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Política Internacional – Haiti e o estado de natureza

by Lucas Gomes

Para sobreviver, população recorre a saques e disputa
por comida.
Especialistas explicam a situação pela ótica de Thomas
Hobbes.


Haitianos disputam bolsa com suprimentos em Porto Príncipe
(Foto: Ap/Xinhua,
David de la Paz)

Brigas nas filas de distribuição de alimentos por entidades humanitárias,
canos de abastecimento da cidade cortados para ter acesso à água
e saques a supermercados em ruínas são cenas comuns nos últimos
dias em Porto Príncipe, capital do Haiti, devastada por dois terremotos.
A situação do país e a reação de seus habitantes,
que, na luta pela sobrevivência, acabam ferindo princípios morais
e éticos, compõem o que o pensador inglês Thomas Hobbes
(1588-1679) chamou de “estado de natureza”.

“O estado de natureza é a ausência total de regras. É
quase uma anomia, quando não existe o estado. As pessoas acabam agindo
dessa maneira, racionalmente, como uma maneira de se autopreservar”, explica
Rogério Arantes, professor de ciências políticas da USP.
“O país acaba mergulhado num clima de insegurança, por causa
do medo das outras pessoas. Numa situação como essa, as atitudes
ficam imprevisíveis.”


Loja destruída por terremoto é saqueada na capital do Haiti
(Foto:
AP Photo/Gerald Herbert)

Segundo ele, o “estado de natureza” puro, com a completa inexistência
de ordem, nunca existiu. “É uma ideia hipotética, mas há
duas situações reais em que um país se aproxima dele: 1)
guerra civil, em que não existe um organismo no país que monopolize
a força física para conseguir valer as leis; e 2) no caso de guerra
entre os estados no plano internacional, a chamada ‘guerra de todos contra
todos’, em que os estados agem na lógica da autopreservação.”
Na visão do professor da USP, o caso do Haiti não chega a ser
“estado de natureza”, porque há organismos internacionais
agindo.

> Saiba mais sobre o Haiti: História
| Crise
| Terremoto
no Haiti

Reconstrução do país

ENTENDA O QUE É O “ESTADO DE NATUREZA”
É quando há a ausência do estado e, portanto de regras
ou de quem as fiscalize, e as pessoas para garantir a sua sobrevivência
agem muitas vezes desrespeitando a moral. Um dos principais pensadores é
Thomas Hobbes.

O cientista político Cláudio Gonçalves Couto, professor
da PUC-SP e da FGV, é da mesma opinião. Ele explica que, antes
do terremoto, já havia a atuação de forças internacionais
de paz no país para criar condições para a reconstrução
do Haiti, após anos de guerra civil. “No entanto, com o terremoto,
desorganização tão profunda das relações
sociais que estavam sendo estabelecidas, houve um retrocesso ao estágio
anterior, que se assemelha ao estado de natureza.”

“Na falta de um poder central capaz de dizer o que é lícito
e ilícito e punir as eventuais transgressões de um modo a manter
a ordem, o que existe é uma situação em que todos tentam
resolver os seus problemas de acordo com o que a sua força permite, o
que acaba resultado na conflagração generalizada entre as pessoas.”

“Há aqueles que, por desespero ou oportunismo, vêem essa
situação em que não há uma fonte de ordem estabelecida,
usam os seus recursos próprios para fazer aquilo que lhes é mais
conveniente.” Couto cita como exemplo o caso dos presos que fugiram de
uma prisão que desabou com o terremoto e voltaram para uma favela que
é o centro da criminalidade e instauraram a sua própria ordem.

Uma visão diferente


Crianças se apertam em fila para receber comida nos arredores de Porto
Príncipe
(Foto: Ap Photo/The Miami Herald, Patrick Farrell)

De acordo com o professor de teoria política da Unesp, em Marília,
Paulo Ribeiro da Cunha, na interpretação de outro pensador, John
Locke, que sucede Hobbes, os homens não vivem necessariamente em conflito
no “estado de natureza”. “Locke contrapõe o que dizia
Hobbes. Para Hobbes, em estado de natureza não existia sociedade porque
o homem sempre foi individualista e vivia em conflito. Já para Locke,
os homens sempre viveram em sociedade. Para fudamentar sua interpretação,
Locke usa o exemplo dos indígenas, que, segundo ele, são sociedades
em estado de natureza e vivem harmoniosamente”, diz o professor.

Foi devido à evolução – com o surgimento do dinheiro e
competição entre os homens, por exemplo -, que surgiu um estágio
que Locke chama de “estado de guerra”. Para sair desse estágio
há o salto que resulta na construção do estado.

Fonte: G1

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