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Cinema – A cineasta Lúcia Murat fala sobre o Cinema Novo e seu documentário

by Lucas Gomes


Lúcia Murat

Lúcia Murat nasceu no Rio de Janeiro em 1949. Durante a
ditadura militar participou da guerrilha, foi presa e torturada. Na prisão,
permaneceu durante três anos e meio, início de 1971 até
a metade de 1974. Em 1988 comoveu o Brasil com o belo filme “Que Bom Te
Ver Viva”, protagonizado por Irene Ravache, em que dava voz a várias
mulheres, além dela própria, que lutaram contra a ditadura e que
foram torturadas.

Em 1992, integrou o filme “Oswaldianas”, ao lado de Rogério
Sganzerla, Júlio Bressane, Ricardo Dias, Roberto Moreira e Inácio
Zatz, com o episódio “Daisy das Almas deste Mundo”. Depois,
dirigiu os longas “Doces Poderes” (1997) e “Brava Gente Brasileira”,
e agora, acaba de lançar “Quase Dois Irmãos”. Esteve
na 8ª Mostra de Cinema de Tiradentes para mostrar seu novo trabalho, que
fala da violência do Estado e do nascente crime organizado, através
da amizade de dois homens nos anos 70, um preso político e um traficante.

Em entrevista (exclusiva) a Leonardo Campos, Lúcia Murat fala sobre
cinema e estereótipos.

Leonardo Campos – O documentário “Olhar estrangeiro”
é um recorte necessário diante dos multiplos filmes estrangeiros
que abordam o Brasil de forma estereotipada. Hoje, algum tempo após a
realização do documentário, como a senhora o analisa?

Lúcia Murat – Esse documentário nasceu de uma
sensação de rejeição, ou melhor, de espanto e indignação
diante dos clichês com que nos deparamos no exterior sobre o que é
ser brasileiro. Como eu viajo muito por causa dos meus filmes, eu tinha vontade
de dar uma espécie de resposta, num tom irônico, na forma com que
eu trabalho, ou seja, através do cinema. Mas não sabia por onde
começar. Quando descobri o livro e a pesquisa do Tunico, vi que ali estava
a base e um possível ponto de partida para um documentário. Foi
assim que tudo começou. Como não tínhamos financiamento
e o projeto tinha esse lado “pequena vingança”, acabamos
fazendo uma espécie de road movie aproveitando os festivais para os quais
eu era convidada. Hoje, olhando para trás, acho que no fato de ser um
road movie estão a força e os defeitos do documentário.
A intenção não era fazer uma obra sociológica, mas
nos colocarmos de frente com as pessoas que tinham trabalhado nesses filmes
e colocá-las diante de algumas barbaridades que tinham feito. A maior
parte dessas pessoas eram inteligentes e simpáticas. Daí a contradição
e no meu entender o charme do filme, que acaba mostrando que esse “olhar”
não é uma questão pessoal. Eles respondiam a exigências
de uma indústria com interesses definidos.

LC – Considera “Olhar estrangeiro” um documentário
direcionado aos acadêmicos? Por quê?

LM – Não, pelo contrário, acho que ele tem um
excelente apelo popular. Em todas as sessões que assisti, as pessoas
adoram, se divertem e até participam dessa sensação de
“pequena vingança”, de “dar o troco”. O resto
– a pouca divulgação do filme – é parte do problema
de distribuição no Brasil, particularmente para documentários.
Mas também é verdade que acabou virando um documento importante
para a academia pela pesquisa realizada. Sinto isso porque é bem comum
me pedirem uma cópia do filme para debates.

LC – “Orfeu Negro” foi um filme que ficou de fora
da análise mais profunda. Algum motivo em especial?

LM – Como disse, “Olhar” é quase um road
movie
e o fizemos procurando as pessoas vivas que tinham feito filmes dentro
da indústria do cinema. Até pensamos em entrevistar alguém
do “Orfeu”, mas os mais importantes estavam mortos. E a mulher do
diretor, que é brasileira e foi uma das atrizes do filme, mas mora em
Paris, não quis falar.

LC – Certa vez li que o discurso do seu documentário
faz uma espécie de mea culpa com Orson Wells. A senhora discorda
disso?

LM – Completamente. Não é mea culpa,
é homenagem mesmo, a um dos grandes realizadores do cinema que prova
a força da criatividade do diretor mesmo dentro da indústria.
A questão como disse acima não é pessoal e Orson Wells
é o grande exemplo disso.

LC – O seu documentário, junto com o livro de Tunico
Amâncio, despertou a atenção de um grupo de estudos aqui
da Bahia, que esta reatualizando os temas semanalmente, buscando produções
pós “Olhar estrangeiro” para análise. O que diria disso?

LM – Acho interessante, até porque por exemplo a questão
da violência, que não abordamos no filme porque ainda não
se fazia sentir na grande indústria, é algo hoje que deve ser
debatido.

LC – Mudando o foco, o que a senhora diria para os jovens
que querem cursar cinema atualmente, produzir documentário? Na sua opinião,
é uma carreira segura ou trata-se mais de prazer e satisfação
pessoal?

LM – O audiovisual hoje é algo muito mais amplo do
que a sala de cinema, num mercado que só tende a crescer. Então,
acredito que para as novas gerações seja mais fácil do
que foi para a minha. Ao mesmo tempo para nós efetivamente sermos donos
desse mercado em crescimento precisamos lutar para que as televisões,
abertas e pagas, tenham obrigatoriedade de abrir espaço para a produção
independente nacional.

LC – Por fim, para se ter olhar estereotipado é
preciso fornecer, contribuir também. Quais são as maiores contribuições
para esses olhares estereotipados de Brasil no cinema estrangeiros, especialmente
norte americano e europeu?

LM – Acho que é auto-alimentador. É muito mais
fácil vender aquilo que estão querendo ou ao menos esperando ver
do que se dispor a ir além do clichê. Então, fica mais fácil
vender o show típico da mulata, o cartão da bunda de fora do que
nos apresentarmos na nossa complexidade. E não tenho dúvidas de
que somos nós que temos de reverter isso, nos mostrando na nossa complexidade.

*Graduando em Letras Vernáculas com Habilitação em Língua
Estrangeira Moderna – Inglês – UFBA | Membro do grupo de pesquisas “Da
invenção à reivenção do Nordeste” –
Letras – UFBA | Pesquisador na área de cinema, literatura e cultura

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