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Estados Unidos – A crise de 1929: 4. Reportagem de outubro de 1929

by Lucas Gomes

As
primeiras horas do pregão de 24 de outubro em Wall Street passarão
às páginas da história como responsáveis por abrir
o alçapão em que sucumbiu a Bolsa de Nova York neste fim de década.
Não se chegou, até agora, a uma explicação plausível
sobre o frenesi que levou os investidores a se desfazerem, literalmente a qualquer
custo, de suas antes preciosas ações naquela quinta-feira. Mas
desde o início da semana as vendas já se mostravam significativas,
e os índices desciam escadaria abaixo. Com o grande volume de negócios,
os tickers instalados nas corretoras ao redor do país – máquinas
que imprimem em fita as cotações dos papéis selecionados
– não davam conta de atualizar as cotações em tempo
real. Ainda na segunda-feira, o ticker só terminou de trazer o péssimo
resultado daquele dia uma hora e quarenta minutos após o fechamento.
Quando os investidores percebiam que poderiam estar arruinados, já era
tarde demais para tomar qualquer providência. Mesmo assim, 6.091.870 títulos
mudaram de mãos, no que se tornou o terceiro maior volume de negócios
da história da Bolsa.

O ‘ticker’ pifou: cotações atrasadas


O ‘ticker’ pifou: cotações atrasadas

Na quarta, véspera do primeiro colapso, depois de um começo tranqüilo,
vendas massivas de ações de acessórios de automóveis
foram registradas; pouco depois, toda a lista entrava na dança. Apenas
na última hora do pregão, 2.600.000 ações foram vendidas.
A média industrial do Times despencou de 415 para 384, o que representou,
na prática, a anulação de todo lucro registrado desde o fim
de junho. Para piorar, a queda levou à convocação de um sem-número
de investidores para pagamento do aumento da margem. Muitos não tinham
nenhuma economia; todo o dinheiro estava aplicado nas ações. Não
havia outra alternativa, então, senão se desfazer dos papéis
para recuperar o investimento – ou o que restava dele. A essa altura, milhares
de pessoas já haviam decidido abandonar o barco enquanto, imaginavam, ainda
havia uma saída viável. Ela não existia.

Foi quando veio, finalmente, a quinta-feira negra. O volume de vendas no início
do dia foi inacreditavelmente grande, o que fez os preços cederem com
notável rapidez. Novamente, o ticker atrasava, retardando a revelação
da catástrofe iminente. Dominadas pelo medo, mais e mais pessoas decidiam
vender suas ações. As que não conseguiram atender às
chamadas para o pagamento do aumento da margem estavam simplesmente liquidadas.
Por volta das 11h30, os reflexos do pânico já haviam se alastrado:
onze conhecidos especuladores haviam cometido suicídio. As bolsas de
Chicago e Buffalo fecharam. O clima dentro da Bolsa de Nova York era desesperador:
pouco depois do meio-dia, funcionários cerraram a galeria dos visitantes
para que nenhum curioso testemunhasse as cenas de agonia que se descortinavam
no salão abaixo.


Efeito devastador: fila para saque em um banco do estado de Massachusetts

Ao mesmo tempo, os banqueiros convocavam uma força-tarefa emergencial
para agir de imediato. Em uma reunião no escritório do J. P. Morgan,
na mesma Wall Street, diversos mandarins do dinheiro – entre eles Charles
E. Mitchell, do National City Bank, Albert H. Wiggin, do Chase National Bank,
e Thomas W. Lamont, do Morgan – decidiram despejar caminhões de
verdinhas na Bolsa para escorar o mercado. Finda a reunião, Lamont recebeu
os repórteres para uma série de declarações apaziguadoras.
“Houve uma pequena aflição na Bolsa de Valores, devido a
um requisito técnico do mercado. Mas as coisas são suscetíveis
de melhorar”, garantiu, impávido, o célebre banqueiro. Pouco
tempo depois, Richard Whitney, chefão da Richard Whitney & Co., apareceu
no salão da Bolsa e ofereceu 205 dólares por 10.000 ações
da United States Steel, cotadas naquele momento a míseros 190. Whitney
fez encomendas semelhantes de diversas outras empresas. Em um piscar de olhos,
a recuperação desabrochava.

Boa parte do fervor das vendas era determinado por investidores que queriam
apenas parar de perder, e estavam dispostos a se desfazer de suas ações
por qualquer valor. Com isso, os papéis desprezados retornavam ao mercado
e faziam os preços caírem mais ainda. O dinheiro dos banqueiros
e a nova alta interromperam essa reação em cadeia, substituindo
o medo de perder pela vontade de ganhar. Os preços então voltaram
a subir, e o balanço do dia registrou uma recuperação notável
– a média industrial do Times fechou apenas 12 pontos abaixo do
dia anterior. O que fez o dia 24 de outubro tão significativo –
e trágico – foi o volume total de vendas: 12.894.650 transações,
recorde absoluto da história de Wall Street. Nessa dança, para
inúmeros americanos já não adiantava mais que o mercado
tivesse se recuperado: ao vender suas ações na baixa, estavam
quebrados.

O banqueiro Lamont: ‘pequena aflição’


O banqueiro Lamont: ‘pequena aflição’

Sexta-feira e sábado, 25 e 26 de outubro, foram dias de relativa calmaria
nos mercados. Os preços se mantiveram firmes. Corretoras seguiam trabalhando
diuturnamente para colocar os negócios em dia. Representantes das 35 maiores
firmas do mercado tiveram uma reunião nos escritórios da Hornblower
and Weeks na sexta e emitiram um comunicado para a imprensa. “O mercado está
fundamentalmente sólido e tecnicamente em melhores condições
do que estivera durante meses.” Uma mensagem da corretora anfitriã
completou o panorama animador: “A começar com as transações
de hoje, o mercado deve iniciar o assentamento das fundações para
o progresso construtivo que, acreditamos, caracterizará 1930.” Como
essa, houve no fim de semana uma série de análises e perspectivas
favoráveis ao mercado altista. Mas a chegada da segunda-feira trouxe uma
ducha de água gelada a todas elas, e solidificou a percepção
de que o bear market, o tão temido mercado baixista, era inevitável
e irreversível.

O volume de vendas do dia 28 foi bem menor que o da quinta-feira: cerca de
9.250.000 ações. O grande problema foi o tombo: as médias
industriais do Times despencaram 49 pontos. Os banqueiros reuniram-se outra
vez no escritório da J. P. Morgan, desta vez no fim da tarde, num encontro
que durou duas horas e que, para desespero dos corretores, não culminou
em nenhuma ação de resgate ou salvamento. Ao contrário:
o resumo da reunião fornecido à imprensa relatava que os abastados
executivos decidiram não agir, porque não estava “dentro
da finalidade dos banqueiros manter qualquer nível determinado de preços
ou proteger o lucro de quem quer que fosse”. Os magnatas estavam preocupados
apenas em que não existissem “vácuos” – ações
sem compradores –, para que assim o mercado mantivesse sua ordem. Já
estava claro, a essa altura, que a situação já fugia a
qualquer controle. Não havia mais promessas a serem feitas. A ruína
se avizinhava.

Toda a tragédia, assim, se convergiu para a terça-feira negra,
29 de outubro de 1929, data devastadora para a Bolsa de Nova York e todos os
mercados mundiais. Logo no início da manhã, uma enxurrada de papéis
foi colocada à venda – e em muitos casos, lotes e lotes não
encontraram compradores, pesadelo mais temido pelos banqueiros. As ações
da White Sewing Machine Company, que nos meses anteriores chegaram a 48 e fecharam
na véspera a 11, foram negociadas a 1 dólar. A United States Steel,
socorrida por Richard Whitney na quinta-feira anterior a 205 a ação,
fechou em 174. Na média, os piores desempenhos da jornada foram os dos
papéis dos consórcios de investimentos, cuja trajetória
nos últimos anos era de dar inveja a qualquer indústria. A Goldman
Sachs, que terminara a segunda-feira cotada a 60, fechou a 35. Seu fundo de
investimento Blue Ridge, que no começo de setembro era negociado por
24, prostrou-se a ínfimos 3 dólares a ação no fechamento
da terça negra.

Turbulência de outubro: apesar dos discursos otimistas, nervosismo
persiste em NY


Turbulência de outubro: apesar dos discursos otimistas, nervosismo
persiste em NY

Mais uma vez, os banqueiros acharam por bem não enviar missões de
resgate à Bolsa. Pior: correram boatos de que os magnatas estavam na verdade
vendendo suas ações – o que foi desmentido de forma oficial
por Thomas W. Lamont, da J. P. Morgan. Mesmo assim, o prestígio dos bancos,
tão em alta na quinta-feira, havia desmoronado junto com as ações.
A população contava novamente com eles para a salvaguarda financeira
do mercado, mas a decisão já estava tomada. Naquele dia, os piores
pesadelos se reuniram em um pregão: o volume de vendas foi superior ao
da quinta-feira-negra, com 16.410.030 ações trocando de dono, sem
contar aquelas que não conseguiram ser vendidas mesmo com preços
no atoleiro. As médias industriais do Times caíram quase nos mesmos
patamares da véspera: 43 pontos, o que, na prática, anulava o lucro
dos doze formidáveis meses precedentes.

Depois dessa terça-feira, entre mortos e feridos, ninguém se
salvou. Se na primeira semana os cidadãos comuns foram as maiores vítimas
da carnificina acionária, na seguinte, pelo tamanho dos lotes colocados
à venda, pôde-se perceber que também os muito ricos perderam
dinheiro ao se livrarem de seus papéis a preço de banana. Atordoados,
especuladores à beira da bancarrota vagavam pela metrópole. O
clima era soturno e melancólico, como a ressaca de uma inebriante celebração
que acabara subitamente. A polícia de Nova York resgatou o corpo de um
agente comercial das águas do rio Hudson. Além da roupa do corpo,
seus únicos pertences eram 9,04 dólares e alguns avisos para pagamento
do aumento da margem.

Em uma ironia dos infindáveis mistérios do mercado financeiro,
as ações registraram surpreendentes ganhos no dia 30, com as médias
industriais do New York Times tomando o elevador e subindo 31 pontos –
e sem nenhum apoio organizado para tanto. Talvez o discurso de tranqüilização,
repetido em coro por todos os mandas-chuvas, tivesse surtido efeito. O subsecretário
de Comércio dos Estados Unidos, Julius Klein, foi ao rádio na
noite do dia 29 para lembrar à população que o presidente
Herbert Hoover dissera que os negócios elementares do país ainda
resistiam. “O ponto principal que eu quero destacar é a solidez
fundamental da maior parte das atividades econômicas”, defendeu.
O homem mais rico do mundo, John D. Rockefeller, quebrou um silêncio que
já durava várias décadas e reapareceu em público
para dizer que estava comprando ações (leia reportagem nesta edição).
No último dia do mês, em pregão de apenas três horas,
nova alta permitiu um respiro ao mercado.

O nervosismo, porém, ainda é latente em Wall Street e nas outras
Bolsas ao redor do planeta. Já se provou nos últimos dias que
a vontade do mercado é incontrolável, e seu furor, devastador.
Os escritórios de corretagem já anunciaram que não darão
folga aos funcionários no primeiro fim de semana de novembro, quando
a Bolsa, mesmo com o mercado suspenso, abrirá seus salões para
a conclusão de negociações e correção de
erros gerados pela turbulência do crepúsculo de outubro. A gravidade
da situação pode ser percebida até mesmo na curiosa e atabalhoada
tentativa do jornalista Arthur Brisbane, editor da cadeia de jornais Hearst,
de levantar o moral dos americanos. “Para se consolar, se você perdeu,
pense na gente que vive perto do monte Pelée, que recebeu ordem para
abandonar suas casas”, escreveu o colunista, citando o furioso vulcão
que já matou 30.000 pessoas no Caribe desde o começo do século.
Não seriam poucos os investidores falidos, de ventas ao chão,
que prefeririam estar na calorosa vizinhança do vulcão da Martinica
– mas ainda com dinheiro para comer um cachorro quente com Coca-Cola.

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como a crise afetou o Brasil

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