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Demografia – Imigração Japonesa: 4. Dekasseguis

by Lucas Gomes

ELES ESTÃO NO CAMINHO INVERSO

Os dekasseguis seguem dizendo que voltarão para o Brasil. Mas
boa parte deles dá sinais de que vai ficar definitivamente no Japão


A família Oto
Os pioneiros tinham um padrão de vida bem diferente

Empurrado pela falta de perspectivas e por um presente sombrio, um grupo de pessoas
decide abandonar o seu país rumo a uma terra distante, que promete prosperidade
e bem-aventurança aos que tiverem coragem, perseverança e disposição
para pegar no pesado. O objetivo dos viajantes é um só: trabalhar
duro, economizar ao máximo e voltar para casa, de bolsos bem cheios, o
mais rápido possível. O passar do tempo, as circunstâncias
históricas e o curso da vida, no entanto, fazem com que essa volta seja
sucessivamente adiada, até acabar definitivamente esquecida. E assim, para
os filhos dos filhos desses viajantes, a terra distante passa a ser aquela que
seus antepassados deixaram um dia. Até há pouco tempo, a trajetória
dos dekasseguis brasileiros que foram para o Japão e a dos imigrantes japoneses
que vieram para o Brasil guardavam uma única diferença: ao contrário
dos japoneses, que décadas depois da chegada ao país estavam definitivamente
estabelecidos, os brasileiros que foram para o Japão continuavam se considerando
– e sendo considerados – residentes temporários em terra estrangeira.
Para especialistas, essa diferença acabou. Autor de um estudo sobre a comunidade
brasileira no Japão, Pedro Corrêa Costa, vice-cônsul do Consulado
do Brasil em Tóquio, afirma que os sinais de que os brasileiros estão
se fixando definitivamente por lá são tão evidentes que eles
não podem ser chamados mais de dekasseguis – palavra que quer dizer
“trabalhadores temporários”. “Já são emigrantes”,
afirma Costa.
Não que os brasileiros tenham isso muito claro: em todas as pesquisas
em que se pergunta se pretendem voltar para o Brasil, a resposta é, quase
sempre, sim. Hoje, no entanto, poucos se arriscam a dizer quando se dará
essa volta, como ocorria até a década passada. Atualmente, a resposta
mais comum é: “Um dia”. Os números, porém, indicam
que a situação dos brasileiros no Japão está na
contramão do desejo que a maioria professa: a paridade entre homens e
mulheres na comunidade tem aumentado, assim como o número de crianças
e idosos – indicativos demográficos clássicos de tendência
de assentamento. Além disso, aumentou exponencialmente o número
de brasileiros com visto permanente japonês: eram 9.000 há sete
anos, contra 63.000 hoje. Ao contrário do visto temporário, o
permanente não exige renovação periódica e não
estabelece limite máximo de permanência no país.


DE OPERÁRIO A PATRÃO
Uma parcela crescente de brasileiros começa a deixar as fábricas
para tentar o próprio negócio. Foi o que fez Olga
Maeda. Ela abriu um restaurante de comida brasileira. Abaixo, uma loja de produtos
importados do Brasil e de
outros países da América Latina.

 

 

Os primeiros dekasseguis brasileiros chegaram ao Japão há vinte
anos. Nesse período, muita coisa mudou, a começar pelo seu estilo
de vida: os homens sozinhos, de hábitos espartanos, que não faziam
outra coisa senão trabalhar e poupar, deram lugar a famílias com
pais, filhos – e, claro, desejos de consumo. O casal de dekasseguis Alexandre
Seiti Oto, de 28 anos, e Rosemeire da Rocha Oto, de 25, moram há cinco
anos em Oizumi (localizada na província de Gunma, a cidade tem a maior
concentração de brasileiros do arquipélago). Com duas filhas
pequenas, aluga DVDs quase todos os dias, leva as crianças para almoçar
fora nos fins de semana e já viajou com elas duas vezes para a Disney
World de Tóquio. Seriam luxos impensáveis para os operários
brasileiros que lá trabalharam nos anos 80 – como o tio de Oto,
por exemplo. “Ele ficou quatro anos aqui e juntou um dinheirão,
mas ia de casa para o trabalho e só comia rámen (macarrão
servido em caldo de legumes ou carne)”, conta o rapaz.

A vida dos pioneiros resumia-se a trabalho pesado e muita, muita solidão.
Osamu Arakaki, de 42 anos, dono de uma loja de produtos brasileiros também
em Oizumi, chegou ao Japão em 1986 para trabalhar em uma fábrica
de botões. Por diversas vezes, chegou a fazer turnos de 24 horas seguidas.
Arakaki conta que economizava cada iene ganho e só não se importava
em abrir a carteira uma vez por mês: quando comprava cartões para
telefonar para a família no Brasil. Era outro sacrifício, já
que na pequena cidade em que ele trabalhava, a central telefônica fechava
às 18h30 no sábado, antes de Arakaki sair da fábrica. “Eu
pegava um trem e viajava duas horas até Tóquio só para
ligar para os meus pais. Dormia num hotelzinho barato e voltava no dia seguinte.
A saudade era muita”, lembra.


A MAIS BRASILEIRA DAS CIDADES] Em Oizumi, na província de Gunma, quase 15% dos

42 000 habitantes são
brasileiros. Nas lojas
especializadas, até paçoca dá para comprar

“Os dekasseguis de hoje continuam trabalhando duro, mas não só
se acostumaram a gastar com diversão como já se arriscam a fazer
despesas bem mais elevadas”, afirma Kiyoharu Miike, vice-presidente da
Associação Brasileira de Dekasseguis, no Paraná. Atualmente,
mais da metade dos adultos brasileiros no Japão tem automóvel,
e uma parcela pequena, mas crescente, da comunidade tem casa própria
(3%, o triplo de 1996). “A segurança e a estabilidade financeira
que o Japão oferece são os principais motivos da permanência
dos dekasseguis aqui”, afirma o sociólogo Angelo Ishi, professor
da Universidade Musashi no Japão.

Dos 300.000 brasileiros e descendentes que moram no Japão, quase 15%
foram para lá em 1990. Naquele ano, a fila para obtenção
de visto japonês começava a se formar em frente ao prédio
do Consulado de São Paulo às 3 da manhã e, às 10,
dava voltas no quarteirão. Estimulando essa saída em massa, estava,
do lado do Japão, a nova lei de imigração que estendia
a permissão de trabalho naquele país para filhos e netos de cidadãos
japoneses. Enquanto isso, o Brasil vivia o Plano Collor, que, ao tungar poupanças
e fazer ruir negócios, teve, para muitos nipo-brasileiros, o efeito de
um pontapé. Assim, solicitado de um lado e empurrado de outro, um punhado
de descendentes de japoneses se mandou para o outro lado do mundo. De 1989 para
1990, o número de brasileiros no Japão aumentou 288%.

Hoje, é certo que esse ciclo se aproxima do fim. O motivo principal
é que, em breve, não haverá mais no Brasil descendentes
de japoneses aptos a trabalhar como operários no Japão. Boa parte
dos nisseis e sanseis – filhos e netos de japoneses – não
é mais tão jovem assim para decidir recomeçar a vida tão
longe. Já os yonseis, descendentes de quarta geração, estão
legalmente impedidos de substituir os atuais dekasseguis (que também
vão envelhecer e se aposentar), porque a lei japonesa concede visto de
trabalho apenas a descendentes de japoneses até a terceira geração.
Por causa disso, embora a população de brasileiros no Japão
continue aumentando, em breve ela atingirá o seu teto e se estabilizará.
Uma parte ficará, então, definitivamente no arquipélago.
Lá, produzirá descendentes que chamarão o Japão
de terra natal – e, para eles, o Brasil será aquele país
distante, onde tudo começou.

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