Home EstudosLivros Calabar – o elogio da traição, de Chico Buarque de Hollanda e Ruy Guerra

Calabar – o elogio da traição, de Chico Buarque de Hollanda e Ruy Guerra

by Lucas Gomes

Peça teatral sobre a
traição de Calabar, personagem da história brasileira que foi considerado traidor
por ficar ao lado dos holandeses na guerra contra Portugal.
 

Na década de 70, a dramaturgia nacional era alvo do mesmo patrulhamento que cerceava a liberdade de músicos, políticos, escritores, educadores e tantos outros. É neste contexto que dois importantes artistas escrevem uma das páginas mais importantes do teatro brasileiro contemporâneo. Exemplo de utilização da matéria histórica como instrumento gerador de reflexão, Calabar – o elogio da traição, de Chico Buarque de Hollanda e Ruy Guerra, é relançado pela Civilização Brasileira com novo projeto gráfico.

Calabar – o elogio da traição, escrita justamente entre os anos de 1972 e 1973, no auge da ditadura militar brasileira e as vésperas do abril florido da revolução portuguesa — o que criou obstáculos à montagem da peça — é uma alegoria histórica que se passa na época das invasões holandesas em Pernambuco, no século XVII. Aborda a questão da lealdade e da traição, numa clara alusão à conjuntura política do período em que foi escrito. Inclui canções famosas de Chico Buarque, como Anna de Amsterdã e Bárbara.

Com sensibilidade e inteligência, a peça amplia o debate ideológico de forma provocativa, irônica, quase caricatural. Os conceitos de traidor e traição, se subjetivos per se, tornam-se ainda menos palpáveis na obra de Chico e Ruy. Afinal, onde está a traição: nos mantenedores da ordem ou na rebeldia dos heróis? E quem são, de fato, os heróis e os vilões? Como escrevia Fernando Peixoto, em 1980, o texto de Calabar – o elogio da traição é “mal-comportado, e por isso estimula a elaboração de um espetáculo debochado, capaz de assumir a quase anárquica, mas organizada colagem e a justaposição de imagens e épocas”.

Com Calabar – o elogio da traição, visam divertir o público, espalhando
pontos de interrogação, dúvidas e perplexidades. Surpreendendo pelo atualizado
deboche crítico, fundamentado num confronto realista com temas essenciais de nossa
existência de nação social-econômica-política- culturalmente ainda colonizada
num tímido mas empenhado esforço de construção de uma democrática cultura nacional-popular.

Há sensibilidade e inteligência na utilização da matéria histórica como instrumento capaz de instaurar uma conseqüente reflexão que ultrapassa os limites de determinadas circunstâncias político-econômicas e amplia o debate ideológico de forma irônica, provocativa, apoiada em extrema e contagiante teatralidade, usando a postura crítica e a desmedida coragem de assumir o grotesco. A obra desmistifica o conceito de traidor e a noção vazia e abstrata de traição.

Texto escolhido

“E se vocês rirem de mim,
Se eu for alvo de chacotas e chalaças,
Se for ridículo na jaqueta de veludo
Ou nas ceroulas de brim,
Ou porque falo tanto de caganeira e bacalhau,
É bom pensarem duas vezes, porque, ainda mesmo assim,
Com lombrigas dançando dentro da barriga,
Com a Holanda, a Espanha e toda a intriga,
Eu sou aquele que, custe o que custar,
Acerta o laço e tece o fio
Que enforca Calabar.”

Posts Relacionados