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Baú de espantos, de Mário Quintana

by Lucas Gomes

Com Baú de espantos, Mario Quintana revisita sua infância e a própria poesia, buscando a
valorização da experiência do cotidiano. A obra foi publicada em 1986, quando o poeta completou 80
anos.

Não foi sem razão que o p´roprio Mário Quintana denominasse este livros como Baú de Espantos,
pois confessou também se espantar com o que havia dentro dele. Como escreveu Affonso Romano, ele vai
dizendo coisas líricas e terríveis como essa.

Os poemas contidos no livro são o resultado de uma criteriosa seleção, procurando abranger todas as
fases da produção do poeta e fornecer uma visão abrangente de sua obra. Entre eles estão alguns de seus
versos mais conhecidos, aqueles que caíram no gosto dos leitores e se difundiram de boca em boca.
Poemas como “As mãos de meu pai”, “Bucólica”, “Dorme ruazinha”, “Surpresas” e “Vidas” estão entre eles e
me parecem alguns dos altos momentos do poeta. Os poemas foram colhidos em diversos livros do autor.

A obra tem 99 poemas até aquela data inéditos, havendo inclusive escritos
de sua juventude, como o poema “Maria”, de 1923, quando ele tinha 27 anos, o que
confere ao livro uma estrutura de rigorosa montagem e um caráter especial.

Pertencente à segunda geração do Modernismo, Mário Quintana incorporou em sua poesia o bom-humor, o
coloquialismo e a brevidade característicos das vanguardas modernas.

Quase todos os poemas desta coletânia são breves e em versos livres, mas
há sonetos (alguns com métrica e rima) e mesmo poemas em quadras com versos heptassílabos
e rimados.

Poemas escolhidos

1. OS DEGRAUS

Não desças os degraus do sonho
Para não despertar os monstros.
Não subas aos sótãos – onde
Os deuses, por trás das suas máscaras,
Ocultam o próprio enigma.
Não desças, não subas, fica.
O mistério está é na tua vida!
E é um sonho louco este nosso mundo…

2. OS ARROIOS

Os arroios são rios guris…
Vão pulando e cantando dentre as pedras.
Fazem borbulhas d’água no caminho: bonito!
Dão vau aos burricos,
às belas morenas,
curiosos das pernas das belas morenas.
E às vezes vão tão devagar
que conhecem o cheiro e a cor das flores
que se debruçam sobre eles nos matos que atravessam
e onde parece quererem sestear.
Às vezes uma asa branca roça-os, súbita emoção
como a nossa se recebêssemos o miraculoso encontrão
de um Anjo…
Mas nem nós nem os rios sabemos nada disso.
Os rios tresandam óleo e alcatrão
e refletem, em vez de estrelas,
os letreiros das firmas que transportam utilidades.
Que pena me dão os arroios,
os inocentes arroios…

3. VIVER

Quem nunca quis morrer
Não sabe o que é viver
Não sabe que viver é abrir uma janelas
E pássaros pássaros sairão por ela
E hipocampos fosforescentes
Medusas translúcidas
Radiadas
Estrelas-do-mar… Ah,
Viver é sair de repente
Do fundo do mar
E voar…
      e voar…
          cada vez para mais alto
Como depois de se morrer!

4. O VELHO POETA

Um dia o meu cavalo voltará sozinho
E assumindo
Sem saber
A minha própria imagem e semelhança
Ele virá ler
Como sempre
Neste mesmo café
O nosso jornal de cada dia
– inteiramente alheio ao murmurar das gentes…

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