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Amedeo Modigliani

by Lucas Gomes

Nascido
em Livorno, em 1884, Amedeo Modigliani (cujo nome significa “amado por
D’us”) é o quarto filho do italiano Flaminio Modigliani e da francesa
Eugénie Gársin. Nasceu justamente no momento em que seu pai enfrentava
graves problemas financeiros e decretava falência. Depois de perderem
toda a fortuna, os pais do pintor abriram um pequeno negócio e a família
foi obrigada a recomeçar a vida em nível bem mais modesto.

Na metade do século XIX, Livorno era considerada um paraíso político e religioso.
Amedeo passou a maior parte de sua infância sob a orientação da mãe e da família
desta. Eugénie descendia de judeus sefaraditas de Marselha e, criada em um lar
liberal, era muito culta, dominando fluentemente o inglês e o francês. Sentia
uma ternura toda especial por esse filho e, a partir de 1886, começou a escrever
um diário que, de fato, é uma das poucas fontes de informações confiáveis sobre
a infância do artista. Neste, se perguntava: “Será ele um artista?” Em suas
páginas conta parte do dia-a-dia de Amedeo – cujo apelido era Dedo. Era o avô
Isaac quem tomava conta dele. Intelectualizado, apaixonado por história e filosofia
além de exímio jogador de xadrez, o avô levou Dedo em suas primeiras visitas
a museus. Foi quando entrou em contato com as obras dos grandes artistas.

Amedeo tinha apenas dez anos quando o avô faleceu, em 1894. Abalado por
essa perda, o menino fechou-se em si mesmo, adoecendo algum tempo depois e não
sendo aprovado nos exames escolares. Preocupada e esperando que a arte conseguisse
tirá-lo da apatia em que se encontrava, sua mãe permite que ele tenha aulas
de desenho. No liceu onde estudava, os professores percebiam sua forte inclinação
para essa área.

Um ano após seu bar mitzvá, em 1898, Amedeo novamente adoece e os médicos diagnosticam
febre tifóide. Por causa da saúde frágil, passou grande parte da infância e
adolescência em casa e, sem poder fazer grandes esforços físicos, dedica-se
à leitura.

Quando se curou, teve permissão para abandonar a escola e freqüentar diariamente
um ateliê. Era o ano de 1899. Mas adoeceu novamente, no ano seguinte, e os médicos
descobriram que sua doença era mais grave do que supunham – aos 16 anos foi
diagnosticado como tuberculoso. Para tentar combater o mal, sua mãe organizou
uma viagem para regiões mais quentes, no sul da Itália. O roteiro incluiu visitas
a museus e galerias de artes, que despertaram a imaginação e sensibilidade do
jovem, fortalecendo o desejo que já manifestara de sair de Livorno para se aprimorar
nesse campo.

Assim, com o apoio financeiro do tio materno, em 1901 Modigliani mudou-se para
Florença, onde se matricula na Escola de Belas Artes. Lá decide dedicar-se à
escultura, mas esculpir o mármore era uma arte que exigia muito esforço físico,
principalmente para alguém com problemas de saúde, como ele. Em 1903, Modigliani
mudou-se para Veneza, onde continua os estudos no Instituto de Belas Artes local.
Mas ao invés de se dedicar a aperfeiçoar sua arte, passava o tempo em bares
e festas. Começava a boemia.

Aos 22 anos, decide morar em Paris, então centro da vanguarda artística. Acreditava
que somente na França seria capaz de desenvolver uma linguagem artística própria
e realizar suas ambições. Seu primeiro lar foi o Hotel Madeleine e sua primeira
escola, a Academia Colarossi, famosa por seus ex-alunos, entre os quais Paul
Gauguin e Auguste Rodin. Era um jovem bonito, de estatura pouco abaixo da média,
que usava todos os dias o mesmo paletó de veludo cotelê. De personalidade volátil,
vivia no bairro de Montmartre às custas da mesada que o tio regularmente enviava.
Era o mesmo ambiente freqüentado por Picasso, Guillaume, Apolinaire, André Derain
e Diego Rivera. Tornou-se amigo de artistas e intelectuais judeus, passando
a fazer parte do famoso Círculo de Montparnasse, o grupo de artistas judeus
que emigrou para Paris antes da Primeira Guerra Mundial.

A vida na “Cidade-Luz” foi um período de buscas, principalmente por um estilo
e tipo de arte definido. No Bâteau-Lavoir, centro do Cubismo, ele se encontrava
com os pintores Picasso e André Derain, o carismático poeta e pintor Max Jacob,
o escritor André Salmón e outros. Sentia estar no lugar certo. Desistindo da
escultura, dedicou-se de corpo e alma à pintura, escolhendo como tema crianças
e mulheres. Em tudo o que pinta ou desenha, entre 1906 e 1909, Modigliani continuava
em busca de um estilo próprio, que combinasse o antigo e o novo. Apenas o tema
permanece idêntico ao longo de toda a sua obra: a figura humana. é desta época
a obra “A judia”, que mostra a influência de Cézanne e dos expressionistas.
Começou a beber, prejudicando a saúde, já tão debilitada pela tuberculose. Nesse
período conheceu Paul Alexandre, médico apreciador de arte, que o incentivou
e apoiou nos sete anos seguintes, comprando muitas de suas obras.

Em 1910, Modigliani expôs seis trabalhos no 26º Salão de Artistas
Independentes, dos quais quatro são postos à venda: “O violoncelista”, “Lunaire”
e dois estudos para o retrato da amiga Bice Boralevi. Nenhuma obra foi vendida;
as galerias de arte geralmente consideravam seus trabalhos muito individuais
e difíceis de serem comercializados. Começa, então, uma das fases mais frustrantes
e improdutivas da vida do artista. Mas apesar de todas as dificuldades, Modigliani
jamais deixou de acreditar em si mesmo e em seu talento. Em 1912, expõe sete
esculturas no Salão de Outono. No inverno desse ano adoece gravemente, ficando
internado por um tempo. Em abril seguinte retorna a Livorno para um período
de convalescença.

Alguns meses depois volta à França, aparentemente recuperado, atirando-se novamente
à vida desregrada. Ainda freqüentava seu círculo de amigos de Montparnasse,
entre os quais, o escultor russo Ossip Zadkine, Moise Kisling, judeu polonês
que se tornara muito próximo do artista, e o pintor Chaim Soutine, judeu russo
por quem nutria afeto paternal. Soutine foi um dos primeiros a apreciar o seu
talento. Em 1914, o amigo e artista Max Jacob intermedia um encontro entre Modigliani
e o marchand Paul Guillaume, intelectual que iniciava suas atividades no mundo
das artes. Impressionado com os desenhos de Modigliani, ele compra algumas pinturas
e passa a promover seus trabalhos.

No verão de 1914, eclode a Primeira Guerra Mundial na Europa. Em agosto, Paris
é bombardeada e ele se muda para Montparnasse. Sua saúde continua piorando e,
mais uma vez, é ajudado por amigos. Quando se restabelece, em 1916, volta a
pintar, pressionado por Paul Guillaume. Nessa mesma época foi apresentado a
Leopold Zborowski que, além de amigo, tornou-se também seu patrono e marchand.
Foi um ano muito produtivo no qual fez muitos retratos, recebendo um salário
semanal. Foi também nesse período que conheceu Jeanne Hébuterne, a mulher com
quem viveria até morrer. Sua arte torna-se mais clara e tranqüila, aparentemente
como resultado da presença de Jeanne em sua vida. Seu trabalho começa a ser
notado e o crítico Francis Carco compra-lhe alguns quadros, seguindo de perto
sua carreira.

Em março de 1918, Paris é novamente bombardeada e o mercado de arte entra em
colapso. Juntamente com Zborowski e Jeanne, Modigliani parte para uma vila na
Côte D’Azur, onde o clima é mais adequado à sua saúde. Em novembro do
mesmo ano, o casal tem uma filha. A partir de 1919, assume seriamente o papel
de pai e artista, entregando-se de corpo e alma ao trabalho, mandando quatro
trabalhos por mês a Zborowski. São desse período as únicas quatro paisagens
de toda a sua obra, como também um retrato de crianças da cidade e o de Jeanne.

Em maio de 1919, Modigliani retorna a Paris. Alguns meses mais tarde, Zborowski
o inclui em uma mostra na Mansard Gallery, em Londres, da qual participavam
também Picasso, Matisse, Derain, Soutine, Kisling e outros. A exposição é um
sucesso e suas obras, elogiadas pela crítica local, são vendidas a bons preços.
Mas, no inverno, sua saúde piora. Bem doente, permite apenas que Jeanne cuide
dele, recusando-se a ser internado.

Em 22 de janeiro de 1920 é levado inconsciente para o Hospital da Caridade,
morrendo no dia 24 de meningite tubercular. Jeanne, grávida de nove meses, retorna
à casa de seus pais no mesmo dia e, no meio da noite, atira-se do quinto andar
do prédio, não agüentando a dor da perda. O italiano Modigliani construiu sua
reputação internacional na França. Sua arte foi praticamente desconhecida, durante
sua breve vida, na terra onde nasceu. Somente após sua morte, Modigliani foi
reconhecido como “filho da terra”, através de duas retrospectivas na Bienal
de Veneza – a primeira em 1922, poucos meses depois que Mussolini assumiu o
poder; e a segunda em 1930, no auge da ditadura e da popularidade do “Duce”.
Por ironia do destino, Modigliani, judeu, liberal, conhecido por sua visão cosmopolita
e internacional e que acreditava no ideal socialista de que todos os homens
são iguais, acabou sendo usado como símbolo da Itália fascista.

Conhecido por ser boêmio e levar uma vida dissoluta, Modigliani fazia parte
dos chamados “Artistas Malditos” da capital francesa. Recusava-se a definir
um estilo para sua arte, buscando uma forma ideal que mesclasse classicismo,
expressionismo e modernismo. Seu traço era sublinhado, constantemente visível,
e organizava a superfície de suas telas em ritmo de grandes curvas melodiosas.
Segundo seus contemporâneos, buscava uma impossível reconciliação entre tradição
e audácia. é possível dizer que a vida breve de Modigliani foi uma sucessão
de misérias e tristezas, fracassos e doenças. Mas, apesar disso, não se encontra
em seus retratos nada de “doentio” ou deprimente.

No final de 1919, poucos meses antes de morrer, aos 35 anos, pintou seu auto-retrato,
um óleo sobre tela que pode ser visto no Museu de Arte Contemporânea da Universidade
de São Paulo. Na obra, ele se retrata com a paleta e um pincel na mão, como
que se recusando a sucumbir às suas próprias condições. Segundo Manson Klein,
esse auto-retrato coloca em xeque a imagem do artista apenas como boêmio, amargurado
e fracassado. O artista se referia a si mesmo como “un juif du patriciat”, um
judeu nobre. Nesse romântico, mas incisivo auto-retrato, ele se revela como
um indivíduo que reconcilia sua saúde debilitada com a dignidade e o intelectualismo
aristocrático com a compaixão. E é dessa forma que se auto-retrata, como alguém
que apesar de tudo se mantém elegante e nobre, imbuído pela vocação de dignificar
a condição humana.

Sua carreira será toda uma longa reflexão sobre o rosto de homens e mulheres.
Segundo Klein, por trás da opção pela arte dos retratos estava sua crença de
que todas as pessoas eram iguais, independente de seu status. Modigliani as
pintava com traços semelhantes: olhos e faces amendoados e pescoços longilíneos.
Sua arte de retratos revela o equilíbrio entre a linguagem universal das formas
geométricas e as características pessoais, emocionais e políticas do indivíduo.

Dois mundos estavam sempre presentes em Modigliani: a Itália e o judaísmo. Ele
confronta o tema da identidade e do individualismo considerando a sua condição
de judeu sefaradita italiano. Mais do que enraizadas em conceitos da história
da arte, sua expressão artística e sua obra se originam de diversas fontes sócio-culturais.
De um lado, o ideal igualitário socialista e o suposto fim das diferenças raciais,
durante o Risorgimento italiano e do período da reunificação da Itália (1848
a 1870), quando em toda a Itália os judeus foram legal e civilmente emancipados.
Do outro, sua rica herança sefaradita, sua compreensão do indelével caráter
do judaísmo, independentemente de qualquer tipo de assimilação ou aculturação.

Aportando em Paris em 1906, mais como jovem e filosófico idealista e menos como
judeu praticante, Modigliani confrontou-se com uma sociedade menos pluralista
e tolerante, do ponto de vista religioso e cultural, do que de Livorno. Entre
os imigrantes de Paris, muitos dos quais judeus, seu cosmopolitanismo personificava
a diversidade cultural própria do famoso grupo de artistas de Montparnasse,
do qual fazia parte. Porém, suas raízes diferiam profundamente das de seus colegas,
principalmente os oriundos da Europa oriental. E ele introduz nesse meio não
apenas o judaísmo sefaradita, mas também a cultura latina.

A comunidade judaica que moldara a personalidade de Modigliani diferia das demais
espalhadas pela Europa, que na maior parte dos casos, mesmo no século XIX, permaneciam
isoladas e oprimidas. Além dos judeus da Itália terem sido emancipados e gozarem
de igualdades civis, foi na Livorno do século XIX que a história da intelectualidade
sefaradita italiana atingiu seu ápice. Além do mais, a identidade singular de
Modigliani é decorrente da habilidade do judeu italiano de aceitar a diversidade
justamente em função do pluralismo cultural que existia no país.

é fácil perceber por que em Paris, enquanto Modigliani era identificado primeiro
como italiano ou apenas como europeu ocidental, graças à sua fluência em francês,
e só depois como judeu, artistas como Marc Chagall e Chaim Soutine eram identificados
como judeus – e não como russos ou lituanos. A arte de Modigliani não pode ser
entendida totalmente sem considerarmos as maneiras complexas pelas quais reagiu
à nova realidade e à xenofobia e hegemonia cultural que encontrou em Paris.

Foi na França pós-Dreyfus que ele, pela primeira vez, sentiu na pele o anti-semitismo.
De fato, antes de viver no enclave artístico de Montparnasse nunca imaginaria
ter que reafirmar sua identidade judaica. O anti-semitismo, de certa maneira
um choque para o artista, influenciou não somente a forma como interagia com
os outros, mas também sua arte. Este fato motivou, em grande parte, sua maneira
singular de se apresentar como “Modigliani, judeu”.

Durante a vida na França, sempre criticou a maioria dos artistas judeus que
optava por se assimilar, por dissimular sua verdadeira identidade, abraçando
totalmente a liberdade trazida pela emancipação européia. Para ele, esta característica
era resultado da falta de identidade judaica de muitos artistas que viviam na
capital francesa antes da Primeira Guerra Mundial.Ao invés de se assimilar,
Modigliani assumiu totalmente o judaísmo, investindo-se da posição ideológica
de “pária”. Quanto mais percebia que o tema “raça” se tornava importante, mais
focado e simbólico se tornava seu método de trabalho.

Ao invés de ampliar suas manifestações artísticas, restringiu-se cada vez mais
aos retratos, que compõem a vasta maioria de suas obras. A auto-identificação
era extremamente importante para ele, que optara por ser “o outro”, que preferia
não ser entendido a ser percebido como burguês assimilado. Declarava sua identidade
ao cumprimentar estranhos dizendo, “Sou Modigliani, judeu”. Seu marco de diferença
era o judaísmo.

A manifestação da identidade judaica em sua obra é abstrata, filosófica e ocidental,
bem diferente, por exemplo, da maneira como aparece nas obras de Chagall, que
utiliza símbolos e ícones do folclore russo. Apesar de ambos abordarem em suas
obras temas como migração e mudanças, enquanto Chagall sintetiza o modernismo
e o misticismo chassídico, Modigliani retrata a perda, o deslocamento e a falta
de uma referência cultural específica. De certa maneira, Chagall fez parte de
um esforço coletivo para desenvolver um estilo “nacional judaico” nas artes,
baseado principalmente na necessidade de compensação pela desintegração da tradicional
comunidade judaica. Modigliani, pelo contrário, estava determinado a permanecer
independente. Para ele, a expressão artística, cultural e espiritual não podia
ser determinada por nenhum tipo de dogma externo. Emergia do mais íntimo do
ser.

Conheça
as obras do artista

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