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As farpas, de Eça de Queirós e Ramalho Ortigão

by Lucas Gomes

As Farpas

foram crônicas publicadas em fascículos
mensais iniciada em Maio de 1871, no mesmo ano da realização das Conferências do
Casino, por Eça de Queirós e Ramalho Ortigão. Em Novembro de 1872, Eça abandona
a publicação para seguir a sua carreira diplomática em Havana, deixando-a
entregue ao seu companheiro e amigo, que prossegue com ela até 1882.  Os
textos escritos por Eça para As Farpas foram reunidos em dois volumes com
o título Uma Campanha Alegre (1890). Divergindo bastante do estilo
posteriormente adotado por Ramalho, estas Farpas primam pelo humor e
ironia sarcástica.

De 1887 a 1890 voltaram a imprimir-se As Farpas desta
vez em onze volumes, e com os artigos repartidos pelos seguintes assuntos: a
vida provincial, as epístolas, os indivíduos, o parlamentarismo, a religião e a
arte, a sociedade, a capital, os nossos filhos, o movimento literário e
artístico, aspectos vários da sociedade, da política e da administração, o que
mostra a grande diversidade de temas e assuntos que os autores abordaram.

As críticas dirigiam-se sobretudo à literatura romântica.
Contudo, a opinião de Eça acerca deste seu trabalho não era muito positiva:
São uma coleção de pilhérias envelhecidas que não valem o papel em que estão
impressas
e descreveu-as como unicamente um riso imenso, trotando, como
as tubas de Josué, em torno a cidadelas que decerto não perderam uma só pedra,
por que as vejo ainda, direitas, mais altas, da dor torpedo lodo, estirando por
cima de nós a sua sombra mimosa
. E escreveria ainda todo este livro é um
riso que peleja
.

As Farpas foram, assim, uma admirável caricatura da
sociedade da época. Altamente críticos e irônicos, estes artigos satirizavam,
com muito humor à mistura, a imprensa e o jornalismo partidário ou banal; a
Regeneração, e todas as suas repercussões, não só a nível político mas também
econômico, cultural, social e até moral; a religião e a fé católica; a
mentalidade vigente, com a segregação do papel social da mulher; a literatura
romântica, falsa e hipócrita. As Farpas eram um novo e inovador conceito
de jornalismo – o jornalismo de idéias, de crítica social e cultural.

Eça não se limita, todavia, a galhofar. As suas Farpas
constituíram um sistemático e quase que completo curso de sociologia do Portugal
da Regeneração, observado de alto a baixo, nas câmaras e nas ruas, nos mercados
e nas prisões, nos gabinetes da administração e nas praias onde labutavam e
naufragavam pescadores, nas salas domésticas onde se entendiam pescadores e
tomavam chá com torradas as famílias, nas igrejas onde rezavam beatas ou se
realizavam eleições, nos teatros onde se representavam peças pífias e mal
traduzidas, nas redações onde se panteiava em péssimo jornalismo, o que sucedeu
tanto em matéria de política como em casos mais triviais do dia a dia de
Portugal.

Com As Farpas, Eça e Ramalho pretendiam fazer crítica
de costumes e analisar a sociedade portuguesa da época, interessados não no riso
fácil e inconseqüente, mas mais na reforma de instituições em crise. Nenhum tema
escapou à sua análise corrosiva: o adultério, a vida clerical, a decadência
econômica, a degradação política e cultural — temas que serão posteriormente
desenvolvidos na obra romanesca de Eça de Queirós e que começaram a germinar na
obra. Ramalho Ortigão, ao assumir sozinho a edição da revista, imprimiu-lhe um
tom mais pedagógico e moralizante que não estava presente no tempo de Eça,
quando imperava a caricatura mordaz, a ironia e um humor corrosivo.

Pela sua caricatura da sociedade da época — que em muitos
aspectos se mantém ainda hoje atual — e pelo seu humor, As Farpas são
páginas importantes da literatura portuguesa.

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