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Boca do Inferno, de Ana Miranda

by Lucas Gomes

Análise da obra

Romance histórico, Boca do Inferno é o primeiro romance de Ana Miranda e foi publicado em 1989. Foi traduzido nos Estados Unidos, Inglaterra, França, Alemanha, Itália, Espanha, Suécia e Holanda, entre outros países.

Na Bahia, em plena efervescência mercantilista do século XVII, Ana Miranda restaura os cacos de um país popularmente tido como pacífico, substituindo essa mentira calcificada por uma de caráter ficcional, mais em sintonia com a verdade histórica. O assassinato do alcaide-mor é mero pretexto fabular para dividir em dua a sociedade baiana de então: perseguidores e perseguidos.

Foco narrativo

Romance escrito em 3ª pessoa.

Estrutura

O romance é dividido em 6 capítulos: A Cidade, O Crime, A Vingança, A Devassa, A Queda e O Destino.

Tempo e espaço

Boca do Inferno se passa no século XVII (1863), na Bahia colonial, durante o governo tirânico do militar Antônio de Souza de Menezes, apelidado de Braço de Prata, por usar uma peça deste metal no lugar do braço (perdido numa batalha naval contra os invasores holandeses).

A ação se passa em Salvador. Nessa cidade de desmandos e devassidão, desenrola-se a trama de Boca do Inferno, recriação de uma época turbulenta centrada na feroz luta pelo poder entre o governador Antônio de Souza de Menezes, o temível Braço de Prata, e a facção liderada por Bernardo Vieira Ravasco, da qual faziam parte o padre Antônio Vieira e o poeta Gregório de Matos.

Linguagem

Linguagem histórica, com expressões chulas (vulgares), uma referência à sátira mordaz do poeta Gregório de Matos Guerra.

Personagens

Gregório de Matos Guerra: poeta do Barroco. O boca do inferno – genial canalha – fazia críticas mordazes aos políticos da Bahia do século XVI.

Padre Antônio Vieira: em seus sermões e cartas, atacava o clero brasileiro e políticos, revelando a seus fiéis as contradições sociais.

Antônio de Sousa Menezes: governador da Bahia – O Braço de Prata.

Gonçalo Ravasco: inimigo de Antonio de Sousa Menezes.

Bernardo Ravasco: irmão de Gonçalo Ravasco.

Bernardina Ravasco: filha de Bernardo Ravasco.

Maria Berco: empregada dos Ravasco e amante de Gregório de Matos.

Tele de Menezes: secretário do governador.

Donato Serotino: mestre de esgrima.

Antonio de Brito: assassino de Francisco Teles de Menezes.

Anica de Mel: cafetina.

Enredo

A narrativa assim se inicia: “Numa suave região cortada por rios límpidos, de céu sempre azul, terras férteis, florestas de árvores frondosas, a cidade parecia ser a imagem do Paraíso. Era, no entanto, onde os demônios aliciavam almas para povoarem o Inferno” (Miranda, 1998: 12).

O assassinato do alcaide-mor emerge como desencadeador de uma perseguição que será empreendida pelos ocupantes do poder estabelecido aos supostos culpados, tendo como contraponto os atos, os ditos e os escritos do padre Antônio Vieira e de Gregório de Matos, o Boca do Inferno. Pouco a pouco, o pulsar da vida nessa cidade colonial brasileira nos será revelado. Como nos confidencia no início da narrativa Gregório de Matos, nessa cidade, “antigamente, havia muito respeito. Hoje, até dentro da praça, nas barbas da infantaria, nas bochechas dos granachas, na frente da forca, fazem assaltos à vista” (Miranda, 1998: 13).

Lentamente, a vida social, política e econômica irá surgir de forma viva e densa, revelando, junto à tensa disputa, novas vozes presentes em um cotidiano de trabalho, prazeres, sofrimento, felicidade, religiosidade, sensualidade, prostituição, conchavos e falcatruas.

A Cidade – Descrição da Bahia do século XVII – imagem de um paraíso natural, mas onde os demônios aliciavam almas para proverem o inferno – há também a apresentação do poeta sátiro Gregório, o Boca do Inferno, de estilo barroco.

O Crime – Francisco Teles de Menezes é emborrado por 8 homens encapuzados, tem sua mão arrancada do braço e é morto por Antônio de Brito. O motivo se deu por perseguição política – estarão envolvidos no crime: Ravasco, irmão do Padre Vieira e Moura Rolim, primo de Gregório. Os homens fogem para o Colégio dos Jesuítas, mas o governador da Bahia – Antônio de Sousa Menezes, O Braço de Prata, será avisado e começará uma terrível perseguição contra todos envolvidos.

A Vingança – Antônio de Brito será torturado e delatará os envolvidos – Viera será perseguido – mas por representar a igreja e o poder papal, o governador releva, mas quer o irmão Bernardo Ravasco preso e destituído do cargo de Secretário do Estado. Ao tentar proteger a filha Bernardina Ravasco, Gregório conhece Maria Berco, que será presa ao saber que ela possuía a mão e o anel do Alcaide (o anel será penhorado). São confiscados de Bernardo documentos escritos e os poemas de Gregório. Bernardina é presa para pressionar Ravasco a se entregar.

A Devassa – Rocha Pita é nomeado desembargador para investigar a morte do Alcaide. Palma, também desembargador, nega a vingança planejada pelo governador e por falta de provas, exige a soltura dos envolvidos mas, para soltar Maria Berco, Gregório teria que pagar uma fiança de 600 mil réis.

A Queda – Bernardino é libertado e expatriado. O governador é destituído do cardo e o Marquês de Minas é nomeado para substituí-lo, restituir o cargo de secretário a Bernardo Ravasco e se apresentar imediatamente ao Rei de Portugal. Mesmo assim sai do Brasil com muitas riquezas. O próximo governador, Antônio Luís da Câmara Coutinho, também será satirizado pelo poeta Gregório que terá sua morte encomendada, mas só o próximo governador, João de Lancastre, é que conseguirá prendê-lo e expatriá-lo para a Angola, volta mais tarde para Pernambuco, mas será proibido de escrever suas sátiras. Volta a advogar e morre em 1695, aos 59 anos.

O Destino – Padre Vieira lutará por justiça social através de seus sermões, morre cego e surdo em 1697. Bernardo Ravasco recebe sentença favorável ao crime contra o Alcaide e é substituído pelo filho, Gonçalo Ravasco. Maria Berco ficará rica mas deformada, rejeita pedidos de casamento à espera do poeta Gregório, que se casa com uma negra viúva, Maria de Povos, mas não se afasta da vida de devassidão pelos bordéis da cidade. “…se eu tiver que morrer, seja por aqui mesmo. E valha-me Deus, que não seja pela boca de uma garrucha, mas pela cona de uma mulher.” A cidade da Bahia cresceu, modificou-se o cenário de prazer e pecado da cidade onde viveu o poeta Boca do Inferno.

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