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Brasil – Balaiada (1) – Causas e antecedentes

by Lucas Gomes

Economia, Política e Poder

O comércio permanecia controlado por portugueses, enquanto seus novos
rivais, os ingleses, detinham os negócios de exportação e
importação agrilhoando a economia nacional. A expansão do
capitalismo no Brasil ia afastando os portugueses das sólidas posições
que haviam ocupado desde então. Reinava o descontentamento tanto entre
os lusitanos, que passavam a segundo plano no mundo dos negócios, como
entre os agricultores brasileiros, esmagados pelos juros impostos por seus novos
credores, pela desvalorização dos produtos tradicionais no mercado
internacional e pelo encarecimento do escravo impulsionado pela determinação
inglesa de extinguir o tráfico negreiro.


Armazém de carne-seca, escravos na roça no século XIX,
negros de ganho no Maranhão

Com o avanço do capitalismo, a formação do mercado de trabalho
deveria impor a alienação dos poucos direitos que o sertanejo considerava
assegurados. Nesse contexto, muitas famílias obrigadas a abandonar fazendas
onde eram “moradoras”, iam para as caatingas ou se dirigiam aos centros urbanos,
iniciando, desse modo, um processo migratório em busca da sobrevivência.
Não obstante, agravaram-se também as condições de
vida do trabalhador escravo.

Devido às
pressões econômicas da Inglaterra com relação a extinção
do tráfico negreiro, sobrecarregava-se mais ainda o trabalhador de encargos
para recuperar rapidamente o capital nele investido. Os antigos costumes dos
engenhos que permitiam aos africanos reunirem-se para cultivar seus deuses,
realizarem suas danças rituais e cultivarem pequenas roças foram
desaparecendo. As fugas multiplicavam-se e os quilombos cresciam ameaçadoramente.
Além dos desocupados e de negros aquilombados, o sertão ainda
abrigava outros marginalizados: índios, fugitivos da justiça e
vencidos de lutas políticas, bem como os bandos armados, formados por
homens que haviam participado de disputas políticas que se travaram entre
membros das juntas governativas, no período anterior à Independência
e que se prolongaram pelo Primeiro Reinado.

O Primeiro Reinado transcorreu
sob forte tensão política entre D. Pedro I e a maioria da Câmara
de Deputados. Não podiam ser facilmente esquecidas a dissolução
da Assembléia Constituinte e a outorga da Carta de 1824. Além disso,
reprimida com violência a Confederação do Equador, desvaneceram-se
as ilusões que os novos políticos brasileiros, ligados aos proprietários
de terras e escravos, nutriam de compartilhar o poder com o trono. Foi justamente
por ocasião da Confederação do Equador que se organizou concretamente
uma oposição ao governo de D. Pedro I, bem como manifestou-se com
vigor as tendências republicanas e federativas. Apesar de derrotado, tal
movimento deixou profundas marcas nos círculos políticos de âmbito
nacional.

A Câmara dos Deputados,
eleita em 1824 e só convocada em 1826, comportava dois grupos de parlamentares:
os exaltados e os moderados. Todavia, essas denominações ainda não
eram expressadas por acordos firmados ou plataformas rígidas. Baseavam-se
mais na veemência dos debates que exigiam modificações na
distribuição do poder. Liberais todos se intitulavam, desde republicanos
a tradicionais monarquistas. Os exaltados diziam-se dispostos a revolucionar o
país, enquanto os moderados presumiam poder criar brechas no sistema de
poder, para transformá-lo a partir do seu interior. De toda forma, em abril
de 1831, estavam juntos moderados e exaltados – eleitos na Assembléia Legislativa
de 1830 – pressionando o governo para que o ministério, deposto no dia
5, fosse reempossado.

Pressionado pelos grupos
políticos e por forças militares heterogêneas (constituídas
por mercenários estrangeiros e nacionais; cidadãos e escravos)
ambos de caráter anti-lusitano, o imperador abdicou no dia 7 de Abril
sob “a presença ameaçadora de batalhões e do povo”. Foi
justamente aí que surgiram novos componentes, atuando como instrumento
de pressão junto à classe dominante: o povo e as tropas.

Chegara, finalmente, o momento dos grupos dominantes brasileiros gerirem o Estado.
No entanto, não seria fácil harmonizar a disparidade ideológica
das tendências vencedoras. O maior perigo nesse momento vinha das fileiras
militares onde pairava a insubordinação, ou seja, conter o exército
era imperativo para o estabelecimento da ordem civil. Compartilhando do mesmo
temor, moderados e lideranças do grupo exaltado uniram-se no comando
do processo político. Em julho de 1831 era promulgada a lei que limitava
as atribuições nas Regências, privando-as de vários
dispositivos legais próprios do poder Moderador. Dessa forma, o enfraquecimento
do Poder Executivo era exigência natural de um movimento que nascera na
Câmara, em oposição ao autoritarismo real. Eleita a Regência
Trina Permanente, os moderados eram a maioria deliberante do país. Longe
da paz almejada, agora “desenvolver-se-iam com vigor os embates da história
da formação das classes dominantes no Brasil”. Em outras palavras,
os primórdios do processo que permitiu a definição social
e política dos vários segmentos que iriam compor a burguesia nacional.

A luta política que se travou no Rio de Janeiro pela direção
do governo Central foi intensa por todo o período regencial. Não
chegou a haver conflito armado, expressando-se, contudo, a disposição
belicosa em golpes e contragolpes políticos. Não havia ainda clareza
quanto à ideologia dos grupos políticos que se abriram sob a denominação
de moderados ou liberais. Pareciam apenas excluídos do “congraçamento
liberal” aqueles que esposavam o republicanismo. Contra o governo da Regência,
articulava-se uma frente oposicionista insólita, integrada por restauradores
(caramurus), exaltados (republicanos federalistas) e oficiais portugueses do
Exército. Sucediam-se manifestações de rua favoráveis
à volta de D. Pedro I, com a participação de militares
ao lado de populares.

Para enfrentar o perigo, a cúpula dos moderados incompatibilizada com
o Senado pelo bloqueio que fazia à aprovação dos projetos
enviados pela Câmara, da qual fazia parte o ministro da Justiça,
Feijó tentou em 1832 um golpe de Estado no interior do próprio
governo. Pretendiam os golpistas uma nova Constituição que abolisse
o Senado, o Conselho de Estado e o poder Moderador, bem como concedesse maiores
poderes às províncias. Contudo, o golpe falhou. A partir do golpe
frustrado, tornou-se mais complexo ainda o quadro político. Com o intuito
de solucionar ou amenizar os problemas de cunho político, cuja maior
expressão era personificada pelas rebeliões ou movimentos provinciais,
em 12 de Agosto de 1834 é aprovado pela Câmara o Ato Adicional
(medida descentralizadora do poder). Entre suas principais disposições
estavam: transformação da Regência Trina em Una; transformação
das Assembléias Provinciais em Assembléias Legislativas; concentração
administrativa na dependência das Assembléias Legislativas Provinciais
(esvaziamento do poder municipal). Essa última disposição
traria vários elementos complicadores para a política local, pois
o poder se concentraria em mãos dos mandões locais, provocando,
dessa forma, indefinições e rivalidades na esfera do poder tanto
no âmbito local quanto no âmbito nacional. A reforma da Constituição
de 1824 suscitou controvérsias, em virtude de ser considerada excessivamente
liberal. Assim foi que, em 1835, os moderados, tomando como referencial o Ato
Adicional, dividiram-se em duas correntes: Progressistas e Regressistas. Os
primeiros eram favoráveis à reforma, enquanto que os Regressistas
eram contrários às mesmas. Do rompimento definitivo dos liberais
moderados, surgirão, a partir das duas tendências, o partido Liberal
e Conservador.

O Ato Adicional não abrandou o instinto de revolução mas,
pelo contrário, acirrou as divergências entre o Poder Central e
as Províncias. Ironicamente, foi após a sua promulgação
que eclodiu a quadra tradicional dos principais movimentos armados da época:
Cabanagem, Farroupilha, Sabinada e Balaiada.

De outubro de 1835 a setembro
de 1837, o Padre Diogo Antônio Feijó encabeçou a Regência
Una, enfrentando ferrenha oposição da maioria parlamentar. Uma
das figuras mais representativas da oposição a Feijó foi
Bernardo Pereira de Vasconcelos, líder dissidente do partido moderador,
defensor da estabilidade política buscada pelo fortalecimento da autoridade
do Estado Monárquico e da repressão aos movimentos revolucionários.

A oposição parlamentar baseava-se em 3 questões para enfraquecer
a autoridade de Feijó: a polêmica com a Santa Fé (contra
o celibato clerical); a inexpressividade e instabilidade de seus ministérios
e a disposição de aceitar a secessão das províncias
do Norte (oposição dos grandes proprietários do Norte).
A pressão parlamentar e a questão Farrapa foram responsáveis
pela renúncia do regente. Esses acontecimentos foram indicativos do declínio
liberal e do conseqüente fortalecimento regressista.

O regressismo, dentro do
período Regencial, significou a pressão da classe dominante unida,
visando a sua consolidação no poder, impedindo as rebeliões,
na busca da ordem e no exercício tranqüilo do mando político.
Vitoriosos, os conservadores assumiam o poder no governo do substituto legal,
o Ministro do Império Araújo Lima, que escolheria dentre eles
quase todos os ministros. O novo regente, representante da aristocracia rural
do Nordeste, escolheu como ministro da Justiça, Pereira de Vasconcelos.
Este, na liderança do ministério, tomou medidas centralizadoras
e anticonstitucionais como a Lei de Interpretação do Ato Adicional
de 12 de Maio de 1840. Inegavelmente, a Lei de Interpretação mutilava
o Ato Adicional, ao atingir um dos seus principais pontos – restringia a autonomia
provincial. Segundo afirmou Tavares Bastos, um político do séc.
XIX, “(…) A lei chamada de interpretação, o ato mais enérgico
da reação conservadora, limitou a autoridade das Assembléias
Provinciais, permitindo a criação da Política uniforme
em todo o Império e a militarização da Guarda Nacional
”
(JANOTTI, 1987, 34). Fazendo uso de tal lei, os conservadores reprimiram violentamente
os exaltados, mergulhando diversas regiões do país em um mar de
perseguições arbitrárias.

A eclosão de um discurso de forte conteúdo social nas camadas
sociais marginalizadas evidenciou as conseqüências do longo período
em que “os dominadores vinham armando os dominados, para empregá-los
como instrumento de suas aspirações, esquecendo-se contudo, de
que homens não são instrumentos passivos”. Nesse clima de manobras
do poder surgiu a Balaiada, em 1838.

Veja também: Causas e antecedentes | As
balaiadas
| Levante
e repressão
| Conclusão:
As rebeliões regenciais

Fontes:
CARVALHO, Carlota – O Sertão – subsídios para a história
e geografia do Brasil. 1.ª ed. Rio de Janeiro: Emp. Ed. Obras Scient Literarias,
1924.
Enciclopédia dos Municípios Brasileiros. 1.ª ed. 3.º
vol. Rio de Janeiro: IBGE, 1959.
Enciclopédia dos Municípios Brasileiros. 1.ª
ed. 15.º vol. Rio de Janeiro: IBGE, 1959.
HOLANDA, Sérgio Buarque de (org.) – História Geral da Civilização
Brasileira
. 2.ª ed. Tomo II, 2.º vol. São Paulo: DIFEL,
1969.
JANOTTI, Maria de Lourdes Mônaco – A Balaiada. 2.ª ed. São
Paulo: Brasiliense, 1987.
PRADO JR, Caio. Evolução Política do Brasil: colônia
e império
. 21.ª ed. São Paulo: Brasiliense, 1999.
SERRA, Astolfo – A Balaiada. 1ª ed. Rio de Janeiro. Biblioteca Militar,
1946.

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