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Demografia – Imigração Japonesa: 3. Vidas paralelas

by Lucas Gomes

BRASIL

Kinko Yanai emigrou do Japão para o Brasil com o pai aos 10
anos de idade. Casou-se, mudou de sobrenome, teve filhos e netos no país
e nunca mais viu a irmã…


A QUE VEIO PARA O BRASIL
Kinko, 76 anos, foi colhedora de café, lavradora e dona
de quitanda no interior de São Paulo. Hoje, aposentada,
mora com o marido na capital paulista. O apartamento
foi presente do filho caçula, formado em arquitetura.

“Meu pai herdou muitas terras do meu avô, mas herdou as dívidas
também. Eu era criança e me lembro de que ia sempre gente em casa
fazer cobrança – meu pai abaixava a cabeça, triste. Um dia,
um amigo dele foi visitá-lo e ele ficou contente. O amigo o convidou para
vir para o Brasil. Disse que ele iria juntar bastante dinheiro e conseguiria pagar
as dívidas. Meu pai ficou animado, mas meu avô, não. Ele não
queria que meu pai vendesse as terras. E minha avó tinha medo de que o
filho morresse no navio e jogassem o corpo dele no mar. Ficou aquela discussão:
vai, não vai. Até que minha mãe se cansou e falou para o
meu pai: ‘Nós temos seis crianças aqui. Você pega as
três maiores, leva com você para trabalhar no Brasil e junta o dinheiro
para pagar nossas dívidas. Enquanto isso, eu fico aqui, cuidando dos três
pequenos e das terras’.
“Nós fomos. Saímos do porto de Kobe e viajamos muitos dias.
Tudo era novidade. Em Los Angeles, ficamos dois dias parados. Um grupo de negros
foi lá para olhar a gente. Nós nunca tínhamos visto negros
de verdade. Eles ficavam olhando espantados para nós e nós olhando
espantados para eles. Foram 52 dias de viagem antes de chegar ao Porto de Santos.
De lá, fomos para uma fazenda em Araçatuba, para colher café.
O trabalho era duro. Toda noite, falávamos para o nosso pai: ‘Quando
vamos voltar? Quando vamos ver a mamãe?’. A última vez que
vi minha mãe foi na despedida, no porto de Kobe. Quando meu pai conseguiu
juntar dinheiro para voltar, estourou a guerra. Os aviões não
saíam do Brasil e as cartas pararam de chegar. Ficamos muitos anos sem
notícias do Japão. Quando a guerra acabou, minhas duas irmãs
já haviam se casado aqui no Brasil. Meu pai, então, disse: ‘Você
volta comigo. Eu trouxe três filhas para o Brasil, tenho de devolver pelo
menos uma para a sua mãe’. Só que, uma semana antes de o
avião partir, um parente falou que eu não iria conseguir casar
no Japão: tinha sido criada de forma diferente no Brasil e já
tinha 18 anos. Era melhor me deixar aqui. Meu pai perguntou se eu queria ir
ou ficar. Escolhi ficar porque já gostava do Mário (nome brasileiro
adotado por seu marido, o também imigrante Atsushi Kamimura). “Casamos
em 1955. Quando nasceram os dois filhos, deixamos o sítio e fomos para
a cidade, para eles poderem estudar. Eu não queria que eles fossem como
nós. Meu marido comprava verdura na cidade e ia de bicicleta vender nos
sítios que só plantavam café. Com o tempo, conseguimos
montar uma mercearia. Eu agradeço muito aos nossos fregueses, eles foram
muito bons para nós. Graças a eles, pudemos juntar dinheiro para
pagar o estudo dos filhos. O mais velho passou na faculdade de engenharia e
o mais novo na de arquitetura. As duas eram em São Paulo e a de engenharia
era particular. Então, tinha de mandar bastante dinheiro para eles, e
só a mercearia não dava. Por isso, meu marido comprou uma Kombi
e começou a vender verdura de porta em porta. Ele ia às 3 da manhã
fazer compras na Ceasa. Deixava uma parte na quitanda para eu vender e levava
o resto na Kombi. Trabalhava até as 10 da noite – sábado,
domingo, feriado e Natal, não tinha descanso. Nossa maior vontade era
formar os nossos filhos. E conseguimos. Eles terminaram a faculdade, casaram,
tiveram filhos. Há três anos, o mais novo foi nos buscar em Araçatuba
e comprou este apartamento para nós em São Paulo. Eu sou muito
feliz. Agradeço a Deus por ter vindo para cá. No Japão,
quando a gente é pequeno, os pais combinam com quem nós vamos
casar. E estava combinado que eu iria casar com o meu primo, que morreu muito
cedo. Então, hoje eu já seria viúva! Em vez disso, casei
com o Mário e tive essa família. Deus foi muito bom para mim.”

JAPÃO

…Sakurai Yanai, que tinha 7 anos quando Kinko partiu. Sakurai permaneceu
com a mãe no Japão, onde mora até hoje. Aqui, as irmãs
contam suas vidas – de um lado e de outro do mundo


A QUE FICOU NO JAPÃO
Sakurai, 73 anos, viu a guerra de perto e cresceu com
enxada na mão: trabalhou a vida inteira nas terras da
família. Como enviuvou cedo e os filhos foram morar
na cidade, hoje vive sozinha. E continua plantando.

“Eu era muito pequena quando meu pai foi embora com minhas irmãs para
o Brasil. Por isso, não fui me despedir deles no porto de Kobe. A única
coisa de que me lembro é que, quando minha mãe voltou do porto,
me trouxe uma mochila de presente. Era uma mochila de ir à escola. Acho
que era para eu não ficar triste. Morávamos com os meus avós,
pais do meu pai. Quando ele foi para o Brasil, os meus avós ficaram doentes.
Então, minha mãe, que trabalhava no campo, plantando arroz, tinha
de cuidar da plantação, dos filhos e dos meus avós. Naquele
tempo, não existia máquina, era tudo na mão. E o único
homem forte que havia na casa tinha ido embora. Ela era obrigada a dar conta de
tudo sozinha. Sofreu muito. Meu pai disse que voltaria depois de um ano. Só
que veio a guerra, atrapalhou tudo, e ele demorou nove anos para vir para casa.
Durante a guerra, não pôde mandar cartas para nós. Minha mãe
ficava muito amargurada, porque não sabia o que estava acontecendo com
ele e com as outras filhas. Eu me lembro que, daqui de casa, dava para ver a fumaça
das bombas que caíam em Koriyama. Comida não tinha muita. O arroz
que nós plantávamos, o governo confiscava. Ia tudo para os militares.
O que sobrava era batata, abóbora. Quando não tinha arroz, o militar
levava também as batatas e as abóboras. Aí, minha mãe
pegava umas raízes na mata e fazia sopa para nós.
“Só depois de a guerra terminar é que começaram a
chegar cartas do Brasil de novo. Como faltava tudo aqui, às vezes meu
pai mandava também sapatos e balas para nós. No dia em que ele
voltou, nós estávamos esperando em casa com festa. Eu me lembro
que estava na cozinha, ajudando a preparar a comida, quando ele apareceu na
porta. Tomei um susto. Como só via meu pai nas fotos, pensava que ele
era muito grande. Mas quando ele entrou, com uma porção de malas
em volta, parecia tão pequeno!

“Eu me casei logo depois que ele voltou. Naquele tempo, não tinha
namoro, os pais é que resolviam com quem nós iríamos casar.
Meu pai viu meu futuro marido e gostou dele. Achou que era uma pessoa de bom
coração e eu me casei. Durante o dia, meu marido trabalhava com
leite e eu ficava em casa cuidando dos filhos. No fim da tarde, quando ele voltava
do trabalho com o leite, íamos juntos para o campo: plantávamos
trigo, cevada, milho. Tivemos três filhos. Meu marido não queria
que eles trabalhassem no campo. Muitas famílias naquele tempo não
deixavam o primeiro filho estudar, porque pensavam que ele tinha de continuar
o trabalho dos pais na lavoura, mas meu marido achava diferente. Ele falou que
agricultura não tinha futuro e que todos os filhos tinham de ganhar educação.
Hoje, uma filha trabalha no banco, outra é contadora e o mais velho trabalha
numa empresa em Koriyama.

“Como não tem ninguém mais para cuidar das terras, elas
estão largadas. Arroz não tem mais. Eu planto muitas verduras:
batatinha, cebolinha, cenoura, cebola, milho, pepino. Gosto muito de plantar,
a vida inteira fiz isso! Planto para mim e o que sobra dou para os vizinhos
e parentes. Os vizinhos me ajudam a arar a terra. O resto – semear, cuidar,
colher – faço sozinha. Meu filho mais velho não quer saber
do campo. Ele é um pouco mais novo do que o Sérgio, o caçula
da minha irmã Kinko. O Sérgio veio estudar no Japão e ficou
um tempo conosco. Trouxe muitas fotos de toda a família e do Brasil.
Acho que o Brasil é um país muito grande. E também muito
plano. Penso que deve ser parecido com Hokkaido (ilha no norte do arquipélago,
com muitas florestas, rios e baixa densidade populacional). Quando penso na
minha irmã, Kinko, eu me lembro de nós duas colhendo caqui. Éramos
bem pequenas. Eu ficava com o nosso irmão menor no colo, ela balançava
a árvore e o caqui caía. Nós sentávamos no chão
e comíamos caqui juntas. Era um tempo bom aquele.”

LINHA DO TEMPO BRASIL – JAPÃO

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