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Política Internacional – 15 anos do massacre de Srebrenica

by Lucas Gomes


Feridas abertas na Bósnia-Herzegóvina

Em Srebrenica se lembrou neste domingo, 11/07, o 15º aniversário
do massacre de milhares de homens muçulmanos, ocorrido após a
conquista desse antigo enclave oriental muçulmano pelas tropas servo-bósnias
do general Ratko Mladic.

Esperava-se que cerca de 50 mil pessoas participassem do ato, incluindo altos
cargos bósnios e de países vizinhos, assim como representantes
da Turquia, Bélgica e de instituições europeias, entre
outros.

Os restos mortais de 775 vítimas identificadas do massacre foram sepultados
no memorial de Potocari, nas imediações de Srebrenica, durante
o ato de lembrança da tragédia, que alguns consideraram o maior
crime na Europa desde a Segunda
Guerra Mundial
.

É o maior enterro coletivo de vítimas do massacre, ocorrida em
11 de julho de 1995, quando as tropas servo-bósnias conquistaram o enclave
de Srebrenica, então zona protegida por “capacetes azuis” holandeses
da ONU, poucos meses antes do fim de uma guerra
civil bósnia
(1992-1995).

Até agora, foram sepultadas no cemitério de Potocari 3.749 vítimas,
identificadas pelo DNA.

Os crimes foram cometidos durante a Guerra da Bósnia (1992-1995), iniciada
após a queda do regime comunista na antiga Iugoslávia. Até
hoje os corpos das vítimas, exumados de valas comuns, são identificados
por meio de análises de DNA. O general Ratko Mladic, um dos responsáveis
pelo massacre, continua foragido.

A região dos Bálcãs, onde ocorreram os conflitos, é
marcada por histórias de invasões estrangeiras e disputas de cunho
étnico, religioso e nacionalista. Nesse contexto, desavenças políticas,
combinadas com a ineficiência da comunidade internacional na mediação
da guerra, compuseram o palco para o genocídio.

A Guerra da Bósnia teve ampla cobertura da imprensa internacional e
mostrou cenas semelhantes ao holocausto dos judeus na Alemanha nazista: cidades
sitiadas, campos de concentração, mortes em massa e posteriores
julgamentos dos criminosos no Tribunal Internacional de Haia.

Antecedentes

Durante 500 anos, os Bálcãs foram dominados pelo Império
Turco-Otomano. Com a assinatura do Tratado de Berlim de 1878, Romênia,
Sérvia e Montenegro se tornaram independentes e foi criado o principado
da Bulgária.

No começo do século 20, eclodiram lutas por independência.
Em 1914, Franz Ferdinand, herdeiro do Império Austro-Húngaro,
foi assassinado junto com sua mulher por um extremista sérvio-bósnio
em Sarajevo. A Áustria declarou guerra à Sérvia, dando
início à Primeira
Guerra Mundial
(1914-1918).

Após a guerra, surgiram os Reinos dos Sérvios, Croatas e Eslovenos
(incluindo a Bósnia-Herzegóvina), unificados sob o nome de Iugoslávia
(que significa “terra dos eslavos do sul”) pelo príncipe regente
Alexandre Karadjordjevic.

Durante a Segunda Guerra Mundial, os nazistas invadiram a Bósnia, fragmentando
novamente o território. Ao final da guerra, com a derrota do Eixo, a
Iugoslávia, sob o governo comunista de Josip Broz Tito, se torna uma
federação que reúne seis repúblicas – Croácia,
Eslovênia, Macedônia, Montenegro, Sérvia e Bósnia-Herzegóvina.

A queda
do Muro de Berlim
, em 1989, desencadeia o colapso dos Estados comunistas
no Leste Europeu, entre eles a Iugoslávia. Do mesmo modo como aconteceu
em outros países, a ditadura que mantinha a aliança multinacional
não foi sucedida por uma democracia ou pela formação de
um Estado civil. Pelo contrário, fez reacender antigas dissensões
entre identidades regionais, étnicas e religiosas, em grupos que se mobilizaram
politicamente para defender seus territórios.

Apesar de viverem em comunidades diferentes, bósnios muçulmanos,
sérvios ortodoxos e croatas católicos compartilhavam não
somente origens históricas e geográficas, mas também um
modo de vida. No entanto, com a desestabilização política
do país, grupos nacionalistas catalisaram as diferenças existentes,
utilizando-as para promover os massacres que se seguiram.

Em 1991, a população da Bósnia era composta por 43,7%
de muçulmanos, 31,4% de sérvios e 17,3% de croatas. Em Srebrenica,
a população era de maioria muçulmana (72,9%), contra uma
minoria sérvia (25,2%) e poucos croatas (0,1%). No mesmo ano, Eslovênia
e Croácia declararam independência, seguidas pela Bósnia.
Os sérvios, porém, não aceitaram o Estado da Bósnia
e, liderados por Radovan Karadzic, ocuparam 70% do país e deram início
a uma campanha de “limpeza étnica” para formar a República
Sérvia.

Genocídio

Para fugir da guerra, milhares de bósnios se refugiaram em cidades
como Srebrenica, que se tornou um enclave muçulmano. Na tentativa de
prevenir crimes de genocídio, o Conselho de Segurança da Organização
das Nações Unidas (ONU) aprovou, em 16 de abril de 1993, a Resolução
819, por meio da qual a cidade de Srebrenica (e seus arredores) foi considerada
Área de Segurança, onde não poderiam ocorrer mais ataques.

A segurança da população ficou a cargo de soldados holandeses
da Unprofor (Forças de Proteção das Nações
Unidas) e os bósnios foram desarmados. Os holandeses, contudo, não
puderam conter a ofensiva sérvia.

Assim, quase dois anos depois, no começo de julho de 1995, Srebrenica
foi recapturada pelos sérvios depois de renderem a base da ONU. Os bósnios
pediram a devolução de suas armas para combater os sérvios
e não foram atendidos. O comando holandês, por sua vez, solicitou
reforço aéreo à ONU, porém os soldados foram feitos
reféns para evitar bombardeios.

No dia 11 de julho, o líder servo-bósnio Ratko Mladic entrou
na cidade, consolidando a conquista. A capital Sarajevo resistiu por quatro
anos ao cerco, considerado o mais duradouro na história moderna.

Os muçulmanos foram feitos prisioneiros e separados em dois grupos:
cerca de 23 mil mulheres e crianças foram deportadas para territórios
muçulmanos, enquanto homens e adolescentes foram detidos em armazéns
e caminhões. Em seguida, os homens foram enfileirados e executados por
soldados sérvios e grupos paramilitares. Os corpos foram enterrados em
valas comuns.

Após o massacre, a Organização do Tratado do Atlântico
Norte (OTAN) bombardeou as posições sérvias. Os Estados
Unidos pressionaram os líderes bósnios, sérvios e croatas
para um acordo de paz, que saiu em 21 de novembro 1995. O Acordo Dayton (chamado
assim por ter sido assinado na Base Aérea de Dayton, no estado americano
de Ohio) reconheceu dois Estados autônomos: a República Sérvia
da Bósnia e a Federação da Bósnia-Herzegóvina
ou Federação Muçulmano-croata. Mas já era tarde
demais: o genocídio havia “limpado” territórios antes
compartilhados por ambas as culturas.

Julgamentos

O massacre de Srebrenica foi oficialmente reconhecido em 2004 pelo Tribunal
Internacional de Justiça, em Haia, nos Países Baixos. A Corte
também começou a julgar os responsáveis pelo crime.

Radovan Karadzic foi preso em 22 de julho de 2008 e está sendo julgado
pelo Tribunal de Haia por crimes de guerra. Outras 21 pessoas foram indiciadas
e algumas condenadas a penas superiores a 30 anos ou prisão perpétua.

O presidente da Sérvia, Slobodan Milosevic, morreu na cela, em 11 de
março de 2006, enquanto era julgado. O general Ratko Mladic foi indiciado
mas até hoje não foi preso.

Em 2003, foi inaugurado o Memorial Cemitério de Potocari, em Srebrenica,
onde foram sepultadas mais de 5 mil vítimas do massacre que puderam ser
identificadas por peritos da Comissão Internacional de Pessoas Desaparecidas
(ICMP). Os corpos foram descobertos em mais de 70 valas. Em março de
2010, o Parlamento Sérvio pediu desculpas às famílias das
vítimas.

Os grandes sabiam


Rob Zomer era soldado das tropas holandesas na
Bósnia em 1995

Eisele duvida que os responsáveis pela operação de paz
no Conselho de Segurança da ONU realmente tivessem a força e a
intenção de proteger os 40 mil civis muçulmanos na área
de Srebrenica.

Essa hipótese é confirmada por pesquisas do jornalista holandês
Huub Jaspers. Estas mostram que, antes mesmo do massacre, as grandes nações
no Conselho de Segurança já teriam tido informações
sobre os planos sérvios de ataque. “No fundo, o Conselho de Segurança
é principal responsável pelo que aconteceu em Srebrenica. Os governos
dos países que lá estavam receberam, de seus serviços de
inteligência, informações sobre o que estava sendo preparado.
Porém eles nada fizeram com essas informações, não
impediram esse drama. Esta é uma das grandes questões que, ainda
hoje, estão em jogo: por quê?”

Trauma

Hoje, o governo do país de Jaspers também é responsabilizado
pelo genocídio de Srebrenica. Quando os encarregados na ONU propuseram
um ataque aéreo contra as tropas sérvias, a Holanda interveio,
temendo por seus 450 soldados mobilizados para a proteção do enclave
bósnio. E assim a ONU não voou, o massacre aconteceu, e os capacetes
azuis observaram tudo passivamente.

No momento, Axel Hagedorn, advogado de cerca de 8 mil familiares das vítimas,
se empenha, diante tanto do Supremo tribunal holandês quanto da Corte
Europeia de Justiça, para suspender a imunidade das Nações
Unidas, que, em sua opinião, deveriam ter passado por cima do bloqueio
dos holandeses. “Se a ONU tiver que comparecer diante da Justiça,
então não será mais possível o Estado holandês
colocar a culpa na ONU, e esta no Estado holandês, como é o caso
no momento. A promessa quebrada permanece sendo o grande trauma, enquanto a
ONU nem mesmo se desculpar – ou a Holanda. É simplesmente assustador
que não se consiga nem a menos pronunciar uma desculpa.”

Para os soldados holandeses, aquela operação também se
tornou traumática, afirma o jornalista Jaspers. Ao serem enviados, eles
estavam totalmente mal preparados e mal armados, e com indicações
equivocadas sobre sua missão. Muitos deles são agora doentes,
cometeram suicídio ou se encontram na prisão por terem assassinado
alguém.

Responsabilidade de proteção

Apenas um ano após o massacre de Srebrenica, foi a vez o genocídio
em Ruanda. Vinte anos antes iniciara-se o regime de terror do Khmer Vermelho
no Camboja, que fez milhões de mortos. São datas históricas
que testemunham o fracasso da ONU. Porém esta pouco aprendeu com essas
lições, critica Eisele. “É dramaticamente subdesenvolvida
a disposição dos Estados de assumir a responsabilidade pelas minorias
oprimidas, e de perceber essa responsabilidade como um dever de proteção.”

Srebrenica e suas cercanias estão “etnicamente limpas”. Na
própria cidade só vivem, hoje, de 3% a 5% de muçulmanos,
a maioria, mulheres à procura de seus parentes. Grande parte das famílias
partiu para o exílio, para o Canadá, a Nova Zelândia e os
Estados Unidos. Ratko Mladic, o general das tropas sérvias que executaram
o massacre, refugiou-se e está até hoje em liberdade.

Srebrenica hoje

No entanto, Marieluise Beck, presidente do Grupo Parlamentar Teuto-Bósnio
do Bundesrat (câmara alta do Parlamento alemão), nota vários
passos positivos na direção da democratização e
de uma reconciliação na Bósnia-Herzegóvina. Para
tal, o Tribunal Penal Internacional (TPI) para a ex- Iugoslávia também
contribuiu, afirma.

“Houve uma resolução muito abrangente do TPI, onde os acontecimentos
em Srebrenica foram citados bem claramente. Houve numerosas condenações
e, até onde sei, Belgrado entregou 44 de 47 pessoas solicitadas.”

Nesse ínterim, a busca pelas vítimas se arrasta. Os cadáveres
foram atirados em valas comuns e, para apagar as evidências, foram mais
tarde desenterrados com tratores de lâmina e transportados para um segundo
ou terceiro local. Em 11 de julho de 2010, mais 731 vítimas identificadas
serão sepultadas em Potocari, lugarejo no leste da Bósnia-Herzegóvina.

Créditos: Jornal O Estado de S. Paulo | Página 3
Pedagogia &Comunicação

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