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Bertold Brecht

by Lucas Gomes

Brecht nasceu antes da
virada do século, no dia 10 de fevereiro de 1898. Como ele mesmo disse viveu
em tempos negros: viu a 1ª Grande Guerra, viu a Revolução ser massacrada na
Alemanha e seus líderes serem barbaramente assassinados, assim como milhares
de operários e também as lideranças sindicais.

Viu a fome nos anos 20, viu a ascensão de Hitler, viu a perseguição de perto.
Em 1933 viu o incêndio do Parlamento Alemão – o Reichstag – e compreende que
tinha chegado uma nova era. Sabia que os próprios nazistas tinham colocado fogo
no parlamento e colocado a culpa nos comunistas. As perseguições iam aumentar.
Era hora de fugir.

A partir daí fugiu de país em país, sempre com a mala em cima do armário, sabendo
sempre que não era bem vindo. Finalmente nos Estados Unidos sentiu na carne
o que era a Caça às Bruxas. O anti-comunismo estava mais forte do que nunca
no país que se dizia a terra da liberdade.

A pesar de todas as perseguições – ou talvez justamente por elas – Brecht nunca
parou de escrever. Escreveu de tudo: poesia, teatro, ensaios, roteiros de cinema.
Mas apesar da sua produção ser enorme tinha grandes dificuldades para sobreviver:
dinheiro curto, dificuldades com a língua (por causa das sucessivas mudanças
de país), e, sobretudo o constante rótulo – comunista.

Brecht é uma época. Uma época tumultuosa de rebeldia e de protesto. Refletem-se,
em suas obras, os problemas fundamentais do mundo atual: a luta pela emancipação
social da humanidade. Brecht tem plena consciência do que pretende fazer. Usa
o materialismo dialético da maneira mais sábia para a revolução estética que
se dispôs a promover na poesia e no teatro.

O teatro épico e didático caracteriza-se, em Brecht, pelo cunho narrativo e
descritivo cujo tema é apresentar os acontecimentos sociais em seu processo
dialético: Diverte e faz pensar. Não se limita a explicar o mundo, pois se dispõe
a modificá-lo. É um teatro que atua, ao mesmo tempo, como ciência e como arte.

A alienação do homem, para Brecht, não se manifesta como produto da intuição
artística. Brecht ocupa-se dela de maneira consciente e proposital. Mas não
basta compreendê-la e focalizá-la. O essencial não é a alienação em si, mas
o esforço histórico para a desalienação do homem.

O papel do autor dramático não se reduz a reproduzir, em sua obra, a sociedade
de seu tempo. O principal objetivo, quer pelo conteúdo, quer pela forma, e exercer
uma função transformadora, que atue revolucionariamente sobre o ‘ambiente social.

Brecht, que passou pelo expressionismo, não ancorou o seu barco em nenhum dos
portos das escolas literárias. Apesar de ligado ao Partido Comunista, não se
subordinou ao realismo socialista. Ao contrário, opôs-se a ele com ardente tenacidade.
Daí a repulsa das autoridades soviéticas pelas suas peças teatrais que foram
proibidas de serem representadas na Rússia de Stalin.

Muito embora Brecht não se tivesse pronunciado abertamente contra os processos
de Moscou, em virtude da pressão que sofreu, no ocidente, sob o pretexto de
que o combate a Stalin significava o fortalecimento de Hitler e do nazismo,
foi com profundo horror que ele acompanhou os trágicos acontecimentos que levaram
os principais dirigentes da revolução russa, companheiros de Lênin, a confessar,
antes serem fuzilados, uma série de crimes hediondos que jamais cometeram.

Foram estas falsas confissões, segundo Isaac Deutscher, que levaram Brecht a
escrever Galileu Galilei, talvez a mais importante de suas obras dramáticas.
Há muito de Kamenev, de Zinoviev e de Bukharin no genial astrônomo que, vítima
da Inquisição, atirado no cárcere, diante dos instrumentos de tortura, se viu
na contingência de renegar as próprias idéias.

A incompatibilidade de Brecht com o regime stalinista era tão aguda que, ao
exilar-se da Alemanha de Hitler, preferiu asilar-se nos Estados Unidos, onde
se sentiu mais seguro.

Brecht e Shakespeare

É muito comum comparar-se Brecht a Shakespeare. O motivo da associação entre
um e outro é o paralelismo histórico dos períodos em que eles viveram. Shakespeare
surgiu no Renascimento, na decadência do regime feudal, e alvorecer da burguesia,
Brecht apareceu na fase crepuscular da burguesia, em plena ascensão do movimento
operário. Ambos viveram em períodos congêneres de transição social.

Em certos aspectos, Brecht é uma chave para Shakespeare. Shakespeare, em quase
todas as suas obras, passava da poesia para a prosa e da prosa para a poesia.
Acreditavam os estudiosos de sua obra que a razão desta simultaneidade estava
na premência do tempo. Shakespeare não chegava a pôr em versos, do começo ao
fim, a peça que escrevia porque tinha de aprontá-la o mais rápido possível,
dentro de prazos marcados, para levá-la ao palco. A pressa o impedia de dar
o arremate final. Deixava sempre para completá-la mais tarde, quando dispusesse
de tempo. A forma definitiva ficava adiada para um futuro incerto. Nunca, porém,
chegou a hora de executar o que pretendera.

Este modo de ver exige uma revisão. Brecht empregava também, simultaneamente,
em suas peças teatrais, a prosa e a poesia sem que estivesse disposto a dar-lhes,
no futuro, uma forma diferente, pondo-as todas em versos.

O erro de julgamento quanto ao uso do verso e da prosa por Shakespeare, em sua
obra dramática, está na velha tendência de compará-lo a Corneille, Racine e
Molière, que não misturavam a prosa com a poesia. Shakespeare, mais espontâneo
do que os clássicos franceses, mais plástico, mais livre, não se apagava, como
aqueles, à pureza da forma. Passava do verso para a prosa quando julgava que
certas idéias ficariam melhor expressas em prosa do que em versos. De grande
importância, para ele, era o efeito no palco, o lado puramente teatral que deveriam
estar acima da métrica e da estilística. Não havia necessidade de manter-se
só a prosa ou só a poesia. Preferia jogar com uma e com outra como julgasse
mais adequado. Esta independência tornava mais fácil o jogo das palavras e dos
diálogos. Não prejudicava a estrutura da obra dramática. Só contribuía para
valorizá-la. Brecht chegou às mesmas conclusões de Shakespeare quatro séculos
depois. E da maneira tão indicada, tão aceitável e tão proveitosa.

Arte e Ciência

As realizações práticas, de Brecht, nó teatro, foram acompanhadas de suas conclusões
no terreno da estética: Não se tratava de tentativas empíricas, mas da aplicação
de uma teoria que considerava científica. Daí seus estudos sobre uma arte dramática
não aristotélica, sem submissão ou obediência às regras secularmente estabelecidas.

Brecht colocou-se à margem de todo o esquematismo das escolas literárias: Aceitando
a concepção de Hegel de que há nos fenômenos artísticos uma realidade superior
a uma existência mais verdadeira em comparação com a realidade habitual, chegou
a Marx com a extraordinária independência de seu gênio poético e teatral. Como
Shakespeare, ele soube usar, na época atual, o heróico e o lírico, o dramático
e o cômico, o grave e o ridículo, dando à sua obra um sentido universal.

Brecht confessa que, embora a arte e a ciência atuem de modos diferentes, não
lhe era possível subsistir como artista sem servir-se da ciência. “Do que
necessitamos de fato – escreve Brecht – é de uma arte que domine a natureza,
necessitamos de uma realidade moldada pela arte e de uma arte natural”.
Acrescenta: “Não nos podemos esquecer de que somos filhos de uma era científica”.
Insiste: “A ciência e a arte têm, de comum, o fato de que ambas existem
para simplificar a vida do homem: uma, ocupada com sua subsistência material
e a outra, em proporcionar-lhe uma agradável diversão”. E conclui: “Tal
como a transformação da natureza, a transformação da sociedade é um ato de libertação.
Cabe ao teatro de uma época científica transmitir o júbilo desta libertação”.

Quando Brecht liga a arte à ciência procura justificar o seu papel atuante nas
letras sociais e políticas do mundo atual. O teatro de Brecht é eminentemente
político. Não de forma indireta, mas aberta e declaradamente. Pode-se dizer:
um teatro a serviço da causa operária, da revolução social. Daí o seu caráter
épico e didático.

Nazismo e exílio

Em 1933, quando Adolfo Hitler, à frente do Terceiro Reich, estabeleceu o nazismo
na Alemanha, inaugurando uma nova ordem que, segundo ele, deveria durar dez
mil anos, Bertolt Brecht, com trinta e cinco anos de idade, abandonou o país,
asilando-se em várias cidades da Europa. Suas obras, em Berlim, foram queimadas
em praça pública com tantas outras dos mais famosos escritores da época. No
dia em que a Alemanha invadiu a Dinamarca, Brecht, que se encontrava neste país,
fugiu para a Finlândia. Dali partiu para Vladivostok, onde embarcou para os
Estados Unidos. No exílio, que durou até o fim da Segunda Guerra Mundial, publicou
vários poemas que contribuem para sua glória literária tanto como suas peças
teatrais. Brecht não se cansou de fustigar violentamente a figura de Hitler,
mostrando os crimes do nazismo. De volta à Alemanha, depois do desmoronamento
deste regime, continuou a lutar, como marxista, pela causa operária. Ao morrer,
em 1956, o mundo inteiro reconhecia a grandeza de sua obra.

O objetivo da poesia moderna

Brecht tem, sobre a poesia, o mesmo pensamento que tem sobre a arte dramática.
Maneja-a da maneira mais sábia em defesa da liberdade do homem. Há, em seus
poemas, o mesmo sentido épico e didático de suas peças teatrais. Recusa-se a
aceitar uma poesia alheia aos acontecimentos sociais. Exige que ela seja atuante
sem perder, entretanto, o seu sentido artístico. A poesia moderna deve estar
ao lado da revolução.

O êxito excepcional do teatro e da poesia de Brecht confirma a justeza de seus
pontos de vista. Sua arte é duplamente revolucionária: no fundo e na forma.
Não só se opõe à estética de Aristóteles como não se submete ao convencionalismo
e aos preconceitos sociais. Escreve independentemente como acha que se deve
escrever.

Aqui se encontram reunidos alguns poemas de Brecht. Contei, na versão e revisão
da obra com a colaboração de um profundo conhecedor do idioma alemão. Mas não
pretendo responsabilizá-lo pelas adaptações que fui levado a fazer. Toda a tradução
em verso é uma adaptação no sentido exato do termo. Não se pode fugir a esta
regra por mais que se permaneça fiel ao pensamento do autor.

A obra poética de Bertolt Brecht, escrita contra Hitler e o nazismo, não é só
um protesto contra as injustiças sociais, contra os atentados à liberdade. É
também uma corajosa mensagem de confiança histórica na ação transformadora dos
homens que lutam por um destino melhor.

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