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A Escola dos Annales, de Peter Burke

by Lucas Gomes

A obra A Escola dos Annales (1929-1989): a Revolução Francesa
da Historiografia
é a primeira publicação que narra a história do
movimento surgido na França, agrupado em torno da revista Annales. Ao dar estatuto
de objeto de análise histórica a dimensões da vida privada, o livro abriu uma
terceira via ao estudo da História, distanciando-se tanto da historiografia
marxista quanto da história factual-biográfica. Peter Burke, o autor, esclarece
as coordenadas dessa refundação do método histórico analisando seus fundadores,
Lucien Febvre e Marc Bloch, passando ainda por Fernand Braudel, Georges Duby,
Jacques Le Goff e Le Roy Ladurie.

O subtítulo da obra,A Revolução Francesa na Historiografia, é um indicativo da importância
deste movimento liderado por Marc Bloch e Lucien Febvre ainda na década de 1920. Tentando incorporar
as novas ciências e com a necessidade de ampliar a visão sobre o seu próprio tempo, estes
historiadores propunham inovações metodológicas e temáticas.

Traduzido no Brasil apenas em 1997, ressalta que apenas quando se aprofundar os estudos sobre
“os rascunhos manuscritos de Marc Bloch ou as cartas não publicadas de Febvre e Braudel” é que se
terá uma compreensão melhor definida sobre a história do movimento. E, acrescenta, que para tanto
será preciso “um conhecimento especializado da história da historiografia, quanto da história da
França do século XX”.

O livro traz um estudo do movimento dos Annales, tenta compreender o mundo francês,
explicar desde a década de 20, até as gerações posteriores, a teoria e a prática
do historiador para outros cientistas sociais. De acordo com a obra de Burke,
os Annales foi um movimento dividido em três fases, a saber

1. A primeira parte apresenta a guerra radical contra a história tradicional,
a história política e a história dos eventos.

2. Na segunda parte, o movimento aproxima-se verdadeiramente de uma “escola”,
com conceitos (estrutura e conjuntura) e novos métodos (história serial das
mudanças na longa duração) dominada, prevalentemente, pela presença de Fernand
Braudel (46-69).

3. A terceira parte traz uma fase marcada pela fragmentação e por exercer grande
influência sobre a historiografia e sobre o público leitor, em abordagens que
comumente chamamos de Nova História ou História Cultural.

Nos cinco capítulos que integram a obra, o autor proporciona uma viagem através
da “história da história”, seus principais escritores, métodos e finalidades
de sua escrita, partindo da contribuição antiga até chegarao século XX. Trata-se
da História da Historiografia na sua longa duração. Considera o autor que, a
partir da “Revolução Copernicana” na história, com Leopold Von Ranke, a história
sócio-cultural foi remarginalizada. Foi dada ênfase nas fontes dos arquivos,
numa época em que os historiadores buscavam se profissionalizar e a história
não política foi excluída. O século XIX ouviu vozes discordantes entre historiadores,
a exemplo de Michelet e Burckhardt que propuseram uma visão mais ampla da história.

Outros exemplos podem ser citados, como Fustel de Coulanges e Marx que ofereciam
um paradigma histórico alternativo ao de Ranke. Historiadores econômicos foram
os opositores mais bem organizados da história política. Os fundadores da Sociologia
– Comte, Spencer e Durkheim – expressavam pontos de vista semelhantes.

No início do novo século, um movimento lançado por James Harvey Robinson sob
a bandeira da “Nova História” defendeu que a história incluia qualquer traço
ou vestígio das coisas que o homem fez ou pensou, desde o seu surgimento sobre
a terra. Na França, a natureza da história tornou-se objeto de intenso debate
e alguns historiadores políticos tinham concepções históricas mais abrangentes,
a exemplo de Ernest Lavisse, portanto, é inexato pensar que os historiadores
profissionais desse período estivessem exclusivamente envolvidos com a narrativa
dos acontecimentos políticos, como, por exemplo, François Simiand, um economista
seguidor de Durkheim, que promoveu um ataque a Charles Seignobos, símbolo de
tudo a que os reformadores se opunham. Tratava-se, na verdade, de um ataque
aos três ídolos da tribo dos historiadores: político, individual e cronológico.
Ao mesmo tempo Henri Berr, um grande empreendedor intelectual, lançou o ideal
de uma psicologia construída com a cooperação interdisciplinar, o que teve ressonância
em Febvree Bloch.

De acordo com Burke, no final da Primeira Guerra, Febvre idealizou uma revista
internacional dedicada à história econômica, mas o projeto foi abandonado. Em
1928, Bloch tomou a iniciativa de ressuscitar os planos da revista, agora francesa,
com sucesso. Originalmente chamada “Annales d’histoire économique et sociali”,
pretendia ser a difusora de uma abordagem nova e interdisciplinar da história,
exercer uma liderança intelectual nos campos da história social e econômica,
e preocupava-se com o problema do método no campo das ciências sociais. Os Annales
começou como uma revista de seita herética, depois da guerra, se tornou oficial.
Aos poucos se converteu no centro de uma escola histórica que foi transmitida
para escolas e universidades.

A segunda geração dos Annales foi protagonizada por Fernand Braudel que sucedeu
Febvre como diretor efetivo da revista. Para Braudel, a contribuição especial
do historiador às ciências sociais é a consciência de que todas as “estruturas”
estão sujeitas a mudanças, mesmo que lentas. Ele desejava ver as coisas em sua
inteireza, por isso era impaciente com fronteiras, separassem elas regiões ou
ciências. Quando prisioneiro, durante a Segunda Guerra, Braudel teve a oportunidade
de escrever sua tese. Seus rascunhos eram remetidos para Febvre, de quem recebeu
forte influência que o direcionaram para a geo-história. A obra com o título
o Mediterrâneo e Felipe II, degrande dimensão, era dividida em três partes,
cada uma exemplificando uma diferente forma de abordagem do passado: primeiro,
uma história “quase sem tempo” da relaçãoentre o “homem” e o ambiente; segundo,
a história mutante da estrutura econômica, social e política e, terceiro, a
trepidante história dos acontecimentos (a parte mais tradicional), corresponderia
à idéia original de uma tese sobre a política exterior de Felipe II.

O Mar é o herói do épico braudeliano. Ele divide o tempo histórico em: geográfico,
social e individual, realçando a longa duração. Nesse período a história das
mentalidades foi marginalizada, tanto por Braudel não ter interesse por ela,
quanto porque um número de historiadores franceses acreditava que a história
social e econômica era mais importante do que outros aspectos do passado, também
porque a nova abordagem quantitativa não encontrava no estudo das mentalidades
a mesma sustentação oferecida pela estrutura sócio-econômica.

Ainda conforme o texto de Burke, a terceira geração dos Annales foi marcada
por mudanças intelectuais. O policentrismo (o centro do pensamento histórico
estava em vários locais) permitiu a abertura para idéias vindas do exterior
e a inclusão de novas temáticas. A ausência de um domínio temático fez com que
alguns comentadores falassem numa fragmentação. Burke abordou três temas maiores:
a redescoberta da história das mentalidades, a tentativa de empregar métodos
quantitativos na história cultural e a reação contrária a tais métodos (quer
tomem a forma de uma antropologia histórica, um retorno à política ou o ressurgimento
da narrativa). A mudança de interesses dos intelectuais dos Annales, da base
econômica para a “superestrutura” cultural – reação contra Braudel e contra
qualquer determinismo – foi intitulada por Burke como um movimento “do porão
ao sótão”.

No interior do grupo dos Annales alguns historiadores sempre estiveram envolvidos
com os fenômenos culturais e com a mentalidade. A nova abordagem quantitativa
(ou serial) não encontrava no estudo das mentalidades a mesma sustentação oferecida
pela estrutura sócio-econômica. Um artigo de Lucien Febvre (1941) mostra a importância
doestudo das séries de documentos na longa duração, a fim de mapear mudanças.
Também Gabriel Le Bras, Vovelle, Le Bras, interessaram-se por mensurar processos
históricos.

Nos anos 70 surgiu uma reação contrária à abordagem quantitativa, ao domínio
da história estrutural e social, defendida pelos Annales, o que resultou na
mudança antropológica, no retorno à política e no ressurgimento da narrativa.

A conhecida crítica aos Annales é a sua pressuposta negligência ao tema “política”,
mas ela não procedeu em relação a todos os componentes do grupo. A volta à política
estava também ligada ao ressurgimento do interesse pela narrativa dos eventos:
história dos eventos e narrativa histórica. Sobre os Annales muito são os trabalhos
escritos, pelos críticos que defendem eaqueles que refutavam sua proposta metodológica
e seu objeto, de maneira que o tema pode parecer bastante explorado, porém,
o livro de Peter Burke tem o mérito de apresentar sinteticamente e de maneira
satisfatória a imensurável elaboração e contribuição das gerações dos Annales,
numa só obra, servindo de partida indispensável para historiadores e historiadores
da educação, que se ampararam em teorias advindas da História Cultural.
Fonte parcial:
Edileusa Santos Oliveira (Historiadora, Especialista em Educação, Cultura
e Memória; participante do Grupo de Pesquisa em Fundamentos da Educação do Museu
Pedagógico da UESB)
Ana Palmira Bittencourt Santos Casimiro (Coordenadora do Grupo Fundamentos
da Educação do Museu Pedagógico da UESB)

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