Home EstudosLivros Caetés, de Graciliano Ramos

Caetés, de Graciliano Ramos

by Lucas Gomes

Análise da obra

Primeiro romance de Graciliano
Ramos, Caetés dá a impressão, quanto ao estilo
e análise, de deliberado preâmbulo; um exercício de técnica
literária mediante o qual pôde aparelhar-se para os grandes livros
posteriores. Publicado em pleno surto nordestino (1933), contrasta com os livros
talentosos e apressados de então pelo cuidado da escrita e o equilíbrio
do plano. Dá idéia de temporão, de livro nascido aos dez
meses, espiritualmente vinculado ao galho já cedido do pós-naturalismo,
cujo medíocre fastígio foi depois de Machado de Assis e antes
de 1930. Nele, vemos aplicadas as melhores receitas da ficção
realista tradicional, quer na estrutura literária, quer na concepção
da vida.

Graciliano foi mais regionalista – ou provincianista – neste
romance.

O título do livro, Caetés, é a
aproximação que faz o Autor com selvagem caeté, devorando
o Bispo Sardinha (1602-1656)) numa correspondência simbólica com
a antropofagia de João Valério “devorando” Adrião,
o rival.

Neste romance, é forçosa a aproximação
entre Graciliano Ramos e Eça de Queiros, nas notações irônicas
sobre o meio provinciano de Palmeiras dos Índios, cidade alagoana da
qual Graciliano foi prefeito.

Foco narrativo

Narrado em primeira pessoa, por João Valério.

Ação / Espaço

A ação desenvolve-se em Palmeira dos Índios.

Temática

Caetés tem uma riqueza temática que poucos
romances brasileiros de seu tempo têm. Note-se, nesse sentido, que a figura
de João Valério representa a problematização, em
alto grau de complexidade, do ambíguo papel do intelectual naquele momento
em que o país passava por fortes transformações. Alguns
críticos viram um sinal de grandeza de caráter nas inclinações
intelectuais desse medíocre guarda-livros que colabora no jornal editado
pelo padre da cidade e que durante cinco anos luta para concluir um romance
sobre os índios caetés sem nunca conseguir sair do segundo capítulo.

Enredo

João Valério, o personagem principal, introvertido
e fantasioso, apaixona-se por Luisa, mulher de Adrião, dono da firma
comercial, onde trabalha. O caso amoroso é denunciado por uma carta anônima,
levando o marido traido ao suicídio. Arrependido, e arrefecidos os sentimentos,
João Valério afasta-se de Luisa, continuando, porém como
sócio da firma. O título do livro, Caetés, é
a aproximação que faz o autor com selvagem caeté, devorando
o Bispo Sardinha (1602-1656) numa correspondência simbólica com
a antropofagia de João Valério “devorando” Adrião,
o rival. João Valério, é ao mesmo tempo, homem e selvagem:
“Não ser selvagem! Que sou eu senão um selvagem, ligeiramente
polido, com uma tênue camada de verniz por fora? Quatrocentos anos de
civilização, outras raças, outros costumes. É eu
disse que não sabia o que se passava na alma de um caeté! Provavelmente
o que se passa na minha com algumas diferenças.”

A atmosfera geral do livro se liga também à
lição pós-naturalista, onde encontramos a celebração
dos aspectos mais banais e intencionalmente anti- heróicos do quotidiano.
A intenção do autor parece ter sido horizontalizar ao máximo
a vida dos personagens, as relações que mantém uns com
os outros. Exceto o narrador, João Valério, os demais são
delineados por meio de aspectos exteriores, em que se vão progressivamente
revelando. O autor não apenas procura conhecê-los através
do comportamento, como se revela amador pitoresco da morfologia corporal, definindo-lhe
o modo de ser em ligação estreita às características
somáticas: fisionomia, tiques, mãos, papada de um olho esbugalhado
de outro, barbicha de um terceiro. Apresenta-os por esta edição
de pequenos sinais externos, completando-os aos poucos no decorrer do livro,
não sem alguma confusão, que requer esforço do leitor para
identificar os nomes chamados à baila. E assim vemos de que modo a minúcia
descritiva do naturalismo colide neste livro com uma qualidade que se tornará
clara nas obras posteriores: a discrição e a tendência à
elipse psicológica, cujo correlativo formal é a contenção
e a síntese do estilo. “Com a pena irresoluta, muito tempo contemplei
destroços flutuantes. Eu tinha confiado naquele naufrágio, idealizara
um grande naufrágio cheio de adjetivos enérgicos, e por fim me
aparecia um pequenino naufrágio inexpressivo, um naufrágio reles.
E outro: dezoito linhas de letra espichada, com emendas.” A vocação
para a brevidade e o essencial aparece aqui na busca do efeito máximo
por meio dos recursos mínimos, que terá em São Bernardo
a expressão mais alta. E se Caetés ainda não tem
a sua prosa áspera, já possui sem dúvida a parcimônia
de vocábulos, a brevidade dos períodos, devidos à busca
do necessário, ao desencanto seco e humor algo cortante, que se reúnem
para definir o perfil literário do autor.

Posts Relacionados