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Almeida Júnior

by Lucas Gomes

José
Ferraz de Almeida Júnior (1850-99)nasceu em Itu (SP) e faleceu tragicamente
em Piracicaba, no mesmo Estado. Demonstrando desde a mais tenra idade inclinações
artísticas, teve no Padre Miguel Correa Pacheco seu primeiro incentivador, quando
era sineiro da Matriz de Nossa Senhora da Candelária, em sua cidade natal. Foi
o padre quem obteve, numa coleta pública, o dinheiro suficiente para que o futuro
artista, já então com cerca de 19 anos de idade, pudesse embarcar para o Rio
de Janeiro, a fim de ali estudar.

Em 1869 Almeida Júnior estava inscrito na Academia Imperial de Belas-Artes,
aluno de Julio Le Chevrel e de Vítor Meireles. Durante o curso, parece ter sido
a principal diversão dos colegas, com seu jeito de caipira, seu linguajar matuto,
as roupas de roceiro. No dizer de Gastão Pereira da Silva, “era o mais autêntico
e genuíno representante do tradicional tipo paulista. Mas sem nenhum traquejo
de homem de cidade. Falava como os primitivos provincianos e tal qual estes
vestia-se, andava, retraía-se. Mas isso não impediria que fizesse um curso brilhantíssimo,
durante o qual recebeu diversas premiações em desenho figurado, pintura histórica
e modelo vivo, inclusive, em 1874, a grande medalha de ouro, com o quadro Ressurreição
do Senhor.”

Terminado o curso, Almeida Júnior, ao invés de tentar concorrer ao prêmio de
viagem à Europa, preferiu retornar a Itu, onde abriu ateliê, dedicando-se a
fazer retratos e a lecionar desenho. O acaso, porém, fez com que um seu retrato
fosse apreciado pelo Imperador Pedro II, durante uma viagem que realizou em
1875 à Província de São Paulo. Foi chamado à presença do soberano, que já o
conhecia da Academia que lhe perguntou por que não ia aperfeiçoar-se na Europa,
oferecendo-se logo em seguida para lhe custear e lhe perguntar pessoalmente
a viagem. A 23 de março do ano seguinte, um decreto da Mordomia da Casa Imperial
abria crédito de 300 francos mensais para que Almeida Júnior fosse estudar em
Paris ou Roma. A 4 de novembro de 1876, o artista seguia com destino à França,
e um mês depois já estava matriculado na Escola Superior de Belas Artes, em
Paris, como aluno do célebre Cabanel.

De fins de 1876 até 1882 morou em Paris, efetuando, nesse último ano de sua
permanência européia, breve excursão à Itália. Em Montmartre, onde residiu,
teria pintado 16 telas com cenas do bairro famoso; tais pinturas, se de fato
existiram, perderam-se de vez. Em compensação restam, do período francês, Arredores
de Paris e Arredores do Louvre, e sobretudo as grandes composições com as quais
participou dos Salons de 1880 (Derrubador Brasileiro e Remorso de Judas), 1881
(Fuga para o Egito) e 1882 (Descanso do Modelo), obras admiráveis da pintura
realista de qualquer tempo ou lugar. É curioso observar que, no Derrubador Brasileiro,
à falta de um. autêntico caboclo paulista, Almeida Júnior tomou como modelo
um jovem italiano de nome Mariscalo.

Inteligente e estudioso, tendo realizado grandes progressos em Paris, Almeida
Júnior nunca perdeu seu jeito displicente de matuto, e a um ilustre visitante
brasileiro que fora procurá-lo no ateliê parisiense horrorizou com a frase,
tantas vezes repetida, pronunciada no mais puro acento ituano:

– Istou mórto pôr mi pilhar nó Brasil.

Ao Visconde de Nioac, representante brasileiro em França, que um dia lhe recriminara
fala, roupas, modo de ser, retrucou indignado, afirmando que jamais abandonaria
seus hábitos interioranos, nem nunca renegaria sua origem. Mas esse rústico,
nas horas de folga da pintura, entregava-se longamente ao piano, do qual chegou
a ser regular executante, e para o qual compôs algumas músicas. Não admira,
pois, que no Descanso do Modelo o pintor esteja aplaudindo a jovem modelo que,
desnuda da cintura para cima, dedilha displicentemente o teclado.

Voltando ao Brasil, Almeida Júnior expôs no Rio seus trabalhos executados em
França. Mas o sucesso da mostra não impediu que pouco depois o pintor de novo
se encafuasse em Itu, para em 1883 abrir ateliê em São Paulo. Na grande exposição
de 1884, novamente expôs quatro dos seus maiores triunfos – a Fuga, o Derrubador,
o Descanso e o Remorso. Ao comentar seu envio, Gonzaga Duque afirma ser Almeida
Júnior “o mais pessoal e, sem dúvida, um dos que melhor sabem expressar, com
toda clareza e nitidez de um estilo à Breton, os assuntos tomados de improviso
a uma página da Bíblia, da História, ou simplesmente da vida de todos os dias
e de todos os homens”.

Pouco a pouco, em contato com a terra e os habitantes, Almeida Júnior irá substituindo
os temas bíblicos pelos regionais, pelos aspectos simples de sua provinciana
Itu. Pouco adianta que o Governo Imperial o agracie com a Ordem da Rosa em 1885,
ou que Vítor Meireles o convide a ocupar sua vaga como professor da Academia:
nada irá separá-lo da província, mesmo porque se encontra perdidamente apaixonado
por sua antiga noiva (agora casada com outro) Maria Laura do Amaral Gurgel,
que lhe corresponde à paixão, e a quem retratará várias vezes, nos traços de
seus personagens femininos. Na década que vai de 1888 a 1898 nascem-lhe as grandes
composições regionalistas, que hoje lhe garantem prestígio talvez superior às
pinturas realizadas na França: Caipiras Negaceando, Cozinha Caipira, Amolação
Interrompida, Picando Fumo, O Violeiro. Ocorrem, ainda, paisagens de Itu, Piracicaba
e Votorantim, sem falar nos retratos.

Em 1891 e 1896 o pintor realizaria novas viagens à Europa, a última em companhia
de Pedro Alexandrino, o qual, com bolsa de estudos do Governo de São Paulo,
ia aperfeiçoar-se em Paris. Dos anos finais de sua existência datam ainda alguns
quadros notáveis, como Leitura (1892), exposto no Salão de 1894, A Partida da
Monção, baseada em desenhos de Hercule Florence e medalha de ouro no Salão de
1898, e finalmente O Importuno e Piquenique no Pio das Pedras, expostos, com
mais seis obras, no Salão de 1899, e repletos, ambos, de conotações psicológicas.
Infelizmente, a vida e a carreira de Almeida Júnior foram tragicamente truncadas
a 13 de novembro de 1899, quando o artista caiu apunhalado, diante do Hotel
Central de Piracicaba, por José de Almeida Sampaio, seu primo e marido de Maria
Laura, o qual acabara de descobrir a ligação amorosa que existia, havia longos
anos, entre a mulher e o pintor.

No panorama da pintura nacional, Almeida Júnior aparece como autêntico precursor.
Em sua obra, que abrange pinturas históricas, religiosas e de gênero, retratos
e paisagens, repercute uma personalidade que nunca se afastou um milímetro de
suas idéias e convicções. Sua produção, não muito extensa, é valiosa do ponto
de vista estético, histórico e social, nela se misturando influências românticas,
realistas e até mesmo pré-irnpressionistas: como não ver, nesse artista probo
e sincero, um êmulo de Courbet e de Millet, ou de Bastien-Lepage e Lhermitte,
com os quais possui afinidades técnicas e temáticas?

Realista, os personagens do pintor são gente de carne e osso, que conheceu pessoalmente,
gente que tinha nome, comia, vivia, amava. Assim, o modelo para Picando Fumo
era um tipo popular de Itu, Quatro Paus; e a mulher que aparece escutando O
Violeiro era figura notória da cidade, misto de enfermeira e dançarina num cabaré
local. De inspiração outra são, evidentemente, as várias figurações de Maria
Laura que perpassam por sua produção: porque Maria Laura é A Noiva (1886), ela
é quem simboliza A Pintura, no quadro, de 1892, hoje na Pinacoteca de São Paulo
surge na Leitura, também de 1892, quem sabe se também em O Importuno, de 1898,
ou em Saudades, de 1899, quando não em Repouso, sensual figura de uma jovem
adormecida, em meio à leitura, vendo-se o alvo seio que escapa dos rendilhados
da camisola entreaberta. No que respeita aliás aos aspectos psicológicos da
arte de Almeida Júnior, homem tímido e retraído mas paradoxalmente ousado, afrontando
a tudo e a todos, em se tratando de seu amor por Maria Laura, quanta matéria
de estudo em pinturas como as já mencionadas O Importuno, Leitura ou Repouso!

Tecnicamente, pode-se dividir sua carreira em duas fases, antes e depois de
1882. Na inicial a palheta é sóbria e o modelado de extrema simplicidade, com
apelo a recursos de luminosidade que de longe evocam os pré-impressionistas
e a uma fatura gorda, empastada; na segunda fase a palheta se aclara e enriquece
de novos matizes, a pasta pictórica é utilizada com maior parcimônia, enquanto,
tematicamente, o assunto brasileiro faz sua aparição, externado numa linguagem
plástica das mais pessoais e mais bem articuladas surgidas entre nós.

Fonte: 500 Anos da Pintura Brasileira

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