula da Silva tratou por duas vezes do assunto no programa de rádio Café
com o Presidente. Em linhas gerais, a ambição do governo é
ampliar em 36% o atendimento do sistema federal, passando dos 556.231 alunos
apurados pelo Censo 2006 para 759 mil em 2012. O governo espera que, até
2010, as universidades federais respondam por 30% do alunado. Para 2012, a projeção
é atingir 40%.

Especialistas, no entanto, são céticos quanto à possibilidade
de alterações no perfil do ensino superior brasileiro. “As
mudanças afetarão muito pouco o setor privado”, avalia a
responsável pela pesquisa da área de ensino superior do Núcleo
de Pesquisas de Políticas Públicas (Nupps), da USP, Eunice Durham.
O secretário de Ensino Superior do Ministério da Educação,
Ronaldo Mota, é mais otimista. “As instituições privadas
só têm a ganhar”, diz. Baseado no crescimento de 5,7% do Produto
Interno Bruto (PIB) brasileiro, Mota acredita que há espaço para
a expansão de ambos os sistemas. “O crescimento econômico
fará brotar o número de cursos. Atualmente, há uma defasagem
de diplomados. Queremos evitar uma carência absoluta”, diz. Apesar
de ter recebido a anuência das 55 universidades públicas existentes
no país, há resistência ao programa tanto entre professores
quanto no movimento estudantil.

Uma das principais críticas é quanto à pretensa falta
de debate sobre o Programa. A Coordenação Nacional de Luta dos
Estudantes (Conlute) mobiliza um plebiscito nacional sobre o tema neste mês
de maio. A União Nacional dos Estudantes (UNE) não apóia
o plebiscito, mas divulgou uma resolução no final do ano passado,
em que critica o prazo para as universidades federais aderirem ao programa,
a falta de planejamento orçamentário para as instituições
para além do mandato do governo Lula e a falta de “artifícios”
para garantir a qualidade do ensino prestado. “Não haverá
modelo único. O Ministério é o agente harmonizador das
diferenças regionais e incentiva uma solução adequada à
realidade de cada instituição”, defende Mota.

O Reuni incentiva as universidades a apresentarem projetos para a expansão
das vagas e a criação de cursos noturnos. Para que o repasse de
verbas seja efetuado, o programa estabelece metas como a redução
da evasão, a ocupação de vagas ociosas e o aumento da relação
para 18 professores por aluno, índice registrado atualmente pelas instituições
privadas. Uma das medidas mais controversas é a exigência de 90%
do índice de aprovação dos estudantes ao final de cinco
anos. Professores acreditam que a ampliação de vagas ocorreria,
assim, em detrimento da qualidade do ensino. “Os registros históricos
no ensino brasileiro já demonstraram que modificações dessa
magnitude redundaram em perda da qualidade da educação. A reforma
no ensino fundamental na década de 1970 é um exemplo”, acredita
o diretor da Faculdade de Educação da Unicamp, Jorge Megid.

Ex-reitor da USP e atual presidente do Instituto Lobo e Associados, o professor
Roberto Lobo acredita que a qualidade do ensino da rede de ensino superior pública
é questionável desde já. “Tudo é uma falácia.
Não temos um ensino superior de qualidade”, diz. Uma das principais
críticas de Lobo reside no atendimento ao aluno. “Não temos
disposição para ele. Os professores dão muito pouca atenção
ao estudante, quando, na verdade, o aluno deveria ser o grande foco de atenção”,
defende.

Fora isso, especialistas lembram que o índice de evasão universitária
é alto no mundo inteiro, não sendo um privilégio brasileiro.
Segundo dados de 2006 da Organização de Cooperação
para o Desenvolvimento Econômico (OCDE), à exceção
do Japão o índice de evasão universitária ultrapassa
os 10% entre os países industrializados. No Reino Unido a taxa é
de 17%, na Coréia 22% e na Alemanha 30%. “O governo tem todo o direito
e dever de elaborar o programa, que ao menos como intenção é
muito bom. Mas à sua concepção falta análise”,
diz Lobo.

A deficiência trazida pelo aluno dos outros níveis de educação
é outro entrave. “Ensino de elite para a massa não funciona”,
dispara Eunice Durham. “Política de expansão é correta,
mas sempre será insuficiente para atender ao crescimento da demanda”,
acredita.

Apesar de reconhecer que sua afirmação pode soar discriminatória,
a professora, contudo, justifica o pensamento face à vigente estrutura
das universidades públicas brasileiras. Em tese, elas requerem aprofundamento
nos assuntos propostos, vasta leitura e interesse pela ciência de base.
Para ela, alunos oriundos principalmente da rede pública são carentes
da formação básica para enfrentar tais requisitos.

Para Roberto Lobo, o modelo não deve ser único. “A formação
superior pode ser de alcance de uma grande parcela, mas ele não tem uma
fórmula única. Não precisa ser totalmente baseado em modelos
de universidade de pesquisa”, diz. Eunice Durham concorda e defende uma
mudança cultural. “As pessoas tendem a pensar que uma formação
em instâncias distintas das universitárias não presta. Isto
não é verdade”, sustenta.

Lobo considera ainda o custo de um aluno na universidade pública federal
brasileira. “Cerca de R$ 100 mil se considerado todo o tempo de sua graduação.”
Para chegar a esta conclusão, o consultor usa como base estatísticas
do Censo 2006 do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira (Inep). Os cálculos são resultantes dos investimentos
do governo no setor em relação ao número de matrículas
e formandos, entre outros. Divide o orçamento do governo federal por
ano (R$ 8 bilhões) pelo número de formandos anualmente pelas federais
(83 mil). De acordo com ele, no setor privado esse valor seria reduzido pela
metade. Quando o investimento é analisado pela quantidade de matrículas
oferecidas nos cursos, os valores se alteram. “O investimento no aluno
da rede pública de ensino é da ordem de R$ 13 mil ao ano; na privada,
R$7 mil”, calcula.

Entenda o Reuni

O Decreto nº 6.096, de 24 de abril de 2007, é o ponto de partida
oficial da criação do Programa de Apoio a Planos de Reestruturação
e Expansão das Universidades Federais – Reuni. O governo definiu seis
diretrizes para nortear o processo de implementação pelas universidades
federais. Cada diretriz contempla especificidades:

1) Ampliação da oferta de educação superior pública
– Aumento de vagas de ingresso, especialmente no período noturno;
– Redução das taxas de evasão;
– Ocupação de vagas ociosas.

2) Reestruturação acadêmico-curricular
– Revisão da estrutura acadêmica buscando a constante elevação
da qualidade;
– Reorganização dos cursos de graduação;
– Diversificação das modalidades de graduação, preferencialmente
com superação da profissionalização precoce e especializada;
– Implantação de regimes curriculares e sistemas de títulos
que possibilitem a construção de itinerários formativos;
– Previsão de modelos de transição, quando for o caso.

3) Renovação pedagógica da educação superior
– Articulação da educação superior com a educação
básica, profissional e tecnológica;
– Atualização de metodologias (e tecnologias) de ensino-aprendizagem;
– Previsão de programas de capacitação pedagógica,
especialmente quando for o caso de implementação de um novo modelo.

4) Mobilidade intra e inter-institucional
– Promoção da ampla mobilidade estudantil mediante o aproveitamento
de créditos e a circulação de estudantes entre cursos e
programas, e entre instituições de educação superior.

5) Compromisso social da instituição
– Políticas de inclusão;
– Programas de assistência estudantil;
– Políticas de extensão universitária.

6) Suporte da pós-graduação ao desenvolvimento e aperfeiçoamento
qualitativo dos cursos de graduação
– Articulação da graduação com a pós-graduação:
expansão quali-quantitativa da pós-graduação orientada
para a renovação pedagógica da educação superior.

Com este modelo de implementação, o Ministério possibilita,
de acordo com os seus conceitos, uma concepção mais flexível
de formação acadêmica na graduação, evitando,
assim, a especialização precoce, além de atender às
diversidades regionais do país bem como às múltiplas áreas
de conhecimento que integram os diferentes cursos.

Segundo o Ministério da Educação, o Reuni não
preconiza a adoção de um modelo único à graduação.
Pelo contrário, respeita a autonomia universitária, a diversidade
das instituições.

O que o governo assegura:
– O repasse de R$ 2 bilhões entre 2008 e 2011. O valor acrescido ao orçamento
de custeio e pessoal de cada universidade aumentará gradativamente, no
período de cinco anos, até atingir, ao final, o montante correspondente
a 20% do previsto para 2007.
– Os recursos previstos para cada universidade federal no ano de 2008 poderão
ser alocados diretamente em sua unidade orçamentária. E sua liberação
será condicionada à aprovação do plano e assinatura
de termo de pactuação de metas correspondente.
– Caso uma universidade não ingresse no programa em 2008, os recursos
a ela previstos poderão ser realocados para outras instituições,
como antecipação orçamentária, sem prejuízo
de ingresso posterior no programa.
– O Reuni é um movimento de consolidação e aperfeiçoa­mento
do sistema público de educação superior. Vai gerar a revisão
curricular de projetos acadêmicos para flexibilizar e melhorar a qualidade
da educação no país.

Fonte: Revista Ensino Superior

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