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Hidrografia: 1. Águas subterrâneas

by Lucas Gomes

Água subterrânea é toda a água que ocorre abaixo
da superfície da Terra, preenchendo os poros ou vazios intergranulares
das rochas sedimentares, ou as fraturas, falhas e fissuras das rochas compactas,
e que sendo submetida a duas forças (de adesão e de gravidade)
desempenha um papel essencial na manutenção da umidade do solo,
do fluxo dos rios, lagos e brejos. As águas subterrâneas cumprem
uma fase do ciclo hidrológico, uma vez que constituem uma parcela da
água precipitada.

Após a precipitação, parte das águas que atinge
o solo se infiltra e percola no interior do subsolo, durante períodos
de tempo extremamente variáveis, decorrentes de muitos fatores:

– porosidade do subsolo: a presença de argila no solo diminui sua permeabilidade,
não permitindo uma grande infiltração;
– cobertura vegetal: um solo coberto por vegetação é mais
permeável do que um solo desmatado;
– inclinação do terreno: em declividades acentuadas a água
corre mais rapidamente, diminuindo a possibilidade de infiltração;
– tipo de chuva: chuvas intensas saturam rapidamente o solo, ao passo que chuvas
finas e demoradas têm mais tempo para se infiltrarem.

Durante a infiltração, uma parcela da água sob a ação
da força de adesão ou de capilaridade fica retida nas regiões
mais próximas da superfície do solo, constituindo a zona não
saturada. Outra parcela, sob a ação da gravidade, atinge as zonas
mais profundas do subsolo, constituindo a zona saturada (figura abaixo).

ZONA NÃO SATURADA: também chamada de zona de
aeração ou vadosa, é a parte do solo que está parcialmente
preenchida por água. Nesta zona, pequenas quantidades de água
distribuem-se uniformemente, sendo que as suas moléculas se aderem às
superfícies dos grãos do solo. Nesta zona ocorre o fenômeno
da transpiração pelas raízes das plantas, de filtração
e de autodepuração da água. Dentro desta zona encontra-se:

– Zona de umidade do solo: é a parte mais superficial,
onde a perda de água de adesão para a atmosfera é intensa.
Em alguns casos é muito grande a quantidade de sais que se precipitam
na superfície do solo após a evaporação dessa água,
dando origem a solos salinizados ou a crostas ferruginosas (lateríticas).
Esta zona serve de suporte fundamental da biomassa vegetal natural ou cultivada
da Terra e da interface atmosfera / litosfera.

– Zona intermediária: região compreendida entre
a zona de umidade do solo e da franja capilar, com umidade menor do que nesta
última e maior do que a da zona superficial do solo. Em áreas
onde o nível freático está próximo da superfície,
a zona intermediária pode não existir, pois a franja capilar atinge
a superfície do solo. São brejos e alagadiços, onde há
uma intensa evaporação da água subterrânea.

– Franja de capilaridade: é a região mais próxima
ao nível d’água do lençol freático, onde a umidade
é maior devido à presença da zona saturada logo abaixo.

ZONA SATURADA: é a região abaixo da zona não
saturada onde os poros ou fraturas da rocha estão totalmente preenchidos
por água. As águas atingem esta zona por gravidade, através
dos poros ou fraturas até alcançar uma profundidade limite, onde
as rochas estão tão saturadas que a água não pode
penetrar mais. Para que haja infiltração até a zona saturada,
é necessário primeiro satisfazer as necessidades da força
de adesão na zona não saturada. Nesta zona, a água corresponde
ao excedente de água da zona não saturada que se move em velocidades
muito lentas (em/dia), formando o manancial subterrâneo propriamente dito.
Uma parcela dessa água irá desaguar na superfície dos terrenos,
formando as fontes, olhos de água. A outra parcela desse fluxo subterrâneo
forma o caudal basal que deságua nos rios, perenizando-os durante os
períodos de estiagem, com uma contribuição multianual média
da ordem de 13.000 km3/ano, ou desagua diretamente nos lagos e oceanos.

A superfície que separa a zona saturada da zona de aeração
é chamada de nível freático, ou seja, este nível
corresponde ao topo da zona saturada. Dependendo das características
climatológicas da região ou do volume de precipitação
e escoamento da água, esse nível pode permanecer permanentemente
a grandes profundidades, ou se aproximar da superfície horizontal do
terreno, originando as zonas encharcadas ou pantanosas, ou convertendo-se em
mananciais (nascentes) quando se aproxima da superfície através
de um corte no terreno.

OCORRÊNCIA E VOLUME DAS ÁGUAS SUBTERRÂNEAS

Assim como a distribuição das águas superficiais é
muito variável, a das águas subterrâneas também é,
uma vez que elas se inter-relacionam no ciclo hidrológico e dependem
das condições climatológicas. Entretanto, as águas
subterrâneas (10.360.230 km3) são aproximadamente 100 vezes mais
abundantes que as águas superficiais dos rios e lagos (92.168 km3). Embora
elas encontrem-se armazenadas nos poros e fissuras milimétricas das rochas,
estas ocorrem em grandes extensões, gerando grandes volumes de águas
subterrâneas na ordem de, aproximadamente, 23.400 km3, distribuídas
em uma área aproximada de 134,8 milhões de km2,
constituindo-se em importantes reservas de água doce.

Alguns especialistas indicam que a quantidade de água subterrânea
pode chegar até 60 milhões de km3, mas a sua ocorrência
em grandes profundidades pode impossibilitar seu uso. Por essa razão,
a quantidade passível de ser captada estaria a menos de 4.000 metros
de profundidade, compreendendo cerca de 8 e 10 milhões de km3, que, estaria
assim distribuída: 65.000 km3 constituindo a umidade do solo;
4,2 milhões de km3 desde a zona não-saturada até
750 m de profundidade, e 5,3 milhões de km3 de 750 m até
4.000 m de profundidade, constituindo o manancial subterrâneo.

Além disso, a quantidade de água capaz de ser armazenada pelas
rochas e pelos materiais não consolidados em geral depende da porosidade
dessas rochas, que pode ser de até 45%, da comunicação
desses poros entre si ou da quantidade e tamanho das aberturas de fraturas existentes.

No Brasil, as reservas de água subterrânea são estimadas
em 112.000 km3 (112 trilhões de m3) e a contribuição
multianual média à descarga dos rios é da ordem de 2.400
km3 /ano. Nem todas as formações geológicas
possuem características hidrodinâmicas que possibilitem a extração
econômica de água subterrânea para atendimento de médias
e grandes vazões pontuais. As vazões já obtidas por poços
variam, no Brasil, desde menos de 1 m3/h até mais de 1.000
m3/h.

Na Argentina, a contribuição multianual média à
descarga dos rios é da ordem de 128 km3/ano, no Paraguai,
de 41 km3/ano e no Uruguai, de 23 km3/ano.

QUALIDADE DAS ÁGUAS SUBTERRÂNEAS

Durante o percurso no qual a água percola entre os poros do subsolo
e das rochas, ocorre a depuração da mesma através de uma
série de processos físico-químicos (troca iônica,
decaimento radioativo, remoção de sólidos em suspensão,
neutralização de pH em meio poroso, entre outros) e bacteriológicos
(eliminação de microorganismos devido à ausência
de nutrientes e oxigênio que os viabilizem) que agindo sobre a água,
modificam as suas características adquiridas anteriormente, tornando-a
particularmente mais adequada ao consumo humano.

Sendo assim, a composição química da água subterrânea
é o resultado combinado da composição da água que
adentra o solo e da evolução química influenciada diretamente
pelas litologias atravessadas, sendo que o teor de substâncias dissolvidas
nas águas subterrâneas vai aumentando à medida que prossegue
no seu movimento.

As águas subterrâneas apresentam algumas propriedades que tornam
o seu uso mais vantajoso em relação ao das águas dos rios:
são filtradas e purificadas naturalmente através da percolação,
determinando excelente qualidade e dispensando tratamentos prévios; não
ocupam espaço em superfície; sofrem menor influência nas
variações climáticas; são passíveis de extração
perto do local de uso; possuem temperatura constante; têm maior quantidade
de reservas; necessitam de custos menores como fonte de água; as suas
reservas e captações não ocupam área superficial;
apresentam grande proteção contra agentes poluidores; o uso do
recurso aumenta a reserva e melhora a qualidade; possibilitam a implantação
de projetos de abastecimento à medida da necessidade.

USO DAS ÁGUAS SUBTERRÂNEAS

A exploração de água subterrânea está condicionada
a fatores quantitativos, qualitativos e econômicos:

– Quantidade: intimamente ligada à condutividade hidráulica e
ao coeficiente de armazenamento dos terrenos. Os aqüíferos têm
diferentes taxas de recarga, alguns deles se recuperam lentamente e em outros
a recuperação é mais regular;
– Qualidade: influenciada pela composição das rochas e condições
climáticas e de renovação das águas;
– Econômico: depende da profundidade do aqüífero e das condições
de bombeamento.

Contudo, o aproveitamento das águas subterrâneas data de tempos
antigos e sua evolução tem acompanhado a própria evolução
da humanidade, sendo que o seu crescente uso se deve ao melhoramento das técnicas
de construção de poços e dos métodos de bombeamento,
permitindo a extração de água em volumes e profundidades
cada vez maiores e possibilitando o suprimento de água a cidades, indústrias,
projetos de irrigação etc.

A relação, em termos de demanda quanto ao uso, varia entre os
países, e nestes, de região para região, constituindo o
abastecimento público, de modo geral, a maior demanda individual.

Praticamente todos os países do mundo, desenvolvidos ou não,
utilizam água subterrânea para suprir suas necessidades. Países
como a Alemanha, Áustria, Bélgica, Dinamarca, França, Holanda,
Hungria, Itália, Marrocos, Rússia e Suíça atendem
de 70 a 90% da demanda para o abastecimento público. Outros utilizam
a água subterrânea no atendimento total (Dinamarca, Arábia
Saudita, Malta) ou apenas como suplementação do abastecimento
público e de atividades como irrigação, produção
de energia, turismo, indústria etc. Na Austrália, 60% do país
depende totalmente do manancial subterrâneo e em mais de 20% o seu uso
é preponderante. A cidade do México atende cerca de 80% da demanda
dos quase 20 milhões de habitantes.

A UNESCO estimava, em 1992, que mais de 50% da população mundial
poderia estar sendo abastecida pelo manancial subterrâneo.

Regiões áridas e semi-áridas (Nordeste do Brasil e a Austrália),
e certas ilhas, têm a água subterrânea como o único
recurso hídrico disponível para uso humano. Até regiões
desérticas, como a Líbia, têm a demanda de água em
cidades e na irrigação atendida por poços tubulares perfurados
em pleno deserto do Saara.

Estima-se em 300 milhões o número de poços perfurados
no mundo nas três últimas décadas, 100 milhões dos
quais nos Estados Unidos, onde são perfurados cerca de 400 mil poços
por ano, com uma extração de mais de 120 bilhões de m3/ano,
atendendo mais de 70% do abastecimento público e das indústrias.

Na África do Norte, China, Índia, Estados Unidos e Arábia
Saudita, cerca de 160 bilhões de toneladas de água são
retirados por ano e não se renovam. Essa água daria para produzir
comida suficiente para 480 milhões de pessoas por ano.

A expansão das terras agrícolas vem provocando também
o uso intensivo das águas subterrâneas, além do uso habitual
das fontes superficiais. Existem diversos exemplos no mundo de esgotamento de
aqüíferos por sobrexploração para uso em irrigação.
Avalia-se que existam no mundo 270 milhões de hectares irrigados com
água subterrânea, 13 milhões desses nos Estados Unidos e
31 milhões na Índia.

Vários núcleos urbanos no Brasil abastecem-se de água
subterrânea de forma exclusiva ou complementar, constituindo o recurso
mais importante de água doce. Indústrias, propriedades rurais,
escolas, hospitais e outros estabelecimentos utilizam, com freqüência,
água de poços profundos. O maior volume de água ainda é,
todavia, destinado ao abastecimento público. Importantes cidades do país
dependem integral ou parcialmente da água subterrânea para abastecimento,
como, por exemplo: Ribeirão Preto (SP), Mossoró e Natal (RN),
Maceió (AL), Região Metropolitana de Recife (PE) e Barreiras (BA).
No Maranhão, mais de 70% das cidades são abastecidas por águas
subterrâneas, e em São Paulo e no Piauí esse percentual
alcança 80%. As águas subterrâneas termais estimulam o turismo
em cidades como Caldas Novas em Goiás, Araxá e Poços de
Caldas em Minas Gerais. Além disso, atualmente, a água mineral
é amplamente usada pelas populações dos centros urbanos,
por sua qualidade. Mesmo em casos de elevado teor salino, como nas áreas
de ocorrência dos sistemas aqüíferos fissurados do semi-árido
nordestino, as águas subterrâneas constituem, não raro,
a única fonte de suprimento permanente.

Segundo o Censo de 2000 (IBGE, 2003), aproximadamente 61 % da população
brasileira é abastecida, para fins domésticos, com água
subterrânea, sendo que 6% se auto-abastece das águas de poços
rasos, 12% de nascentes ou fontes e 43% de poços profundos. Portanto,
o número de poços tubulares em operação no Brasil
está estimado em cerca de 300.000, com um número anual de perfurações
de aproximadamente 10.000, o que pode ser considerado irrisório diante
das necessidades de água potável das populações
e se comparado com outros países. Os estados com maior número
de poços perfurados são: São Paulo (40.000), Bahia, Rio
Grande do Sul, Ceará e Piauí.

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Nota: O livro O Aquífero Guarani, é de
autoria Nádia Rita Boscardin Borguetti, José Roberto Borghetti e
Ernani Francisco da Rosa Filho

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