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Corpo fechado (Conto de Sagarana), de Guimarães Rosa

by Lucas Gomes

Análise da obra

Corpo Fechado

é a antepenúltima das nove novelas que compõem Sagarana, romance inaugural
da obra ficcional de Guimarães Rosa. Este é um dos contos no qual evidencia-se o universo primitivo e
fantástico do autor.

Narrado em primeira pessoa, com o narrador participando da história e tendo visão limitada dos fatos que
narra. Quem narra a estória é um médico de um vilarejo do interior. Corpo Fechado começa
propriamente no final, com Manuel Fulô contando outros casos para o doutor.

A técnica narrativa do conto é em forma de entrevista. O “doutor”, no decorrer da história, vai
entrevistando Manuel Fulô, um valentão manso e decorativo, como mantença da tradição e para glória do
arraial
.

O cenário é Laginha, arraial monótono do interior de Minas Gerais e o espaço do conto é variado,
deslocando-se a ação de um lugar para outro.

Corpo Fechado continua a problemática apresentada em São Marcos: mundo de feitiçarias e
bruxarias. Um curandeiro fecha o corpo e anulando a fragilidade do protagonista que, imantado pela fé,
vence o vilão, brutal e valente, mas sem o amparo do sagrado.

Além dessa temática, sobressai também a saga dos valentões das gerais, principalmente com o temível
Targino, e a saga dos ciganos, muito freqüente no interior.

Personagens

Médico – Narrador, mora num arraial do interior de Minas. Fez amizade com Manuel Fulô. Gostava de
ouvir-lhe as conversas.

Manuel Fulô – Sujeito pingadinho, quase menino, cara de bobo de fazenda, cabelo preto, corrido.
Não trabalhava. Gostava de moça, cachaça e conversa fiada.

Beija-Flor – Besta ruana, de cruz preta no dorso, lisa, lustrosa, sábia e mansa – mas só para o
dono, Manuel Fulô.

Das Dor – Noiva de Manuel Fulô; moça pobre, mas muito bonita.

Targino – O valentão mais temido do lugar. Era magro, feio, de cara esverdeada. Dificilmente ria.

Antônio das Pedras-Águas – Era pedreiro, curandeiro e feiticeiro.

Resumo do conto

A amizade do narrador com Manuel Fulô nasceu do nada. Solidificou-se quando o narrador descobriu que
Manuel comia cogumelo com carne. Manuel Fulô gostava de moças, de cachaça e de conversa fiada.

Beija-Flor era o orgulho de Manuel Fulô. Mais que isso: era uma espécie de complemento. Besta ruana, de
cruz preta no dorso, lisa, lustrosa, sábia e mansa – mas só para o dono. Quando Manuel Fulô ficava bêbado
– e isso acontecia todos os domingos – atracava-se ao pescoço de Beija-Flor, e a mula levava-o com todo
o cuidado. Sabia abrir porteiras.

Manuel Fulô conta ao narrador que viveu uns tempos com uns ciganos só para aprender alguns truques. Os
ciganos gostavam dele porque pensavam que ele era bobo de verdade. Com os ciganos, Manuel Fulô aprendeu
tudo sobre cavalos. Sabia transformar animal ruim em bicho de valor em pouco tempo. Quando deixou os
ciganos, passou a ganhar dinheiro negociando com animais.

Manuel Fulô contou ao narrador como conseguiu, certa vez, enganar os ciganos. Arranjou dois cavalos
imprestáveis, preparou-os, fez-lhe maquiagens para disfarçar defeitos e trocou-os por dois cavalos bem
melhores. Com isso, perdeu a freguesia. Ninguém quis mais negociar com Manuel Fulô porque ele era capaz
de enganar até ciganos.

Uma noite, o narrador e Manuel Fulô estavam bebendo cerveja na venda. De repente, entrou Targino e
caminhou na direção dos dois amigos. Pediu licença ao doutor: queria falar um particular a Manuel Fulô.
Pura formalidade, pois Targino falou bem alto, na porta da venda, a três passos do narrador:

– Escuta, Mané Fulô: a coisa é que eu gostei da das Dor, e venho visitar sua noiva, amanhã… Já
mandei recado, avisando a ela… É um dia só, depois vocês podem se casar… Se você ficar quieto, não te
faço nada… Se não… – E Targino, com o indicador da mão direita, deu um tiro mímico no meu pobre
amigo, rindo, rindo, com a gelidez de um carrasco
.

Depois da ameaça, o doutor-narrador levou Manuel para a casa dele (do doutor). Que fazer? O próprio
Manuel não via saída. Targino era valentão, ninguém podia com ele. No outro dia, enquanto Manuel ainda
se recupera do porre, o doutor saiu à procura de ajuda. Primeiro, foi à casa do Coronel Melguério. O
homem deu de ombros: se alguém tivesse coragem de enfrentar o Targino… Depois, foi a vez do vigário:
prometeu rezar. De volta, o doutor encontrou a casa cheia: eram os parentes de Manuel Fulô. Pediam ao
doutor que não fizesse nada. O correto era entregar para Deus. Maria das Dores estava sozinha com a mãe,
chamando pelo noivo.

Chamava-se Antonico das Pedras ou Antonico das Águas. Era pedreiro, curandeiro e feiticeiro. No meio da
aflição, foi ter à casa do doutor. Ali, com ar de pressa, trancou-se no quarto com Manuel Fulô. Um tempo
depois, a porta abriu-se, e Manuel anunciou com cara de defunto: entreguem a mula Beija-Flor para seu
Antônio. O feiticeiro pediu um prato fundo, brasas, linha e cachaça. Os apetrechos apareceram, e os dois
se trancaram no quarto.

Enquanto isso, Targino saiu à rua deserta e caminhava em direção à casa onde estava a Maria das Dores, a
noiva ameaçada.

Manuel Fulô, depois de algum tempo trancado no quarto com Antônio feiticeiro, saiu teso, cara de mau,
olhar fixo. E assim, caminhou para a rua: ia ao encontro de Targino. Todos ficaram assustados. Antônio
Feiticeiro explicou: Manuel Fulô estava com o corpo fechado. Arma de fogo não tinha poder sobre ele. A
mãe de Manuel pediu que segurassem o filho dela, pois seu Toniquinho pusera-o doido. “Mas ninguém
transpôs a porta”. E lá estavam os dois, Targino e Manuel Fulô, frente a frente. Manuel falou primeiro,
xingando a mãe do valentão. Mexeu na cintura e tirou dela uma faquinha quase canivete. Cresceu para cima
de Targino. Foram cinco tiros, as balas zuniram. Manuel Fulô pulou sobre Targino e aplicou-lhe várias
facadas pela altura do peito. O valentão capotou e morreu num átimo. Manuel Fulô ainda lhe deu mais
facadas, sujando-se todo de sangue.

Manuel Fulô fez um mês inteiro de festa e até adiou o casamento, pois o padre teimou que não matrimoniava
gente bêbeda. O narrador foi o padrinho.

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