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Bangüê, de José Lins do Rego

by Lucas Gomes

A obra Bangüê, de José Lins do Rego, apresenta um predomínio do
memorialismo sobre a pura ficção. Isso ocorre pela presença do personagem autobiográfico
Carlos de Melo, que é o narrador desse relato.

Bangüê
é um romance de transição, no sentido em que o romancista julga libertar-se da
predominância da memória, para continuar a realizar uma obra sobre sua paisagem
de origem, agora propriamente de fora para dentro. Daí a razão daquele tom
autobiográfico, rememorativo da evocação nos dois primeiros romances, repletos
da nostalgia da paisagem da infância, ceder lugar à ação presente em Bangüê,
enquanto o romancista cria muito mais do que exprime uma vivência evocadora.

Desde as primeiras páginas de Bangüê,
logo verificamos que a infância não vigia mais a exigência interior da fixação
da paisagem física e humana, entrevista pelo memorialista. Resta-lhe a atitude
de repassar, reconsiderar e até mesmo glosar uma experiência em que o papel da
imaginação criadora e da atitude crítica consiste na tentativa de disciplinar a
memória, enquanto passam a ser favorecidos o caráter literário da obra e maior
amplitude de seu interesse social. Assim, por exemplo, parece que já no primeiro
capítulo de Bangüê se propõe um problema de grande importância em nossa
formação, em particular de nossa tradição rural, neste caso confinado na
paisagem açucareira do nordeste. Trata-se das relações de bacharel com a terra
da qual se sente ele divorciado, ao mesmo tempo que tenta uma reconciliação. Na
verdade o que faz é passar de um jogo angustioso de decisões e indecisões para a
fuga nostálgica e a derivação literária.

A obra mostra a decadência do patriarcado
rural, ao mesmo tempo que aponta as transformações da base econômica dessa
sociedade como uma crise que escapa à responsabilidade individual. Carlos de
Melo é o símbolo do bacharel, como José Paulino é o da tradição rural – duas
criações igualmente de grande conteúdo humano. Se se carrega o drama pessoal,
este, contudo, representa uma situação geral, integrado no drama de toda
comunidade, ascensão de valores novos, existência de homens que decaem,
economicamente, apoiados apenas pelo orgulho patriarcal, pela tradição de
senhores de engenho. Todo esse mundo sofre um abalo enorme, tende a desaparecer
sob a imposição de uma nova ordem econômica que não reconhece a autenticidade de
seus valores. É a usina que surge, afetando desde a vida do homem do eito, do
trabalhador alugado, até a pseudo-aristocracia e a tradição insustentável do
senhor de engenho. Do ponto de vista econômico e social, é o fim desse ciclo da
tradição rural nordestina.

Enredo

Carlos de Melo volta para o Santa Rosa, dez anos depois. Formara-se
em Direito, mas é completamente incapaz para a vida prática.

Deitado em uma rede,
gasta os seus dias a ler e a devanear. Acaba tendo um caso com Maria Alice,
esposa de um parente e que passava uma temporada no engenho. Apesar de amá-la,
Carlos mostra-se impotente para lutar por ela e Maria Alice termina voltando aos
braços do marido.

Após a morte do
coronel Zé Paulino, o narrador-protagonista recebe de herança o Santa Rosa.
Contudo, sua falta de firmeza para enfrentar tanto o negro Zé Marreira – antigo
morador do engenho e hoje proprietário vizinho – quanto os usineiros, que querem
lhe arrancar as terras férteis do Santa Rosa, levam Carlos de Melo a vender a
propriedade herdada ao tio Juca de Melo por uma ninharia e dirigir-se para a
cidade.

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