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Arte Egípcia: 2. Períodos

by Lucas Gomes


Máscara funerária de Tutankhamon, em ouro maciço.
Museu do Cairo, Egito

Para os antigos egípcios, dar forma à matéria não era um ato de puro deleite,
o que não significava, evidentemente, que eles deixassem de extrair muitas satisfações
estéticas disso. Mas os fundamentos do ato artístico encontravam-se fora das
preocupações estéticas em si mesmas: eles se situavam na esfera das crenças
relativas aos mortos e aos deuses – portanto, no mundo sobrenatural. Desenhar,
esculpir, pintar permitia dar corpo às presenças invisíveis nas quais o espírito
humano acreditava, criar objetos reais para os ritos que lhes concerniam, fabricar
suportes para todos os gestos essenciais que asseguravam a ligação entre os
humanos e o mundo dos deuses. Concebê-los era, portanto, um ato sério e grave,
cuja eficácia, antes de tudo, era o que se buscava.

As obras mais oficiais, os templos com a sua arquitetura, o seu cenário esculpido
e pintado e a sua população de estátuas, constituíam objeto de elaboradas
especulações por parte dos teólogos do templo. O desafio era considerável: tratava-se
de conceber a morada terrestre do divino senhor, de lhe assegurar abrigo e proteção,
de manter a ordem dos deuses aqui em baixo, de alcançar aquele equilíbrio divino
que era garantia de permanência. Tudo isso era atribuição do rei do Egito. Os
que oficiavam o culto e os demais teólogos não eram mais, teoricamente, do que
intendentes do rei, representantes mais ou menos altamente colocados da ação
do soberano. Era ele o chefe da religião bem como da administração. Na verdade,
a direção das questões religiosas era apenas uma das ramificações da administração
geral. Era esse aspecto completamente global da função real que constituía
o fundamento da sociedade egípcia. O soberano que dominava o mundo humano era
também o interlocutor privilegiado – a maior parte do tempo único – dos deuses.
O culto era essencial para o bom andamento do mundo, e um dos atos fundamentais
de culto do qual era investido o rei era a fundação, o embelezamento e a renovação
dos templos – “monumentos” que estabilizavam a norma divina. A isso se acrescentava,
do ponto de vista político, uma função historiográfica: nos templos eram inscritos
os grandes feitos do soberano.

Os cidadãos privados que gozavam de melhor situação social podiam ter também
os seus monumentos comemorativos, como as capelas de suas tumbas, lugares de
encontro com a humanidade viva e receptáculo das oferendas vitais das quais
os mortos necessitavam. As imagens, certamente destinadas a representar um indivíduo
ou uma ação, podiam ser ativas inclusive quando seu beneficiário estivesse vivo.
Foi o caso, por exemplo, das estátuas colocadas nos santuários a partir do Médio
Império que receberam, num tempo situado para além do tempo humano, a prebenda
atribuída pelo divino senhor daquele lugar.

O aspecto mágico das representações era maior; o mesmo ritual de “animação”
era executado sobre as estátuas e sobre as múmias. Considerava-se que ele era
capaz de “abrir a boca e os olhos”, a fim de fazê-los viver. Algumas estátuas
foram muradas para sempre nas capelas das tumbas, alguns relevos foram selados
no interior das paredes; portanto, a recriação era a função primeira, e não
a visão pelos vivos. Um grande número de estelas aos mortos, no entanto, continham
um “apelo aos vivos”. Tratava-se de uma prece na qual o defunto representado
na estela se dirigia aos passantes presentes e àqueles que viriam no futuro
para lhes suplicar que recitassem uma oração a seu favor, a qual faria surgir
magicamente o alimento, bem como pronunciar o nome do defunto a fim de fazê-lo
reviver. A arte não apenas completava a realidade, ela era igualmente um meio
de fazê-la perdurar e de comunicar uma mensagem ao presente e para as gerações
que viriam, como aconteceu com nossos monumentos aos mortos.

Embora inextricavelmente ligada à religião, a arte egípcia não se baseava
num único dogma escrito num livro sagrado fundamental. Diferente da arte cristã,
que se refere em permanência aos textos da Bíblia, a arte egípcia gozava de
uma certa autonomia artística; a expressão formal era um modo de expressão do
divino que bastava a si mesmo. Nos templos, a função substitutiva da figuração
parecia primar sobre todas as demais preocupações, fossem elas comemorativas
ou pedagógicas. Os deuses eram representados a partir de códigos, onde a parte
do antropomorfismo era importante, mas pouco nos seus atos, salvo nas relações
com o soberano. Por exemplo, seria inútil buscar entre os milhares de representações
de Osíris e de Ísis, um quadro do drama desse casal divino, do mesmo modo que
não havia versão escrita desse mito tão fundamental para as crenças escatológicas
desse povo.

Se a arte egípcia parecia mais autônoma que a arte cristã no que concerne
o verbo, é verdade que ela era quase sempre completada com o acréscimo de inscrições,
às vezes longas, cobrindo boa parte da superfície da obra, participando da sua
decoração e, ao mesmo tempo, reforçando e completando o seu sentido. Como nós,
os egípcios não eram avaros em matéria de escrituras executadas sobre suas produções
artísticas! Pelo fato de que sua escritura era composta de pequenas representações
– mesmo se elas devessem ser lidas de modo fonético como a maior parte de nossas
letras -, em geral não era fácil para o não-iniciado distinguir nelas cenas
propriamente ditas. Isso acontecia sobretudo pelo fato de que, com muita frequência,
um certo horror ao vazio levava os artistas a preencher a composição em todos
os lados. O lugar da escritura deveria, portanto ser bem distinto daquele da
representação, mesmo que elas fossem empregadas lado a lado na decoração e de
modo análogo no plano funcional. A escritura, do mesmo modo que a arte, era
detentora de um poder mágico de substituto da realidade.

PERÍODO PRÉ-DINÁSTICO

Os primeiros povoadores pré-históricos assentaram-se sobre as terras ou planaltos
formados pelos sedimentos que o rio Nilo havia depositado em seu curso. Os objetos
e ferramentas deixados pelos primeiros habitantes do Egito mostram sua paulatina
transformação de uma sociedade de caçadores-catadores seminômades em agricultores
sedentários. O período pré-dinástico abrange de 4000 a.C. a 3100 a.C., aproximadamente.


Pirâmides de Gizé

Antigo Império

Durante as primeiras dinastias, construíram-se importantes complexos funerários
para os faraós em Abidos e Sakkara. Os hieróglifos (escrita figurativa), forma
de escrever a língua egípcia, encontravam-se então em seu primeiro nível de
evolução e já mostravam seu caráter de algo vivo, como o resto da decoração.

Na III dinastia, a capital mudou-se para Mênfis e os faraós iniciaram a construção
de pirâmides, que substituíram as mastabas como tumbas reais. O arquiteto, cientista
e pensador Imhotep construiu para o faraó Zoser (c. 2737-2717 a.C.) uma pirâmide
em degraus de pedra e um grupo de templos, altares e dependências afins. Deste
período é o famoso conjunto monumental de Gizé, onde se encontram as pirâmides
de Quéops, Quéfren e Miquerinos.

A escultura caracterizava-se pelo estilo hierático, a rigidez, as formas cúbicas
e a frontalidade. Primeiro, talhava-se um bloco de pedra de forma retangular;
depois, desenhava-se na frente e nas laterais da pedra a figura ou objeto a
ser representado. Destaca-se, dessa época, a estátua rígida do faraó Quéfren
(c. 2530 a.C.).

A escultura em relevo servia a dois propósitos fundamentais: glorificar o faraó
(feita nos muros dos templos) e preparar o espírito em seu caminho até a eternidade
(feita nas tumbas).

Na cerâmica, as peças ricamente decoradas do período pré-dinástico foram substituídas
por belas peças não decoradas, de superfície polida e com uma grande variedade
de formas e modelos, destinadas a servir de objetos de uso cotidiano. Já as
jóias eram feitas em ouro e pedras semipreciosas, incorporando formas e desenhos,
de animais e de vegetais.

Ao finalizar a VI dinastia, o poder central do Egito havia diminuído e os governantes
locais decidiram fazer as tumbas em suas próprias províncias, em lugar de serem
enterrados perto das necrópoles dos faraós a quem serviam. Desta dinastia data
a estátua em metal mais antiga que se conhece no Egito: uma imagem em cobre
(c. 2300 a.C.) de Pepi I (c. 2395-2360 a.C.).

Médio Império


Decoração da tumba de Beni Hassan

Mentuhotep II, faraó da XI dinastia, foi o primeiro faraó do novo Egito unificado
do Médio Império (2134-1784 a.C.). Criou um novo estilo ou uma nova tipologia
de monumento funerário, provavelmente inspirado nos conjuntos funerários do
Antigo Império. Na margem oeste do Tebas, até o outro lado do Nilo, no lugar
denominado de Deir el Bahari, construiu-se um templo no vale ligado por um longo
caminho real a outro templo que se encontrava instalado na encosta da montanha.
Formado por uma mastaba coroada por uma pirâmide e rodeado de pórticos em dois
níveis, os muros foram decorados com relevos do faraó em companhia dos deuses.

A escultura do Médio Império se caracterizava pela tendência ao realismo. Destacam-se
os retratos de faraós como Amenemés III e Sesóstris III.

O costume entre os nobres de serem enterrados em tumbas construídas em seus
próprios centros de influência, em vez de na capital, manteve-se vigente. Ainda
que muitas delas estivessem decoradas com relevos, como as tumbas de Asuán,
no sul, outras, como as de Beni Hassan e El Bersha, no Médio Egito, foram decoradas
exclusivamente com pinturas. A pintura também decorava os sarcófagos retangulares
de madeira, típicos deste período. Os desenhos eram muito lineares e mostravam
grande minúcia nos detalhes.

No Médio Império, também foram produzidos magníficos trabalhos de arte decorativa,
particularmente jóias feitas em metais preciosos com incrustação de pedras coloridas.
Neste período aparece a técnica do granulado e o barro vidrado alcançou grande
importância para a elaboração de amuletos e pequenas figuras.

Novo Império


T emplo da rainha Hatshepsut

O Novo Império (1570-1070 a.C.) começou com a XVIII dinastia e foi uma época
de grande poder, riqueza e influência. Quase todos os faraós deste período preocuparam-se
em ampliar o conjunto de templos de Karnak, centro de culto a Amon, que se converteu,
assim, num dos mais impressionantes complexos religiosos da história. Próximo
a este conjunto, destaca-se também o templo de Luxor.

Do Novo Império, também se destaca o insólito templo da rainha Hatshepsut, em
Deir el Bahari, levantado pelo arquiteto Senemut (morto no ano de 1428 a.C.)
e situado diante dos alcantilados do rio Nilo, junto ao templo de Mentuhotep
II.

Durante a XIX Dinastia, na época de Ramsés II, um dos mais importantes faraós
do Novo Império, foram construídos os gigantescos templos de Abu Simbel, na
Núbia, ao sul do Egito.

A escultura, naquele momento, alcançou uma nova dimensão e surgiu um estilo
cortesão, no qual se combinavam perfeitamente a elegância e a cuidadosa atenção
aos detalhes mais delicados. Tal estilo alcançaria a maturidade nos tempos de
Amenófis III.

A arte na época de Akhenaton refletia a revolução religiosa promovida pelo faraó,
que adorava Aton, deus solar, e projetou uma linha artística orientada nesta
nova direção, eliminando a imobilidade tradicional da arte egípcia. Deste período,
destaca-se o busto da rainha Nefertiti (c. 1365 a.C.).

A pintura predominou então na decoração das tumbas privadas. A necrópole de
Tebas é uma rica fonte de informação sobre a lenta evolução da tradição artística,
assim como de excelentes ilustrações da vida naquela época.

Durante o Novo Império, a arte decorativa, a pintura e a escultura alcançaram
as mais elevadas etapas de perfeição e beleza. Os objetos de uso cotidiano,
utilizados pela corte real e a nobreza, foram maravilhosamente desenhados e
elaborados com grande destreza técnica. Não há melhor exemplo para ilustrar
esta afirmação do que o enxoval funerário da tumba (descoberta em 1922) de Tutankhamen.

Época tardia


Templo em Madinat Habu

Em Madinat Habu, perto de Tebas, na margem ocidental do Nilo, Ramsés III,
o último da poderosa saga de faraós da XX dinastia, levantou um enorme templo
funerário (1198-1167 a.C.), cujos restos são os mais conservados na atualidade.

O rei assírio Assurbanipal conquistou o Egito, convertendo-o em província assíria
até que Psamético I (664-610 a.C.) libertou o país da dominação e criou uma
nova dinastia, a XXVI, denominada saíta. Desse período, destacam-se os trabalhos
de escultura em bronze, de grande suavidade e brandura na modelagem, com tendência
a formas torneadas. Os egípcios tiveram então contato com os gregos, alguns
dos quais haviam servido em seu exército como mercenários, e também com os judeus,
através de uma colônia que estes tinham no sul, perto de Asuán.

A conquista do país por Alexandre Magno, em 332 a.C., e pelos romanos, no ano
30 a.C., introduziu o Egito na esfera do mundo clássico, embora persistissem
suas antigas tradições artísticas. Alexandre (fundador da cidade de Alexandria,
que se converteu num importante foco da cultura helenística) e seus sucessores
aparecem representados em relevo nos muros dos templos como se fossem autênticos
faraós — e num claro estilo egípcio, e não clássico. Os templos construídos
durante o período ptolomaico (helênico) repetem os modelos arquitetônicos tradicionais
do Egito.

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