Home EstudosSala de AulaHistoria Estados Unidos: 2. O Álamo – EUA x México

Estados Unidos: 2. O Álamo – EUA x México

by Lucas Gomes

A rivalidade entre México e Estados Unidos possui raízes históricas.
Um dos episódios mais polêmicos na história dos dois países
foi: a batalha do Álamo, que ainda gera controvérsias nos dois
lados da fronteira México/Estados Unidos.

As principais razões dessas controvérsias são três:

1. As lacunas da documentação (alguns detalhes
sobre o episódio jamais serão conhecidos, pois morreram com os
que tombaram na batalha);

2. As discordâncias entre os diversos relatos, e especialmente
no que se refere ao número de mortos na batalha;

3. A parcialidade das versões contadas nos dois lados
da fronteiras.


Último entardecer de David Crockett, Batalha do Álamo, de Mark Churms

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Para os mexicanos, a revolta costuma ser lembrada como um ato de traição,
o primeiro passo para a política expansionista e imperialista dos “malditos
gringos” que teriam “roubado” terras que pertenciam ao México.
Nos Estados Unidos, o episódio costuma ser lembrado como um exemplo de
“heroísmo”: os rebeldes texanos teriam lutado bravamente em
nome da “liberdade” contra os “terríveis” soldados
mexicanos liderados pelo “sanguinário” general Santa Anna.
Ou seja, os sentimentos patrióticos de ambos os lados dificultam uma
visão objetiva do que realmente aconteceu.

A origem do Forte Álamo


O Forte Álamo, hoje

O Álamo era um forte, fundado por uma expedição missionária
espanhola que tinha como objetivo catequizar os indígenas, convertendo-os
ao catolicismo. O nome oficial dessa expedição missionária
era Mission San Antonio de Valero, que também era o nome original desse
forte. O forte consistia numa igreja e algumas construções, erguidas
no início do século 18.

Nessa época, o Texas era parte da colônia de Nova Espanha. O forte
foi abandonado pelos espanhóis, depois que o México se tornou
independente da Espanha, em 1821. Assim, o Texas, ou “Tejas” (em espanhol,
o “j” é lido com som de “r”), como era chamado pelos
mexicanos, tornou-se parte do México independente. Mas como veremos,
não por muito tempo.

As origens do conflito

Em janeiro de 1823, trezentas famílias vindas dos Estados Unidos vieram
para o México e estabeleceram uma colônia no Texas. Essa colônia
foi fundada por Stephen F. Austin e surgiu à margem do rio Brazos. Até
então, o México era uma república federativa, em que os
poderes regionais tinham maior autonomia e o poder federal era mais limitado.

Essa situação mudou em 1835, quando o então presidente
do México, o general Antonio López de Santa Anna Pérez
de Lebrón, ou simplesmente general Santa Anna, aboliu a Constituição
mexicana de 1824 e impôs uma nova que reduzia o poder dos governos provinciais
e aumentava o do presidente da República.

O general Santa Anna queria assegurar seu poder sobre todo o território
mexicano, especialmente sobre o Texas, considerado um ponto estratégico,
pois era visto, corretamente diga-se de passagem, como uma região vulnerável
ao expansionismo do país vizinho do norte, os Estados Unidos.

Laços culturais

Naquela época, vários colonos dos Estados Unidos já estavam
viajando rumo ao oeste, com o objetivo de povoar as terras que eram habitadas
pelos índios. O interesse do general Santa Anna pelo Texas preocupava
os colonos estadunidenses, que, embora vivendo em território mexicano,
ainda se sentiam ligados ao seu país de origem, tanto por laços
culturais quanto por razões econômicas.

Esses colonos já estavam acostumados a viver sob a Constituição
mexicana de 1824, que lhes conferia maior liberdade. Assim, no dia 23 de fevereiro
de 1836, rebeldes texanos capturaram o forte do Álamo, dando início
a uma revolta separatista. Esses rebeldes aproveitaram a ocasião para
declarar a independência do Texas e criar uma Constituição
própria. O que chama a atenção é que essa revolta
separatista não foi liderada pelos próprios mexicanos, mas por
colonos estrangeiros (que eram minoria no Texas), o que torna duvidosa a legitimidade
do movimento.

Texanos e tejanos

Os rebeldes eram em sua maioria colonos estadunidenses, mas não em
sua totalidade. Entre os rebeldes texanos também havia alguns mexicanos
de origem hispânica. Desses, chamados de “tejanos”, os seguintes
foram identificados pelos historiadores : Juan Abamillo, Juan A. Badillo, Carlos
Espalier, Gregorio Esparza, Antonio Fuentes, José María Guerrero,
Damacio Jimenes (Ximenes), Toribio Losoya, e Andrés Nava.

Apesar de terem lutado ao lado dos colonos estadunidenses, os “tejanos”
que defenderam o Álamo das tropas de Santa Anna foram durante muito tempo
esquecidos pela versão oficial da História nos Estados Unidos.
Nessa versão oficial da história, popularizada pelos filmes de
Hollywood, todos os mexicanos foram retratados de maneira preconceituosa ou
racista e apenas os “gringos” foram mostrados como heróis.
Por outro lado, para muitos mexicanos, os “tejanos” que lutaram contra
as tropas de Santa Anna não passaram de “traidores da pátria”.

Figuras folclóricas


James Bowie

Os rebeldes texanos enfrentaram tropas enviadas pelo governo mexicano num
cerco que durou duas semanas. Quase todos os rebeldes foram mortos. Voluntários
vindos de diferentes partes dos Estados Unidos foram ao Álamo para ajudar
os rebeldes texanos. Entre esses voluntários estavam duas figuras folclóricas:
os aventureiros Davy Crockett e James Bowie.

Antes de lutar no Álamo, Davy Crockett já havia lutado contra
índios. Ele também se dedicou à política, chegando
a ser eleito deputado federal pelo estado do Tennessee. Nos filmes e gravuras
dos livros, Davy Crockett quase sempre é retratado com um chapéu
de pele de guaxinim. James Bowie era famoso por carregar consigo a faca que
recebeu seu nome, a famosa faca Bowie. No Álamo, Bowie chegou a dividir
o comando da resistência texana com o tenente coronel William Barret Travis.

Problemas de saúde acabaram impedindo Bowie de participar mais ativamente
dos combates e Travis acabou assumindo o comando sozinho. Apesar de doente,
Bowie chegou a efetuar disparos com sua arma de fogo enquanto estava deitado
na cama em seus momentos finais. Sabemos disso graças ao relato de um
dos sobreviventes: Joe, um escravo de Bowie, que esteve com ele nos últimos
momentos. Quanto a Davy Crockett, sua morte permanece um mistério. Não
se sabe se ele morreu lutando ou se foi executado junto com outros após
ter se rendido. Seja como for, os filmes de Hollywood preferiram mostrá-lo
lutando até morrer.

Número de mortos na batalha do Álamo

Não se sabe quantos homens morreram ou foram feridos durante a batalha.
Diferentes fontes divergem quanto ao número de mortos, tanto do lado
dos rebeldes texanos, quanto do lado das tropas mexicanas. Inicialmente, se
acreditou que o número de rebeldes texanos mortos no Álamo foi
de aproximadamente 150. Tal estimativa se baseava numa nota escrita por Albert
Martin, um mensageiro de Travis. Essa nota foi escrita no verso de uma carta
de Travis. Na nota, Martin dizia: “Quando parti havia apenas 150 homens
determinados a lutar ou morrer…”

Mas, segundo registros de Ramón Martínez Caro, secretário
do general Santa Anna, o número de texanos mortos pelas tropas mexicanas
foi 183. Pesquisas posteriores adicionaram novos nomes à lista de texanos
mortos no Álamo. Estima-se que o total de mortos no lado texano tenha
sido 189. Segundo relatos mais antigos, 521 soldados mexicanos teriam sido mortos
na batalha. Pesquisas posteriores revelaram que esse teria sido o total de baixas
(a soma do total de mortos mais o total de feridos).

Segundo a maioria das fontes mexicanas, o número de soldados mexicanos
mortos teria sido de aproximadamente setenta homens, enquanto os feridos teriam
sido algumas centenas. Estimativas mais recentes sugerem que o total de baixas
no exército mexicano tenha sido de seiscentas.

Derrota mexicana

Entre os poucos sobreviventes do lado texano estavam alguns escravos negros,
mulheres e crianças. Apesar da derrota, o cerco deu tempo para que Sam
Houston reunisse soldados e suprimentos para a batalha de San Jacinto, da qual,
dessa vez, os rebeldes texanos saíram vitoriosos, consolidando sua independência
em relação ao México.

O desejo de vingar os companheiros mortos no Álamo também contribuiu
para a vitória dos rebeldes liderados por Houston. A popular frase “Lembrem-se
do Álamo!” (Remember the Alamo) era um convite à vingança.
O fato de os rebeldes texanos estarem em inferioridade numérica tornou
humilhante a derrota das tropas mexicanas.

O destino de Santa Anna


General Santa Anna

Após a derrota na batalha de San Jacinto, o general Santa Anna foi
capturado pelos rebeldes texanos e obrigado a reconhecer a independência
da recém proclamada República do Texas, assinando o Tratado de
Velasco. Em troca, o novo governo texano garantiu que ele voltasse em segurança
para Veracruz. Quando partia do porto de Velasco, o general mexicano foi ameaçado
por cerca de duzentos texanos: eles pretendiam tirá-lo do barco em que
estava e matá-lo ali mesmo.

Ao retornar para a Cidade do México, general Santa Anna recebeu mais
más notícias: um novo governo o depôs da presidência
e considerou nulo o Tratado de Velasco. Após um exílio nos Estados
Unidos, ele retornou ao México. Seus compatriotas o culpavam pela perda
do território do Texas para os Estados Unidos. Ele encontrou uma oportunidade
para redimir-se da derrota anterior quando invasores franceses atacaram o México
em 1838.

Nessa guerra, ele chegou a ser ferido e uma de suas pernas teve que ser amputada.
Pouco depois, ele ocupou a presidência pela quinta vez, onde permaneceu
até ser deposto. Ficou cego em decorrência de uma catarata e morreu
pobre no dia 21 de junho de 1876. Estava com 82 anos.

A anexação do Texas

Em 1845, o território do Texas foi anexado pelos Estados Unidos. Por
causa disso, o governo mexicano declarou guerra aos Estados Unidos. Essa guerra
se prolongou por dois anos, terminando com a derrota do México que acabou
perdendo outras partes do seu território para os Estados Unidos, dentre
as quais, a Califórnia e uma imensa área que corresponde aos atuais
estados do Nevada, Utah e parte do Arizona, Novo México, Colorado e Wyoming.
Pelo reconhecimento da perda do Texas e a cessão de outras partes do
sue território para o vizinho poderoso, o derrotado México recebeu
como pagamento cerca de 15 milhões de dólares.

*Túlio Vilela, professor de história, formado pela USP, um dos
autores de “Como Usar as Histórias em Quadrinhos na Sala de
Aula
“.

Posts Relacionados