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Borges e os orangotangos eternos, de Luís Fernando Veríssimo

by Lucas Gomes

Unindo, num romance policial de encomenda, dois emblemáticos
escritores da literatura ocidental, Luís Fernando Veríssimo, ao
mesmo tempo em que conta uma história repleta de humor, mistério
e misticismo, homenageia Edgar Allan Poe e Jorge Luís Borges, mostrando-se
um seguidor dos seus passos.

O romance é, como tudo a que Veríssimo nos tem
acostumado, especialmente as suas crônicas, literatura de primeira. Neste
caso, uma literatura na linha de Edgar Allan Poe, que inventou “a história
de detetive, e a paródia da história de detetive e a anti-história
de detetive”, e que, junto com a literatura plena de simulações
de Borges, constitui a matéria-prima do romance.

O romance se divide em sete partes, ou capítulos.

Num congresso de especialistas na obra do escritor norte-americano,
realizado na capital Argentina, que Vogelstein, um professor de literatura e
tradutor de Porto Alegre, terá a oportunidade de conhecer pessoalmente
seu admirado Borges, dividindo com ele a investigação de um misterioso
crime cuja vítima é o professor alemão Joachim Rotkopf,
um dos mais importantes participantes do encontro.

Será precisamente Vogelstein, cuja admiração
por Borges transparece até no nome do seu falecido gato, narrador da
história (exceto no último capítulo, no qual cede a palavra
ao próprio Borges), que desvendará todo o mistério e esclarecerá
as falsas pistas semeadas por Veríssimo ao longo do romance.

Em resumo, Borges e os orangotangos eternos é literatura de primeira
linha disfarçada de romance “policial”, no qual Veríssimo,
ao mesmo tempo em que conta uma saborosa história, homenageia Borges e
Poe, mostrando-se um digno seguidor dos seus passos.

Numa transposição do português coloquial
para o espanhol, o autor coloca na boca de Borges uma frase impossível
na sua forma. Durante uma conversa com o inspetor de polícia encarregado
do caso, o argentino diz: “Yo y el señor Vogelstein”. Ainda
que a forma do espanhol falado em Buenos Aires escape bastante, em alguns casos,
das regras ditadas pela Real Academia Espanhola, algumas destas regras se conservam
na Argentina com uma firmeza superior à paridade no câmbio do dólar.
E uma delas (talvez, a mais apregoada) é que ninguém pode colocar
o “yo” no começo da enumeração de pessoas na
frase. Sem desmerecer o valor do romance, este único erro, no meio de
muitas outras citações em castelhano, todas corretíssimas,
acaba “gritando” aos olhos do leitor de ambas as línguas, especialmente
pelo exagero da involuntária blasfêmia em se colocar esta frase,
uma das mais profundas manifestações de falta de cultura, na boca
daquele que foi, na opinião deste que escreve, e tenho certeza na do
próprio Veríssimo, um dos homens mais cultos nascidos na Argentina.

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