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Cazuza, de Viriato Corrêa

by Lucas Gomes

A obra Cazuza, verdadeira história de um menino de escola,
de Viriato Corrêa, foi publicado pela primeira vez em 1938, e ocorreu
numa época onde grande parte dos textos infantis brasileiros parecia
comprometida com a formulação, defesa e difusão de uma
determinada imagem de Brasil e de cidadão que a ele convinha.

Não me lembro qual a minha idade quando ficou decidido que,
no ano seguinte, eu entraria na escola. Mas eu devia ser muito e muito pequeno.
Tão pequenino que não pronunciava direito as palavras e ainda
chupava o dedo e vestia roupinhas de menina.

Com essas linhas, o menino Cazuza inicia o relato de sua infância, que
há mais de 60 anos vem sendo contada em livro homônimo de Viriato
Corrêa. Na esteira da tradição dos romances de formação,
Cazuza ou a história verdadeira de um menino de escola,
como o autor afirma ter pensado em chamá-lo, disseca, em tom memorialista,
o cotidiano da escola primária no período compreendido entre o
fim do século XIX e início do século XX. Seria um bom título,
não fosse sua extensão, uma vez que a idéia da escolarização
como rito de passagem é bastante forte no livro, sendo, inclusive, o
mote de toda a história – adentrar o mundo da escola significa tornar-se
um “homenzinho” e, de uma vez por todas, “deixar os vestidinhos”
para “ganhar calcinhas de menino”.

Aproveitando o calor do momento, em que a educação revelava-se
imprescindível à formação do cidadão e à
legitimação do regime estadonovista, Viriato Corrêa finalizou
sua obra Cazuza – verdadeira história de um menino de escola,
na qual não se furtou de abordar o valor da educação formal
na constituição do cidadão. A educação é
um tema sobre o qual o autor se debruçou com cuidado – e nem poderia
ser diferente, uma vez que a obra Cazuza retrata a vida de um escolar
– contemplando, principalmente, a instituição escolar, seus professores
e a metodologia por eles empregada, num constante contraste entre a inovação
e a tradição.

É ainda num pequeno povoado, Pirapemas, onde nascera e vivera seus primeiros
anos, que Cazuza se interessa pela primeira vez por freqüentar a escola.
O menino recorda-se de que Pirapemas “era um dos lugarejos mais pobres
e mais humildes do mundo. Ficava à margem do Itapirucu, no Maranhão,
no alto da ribanceira do rio. Uma ruazinha apenas com vinte ou trinta casas,
algumas palhoças espalhadas pelos arredores e nada mais. Nem igreja,
nem farmácia, nem vigário. De civilização – a escola
apenas
”.

E se a primeira motivação para o menino Cazuza ir à escola
foi a possibilidade de passar a usar “calcinhas de menino”, como
ele confessa logo no início do livro, a segunda, certamente, foi o seu
primeiro contato com a escola, ainda em Pirapemas, que aconteceu num dia de
festa – a festa da palmatória. Vale lembrar que as festas de encerramento
escolar visavam estimular as crianças e suscitar no povo o interesse
pela escola, por isso o capricho da decoração, a solenidade dos
discursos e a alegria das crianças desfilando pelas ruas.

A escola estava enfeitada com flores e bandeirinhas, as crianças contentes
ouviam o discurso do mestre que “começava desejando que os
alunos fossem felizes durante as férias e terminava lembrando-lhes que
não se esquecessem das lições aprendidas e de nenhum dos
deveres de moral e disciplina
”.

Este contato inicial proporcionou ao menino tal sensação de
enlevo que lhe ficou a lembrança “de que a escola era um lugar
de alegria (…) um lugar agradável, que dava prazer à gente
”,
por isso foi “com o coração aos pulos, numa alegria
tão risonha
” que Cazuza recebeu de seus pais a notícia
de que, finalmente, no ano seguinte, poderia freqüentar a escola do povoado.
A notícia instigou a curiosidade de seus colegas da vizinhança
e “durante uma semana não se conversou outra coisa. O Chiquinho
entusiasmou-se. Ia também dizer aos pais que queria entrar para a escola.
O Vavá e o Maneco decidiram-se: entrariam também
”.

Conforme se aproximava a tão esperada data, a excitação
de Cazuza aumentava: mal podia conter a expectativa de partilhar aquela alegria
que julgava existir no ambiente escolar. Porém, mais que momentos alegres
e festivos, o menino ansiava por sua mudança de status: a entrada na
escola excitava-lhe orgulho, pois lhe conferia uma posição diferenciada
entre as crianças que ainda não a freqüentavam, a começar
pela exigência de um novo guarda-roupa, que foi confeccionado pela mãe:

Além das calcinhas de menino, ela me fizera uma camisa igualzinha
às camisas de meu pai (…). Havia também uns sapatos novos,
um gorro azul com borla de seda e uma blusa à marinheira.E mal me
acabaram de vestir, pus-me a passear pela calçada de minha casa,
cheio de mim como um pavãozinho que expõe o esplendor de suas
penas bonitas.

Os sapatos novos, as calcinhas de menino e a camisa “igualzinha”
à que vestia seu pai evidenciam o “abandono” do mundo infantil
de brincadeiras e poucas
responsabilidades. Até então o papel social de Cazuza consistia
em ser um bom filho, obedecer a seus pais e amar sua família. Uma vez
na escola, aprenderia a portar-se como um cidadão. Alargariam-se os limites
de sua casa: o respeito deveria ser voltado à coletividade e o amor e
a obediência que devotava a sua família deveriam ser devotados
também e, principalmente, à sua pátria, como prescrevia
o ideário estadonovista.

Neste sentido, a entrada na escola constitui-se um rito de passagem para o
mundo adulto, simbolizado, no livro, pela concessão de um direito a Cazuza:
o de se desfazer de sua vestimenta infantil.

Transcorrem os dias e a imagem de escola como um “lugar de festa”
logo cede espaço para a realidade, e a desilusão manifesta-se
já no início do ano letivo. A construção deteriorada
pelo tempo e mal arejada, as paredes desnudas e sem caiação, a
falta de mobiliário e de material adequados tornam o ambiente escolar
bastante deprimente, como explicitam as palavras do protagonista:

A escola ficava no fim da rua, num casebre de palha com biqueiras
de telha, caiado por fora. Dentro – unicamente um grande salão, com
casas de marimbondos no teto, chão batido, sem tijolo. De mobiliário,
apenas os bancos e as mesas estreitas dos alunos, a grande mesa do professor
e o quadro-negro, arrimado ao cavalete. A minha decepção começou
logo que entrei (…) as paredes nuas, cor de barro, sem coisa alguma que
me alegrasse a vista. Durante minutos fiquei zonzo, como a duvidar de que
aquela fosse a casa que eu tanto desejara.(…) As paredes sem caiação,
a mobília polida de preto – tudo grave, sombrio e feio, como se a
intenção fosse entristecer a gente.

No dia-a-dia, nada havia de festivo na escola – descobriu muito rapidamente
Cazuza -, muito pelo contrário. As flores e os enfeites presentes no
dia da festa da palmatória não estavam mais lá e as palavras
do discurso do mestre, tão bonitas e amáveis, se transformaram
em trovões que reboavam sobre as cabeças das crianças.
Ao final deste primeiro dia de aula Cazuza estava “murcho, mole, fatigado
e triste”. Sentia-se logrado em suas expectativas, e, como ele, as outras
crianças, em cujos rostos Cazuza buscava, em vão, algum consolo:
Os meninos pareciam condenados: olhos baixos, voz assustada e dolorosa
expressão de terror na fisionomia
”. Não podia acreditar
que esperara tanto por isso…

Escola, realmente, não podia ser aquilo. Escola não
podia ser aquela coisa enfadonha, feia, triste, que metia medo às
crianças. Não podia ter aquele aspecto de prisão, aquele
rigor de cadeia. Escola devia ser um lugar agradável, cheio de atrativos,
de encantos, de beleza, de alegria, de tudo que recreasse e satisfizesse
o espírito.

O narrador parece carregar propositadamente nas tintas com que pinta a escola
do povoado – a “escuridão” do quadro metaforiza a escuridão
intelectual que grassava naquele espaço. A precariedade do ambiente evidencia
a enorme distância que separa a escola do povoado daquelas que vinham
sendo construídas nos centros urbanos, desde o início da República.
O atraso da escola freqüentada por Cazuza é denunciado pelo menino
ao relembrar que “as escolas antigamente não tinham, às
vezes, mobiliário que prestasse, material de ensino que servisse, professores
que cuidassem das lições, mas uma palmatória, rija, feita
de boa madeira, não havia escola que não a tivesse
”,
o que denota que o atraso a que nos referimos, obviamente não se restringia
às péssimas condições do espaço físico
mas estendia-se aos métodos de estudo – bastante diferentes dos modernos
processos pedagógicos que começavam a entrar em voga.

A escola do povoado evocada pelo narrador guarda muitos resquícios
das escolas de primeiras letras do tempo do Império, que funcionavam,
muitas vezes, na própria casa do professor ou em salas ou cômodos
(mal) adaptados, pouco arejados e sem iluminação adequada e cuja
despesa com aluguéis ficava por conta do próprio mestre-escola.
Este quadro permaneceu ainda nas primeiras décadas da República,
na zona rural, onde as escolas careciam de livros, cadernos, salas apropriadas
e salários para os professores.

Afastadas dos centros urbanos, as escolas isoladas, como eram conhecidas,
sobreviveram obscurecidas pelos grupos escolares que se erguiam imponentes nas
cidades.

Embora fossem de extrema importância para a difusão do ensino
alfabetizador de que a República tanto necessitava, as escolas isoladas
não recebiam a devida atenção do Estado, que as privava
de recursos. A prioridade do governo, estava claro, eram os investimentos na
melhoria do espaço urbano, como saneamento básico, iluminação,
água, transporte público, entre outras benfeitorias. O grupo escolar
não só se insere neste conjunto de melhorias, como é a
garantia do progresso da localidade que o possuía, pois era um símbolo
de modernização cultural, irradiador de um dos mais caros valores
urbanos – a cultura letrada.

O narrador já se ocupa de apresentar a escola como único símbolo
de civilização, quando apresenta ao leitor o povoado em que vivia,
perdido no interior do
Maranhão. É bem verdade que se tratava de uma escola retrógrada
e ineficiente, mas, ainda assim, era um espaço reservado ao saber, que
demarcava os indivíduos entre aqueles que a freqüentavam e os outros.
Sem perder de vista o caráter formativo de seu livro, o discurso viriatiano
segue insistindo nos benefícios e nas alegrias da escolarização.
A Escola é o passaporte para a civilidade, é a alegria da socialização
com outras crianças, é, enfim, a iniciação ao mundo
moderno.

E moderna era uma qualidade que se podia empregar ao descrever escola da Vila.
Apresentado como um grupo escolar, a escola dirigida por Dona Janoca, era bem
diferente da escola do povoado:

A escola funcionava num velho casarão de vastas salas, que devia
ter mais de meio século. Quando lá entrei, no primeiro dia,
(…) senti no peito o coração bater jubilosamente.(…) Os
salões, amplos e claros, abriam-se de um lado e de outro do vasto
corredor, com filas de carteiras escolares, vasos de plantas, aqui e ali,
e jarras de flores sobre as mesas. As paredes, por si só, faziam
as delícias da pequenada. De alto a baixo uma infinidade de quadros,
bandeiras, mapas, fotografias, figuras recortadas de revistas, retratos
de grandes homens, coleções de insetos, vistas de cidades,
cantos e cantinhos do Brasil e do mundo.E tudo aquilo me encantava de tal
maneira que eu, às vezes, deixava de brincar todo o tempo do recreio,
para ficar revendo paisagem por paisagem, mapa por mapa, figurinha por figurinha.

A extrema e constante valorização da escola em Cazuza
evidencia-se ainda neste diálogo travado entre a professora e o pai de
um menino muito “vivo, dócil, inteligente e trabalhador
que, apesar de seus doze anos, nunca havia freqüentado a escola. Seu pai,
mostrado como um homem rude, acreditava que não havia a necessidade de
um homem instruir-se, – portanto, criara seus filhos todos analfabetos. O menino
trabalhava com o pai, lenhador, por isso não podia freqüentar a
escola. A professora, inconformada, insistia:

– É um crime deixar um menino destes sem instrução.
Um pequeno que podia dar tanta coisa!
– Eu tenho necessidade dele no mato, para me ajudar.
– Ele que vá à escola depois que anoitecer, que eu, por exceção,
o ensinarei à noite.
– À noite ele quer dormir. (…)
– Lembre-se de que, sem instrução, ninguém vive.(…)
Sem instrução não há felicidade. (…) O seu
filho poderia ser muito feliz se se instruísse. Mande o pequeno para
a escola (…).
– Escola para quê? Tudo que ele precisa saber, e tudo que eu precisava
que ele soubesse, ele sabe. Na escola a senhora não tem menino mais
inteligente e sabido do que ele.
– Por isso mesmo deve instruir-se.
– Mas ele faz as coisas tão direitinho.
– Melhor as fará se tiver instrução. A perfeição
é para quem tem saber. O analfabeto, por mais hábil que seja,
nunca faz nada direito.

O desejo de freqüentar a escola, acalentado pelo menino com uma alegria
ansiosa, é traço que distingue o livro Cazuza de outros
romances escolares tornados clássicos na literatura nacional, como, por
exemplo, O Ateneu (1888), de Raul Pompéia, Doidinho
(1933), de José Lins do Rego e Infância (1945), de Graciliano
Ramos.

Em Cazuza a hora de estudar não se reveste de angústia, mas de
excitação como próprio narrador nos confessa:

Desde que me entendi, tive a preocupação de ser homem
e nunca pude me ajeitar nos vestidinhos rendados de menina.(…) E, por
amor às calças, comecei a mostrar amor aos livros.

Se, à primeira vista, a motivação que levou o menino
a entrar em contato com o mundo das letras pode parecer supérflua, ou
derivada de vaidade, deve-se olhá-la mais acuradamente. A preocupação
em deixar os “vestidinhos de menina” simboliza o desejo de Cazuza,
aliás, como o de qualquer criança, de crescer. O crescimento de
Cazuza, no entanto, vai além de seu desenvolvimento físico – compreende
a formação de seu caráter, a construção do
cidadão de que o país tanto precisava nesse momento.

O livro Cazuza foi gerado pelos ideais e pelas idéias do Brasil
dos anos de 1930 e, por isso, está comprometido com as tendências
estéticas e literárias momento, cuja tônica era o nacionalismo
ufano daquela década. Viriato Corrêa preocupava-se, em suas obras,
principalmente naquelas dedicadas à infância, com “as
‘coisas e gentes brasileiras’ e com a formação da
conduta ‘moral e cívica’ das crianças”, desvelando
aos olhos infantis um Brasil que precisava ser construído como nação.
Ao escrever Cazuza, o autor transformou em literatura os impulsos que
estavam no cerne de um movimento nacional, então em processo, “que
pode ser sintetizado na nova palavra de ordem: o deslocamento das populações
do interior para as capitais, a fim de impulsionarem, com sua força de
trabalho, a modernização do país, a industrialização
e as novas relações produto/consumo”.

O livro insere-se perfeitamente no amplo projeto que estava empenhado em construir
o Estado Nacional e o novo cidadão que a ele convinha, projeto civilizador
que já começara a ser esboçado logo nos primórdios
da República. O país modernizava-se e equipava-se para ingressar
numa nova era do desenvolvimento do capitalismo, e a educação
do povo revelava-se de fundamental importância para que esse projeto fosse
levado a cabo com sucesso. Embora a ação da narrativa transcorra
no entresséculos, são claramente perceptíveis os traços
do ideário estadonovista, que repaginou muitos dos ideais dos primeiros
republicanos como, por exemplo, a visão da educação como
a redentora de uma nação ainda atada à ignorância
e que, só através da escola, poderia o país alinhar-se
nos trilhos do progresso, pois de lá é que sairia formado o cidadão
produtivo e ciente de seus deveres para com a coletividade e para o engrandecimento
da Pátria.

É nesse contexto político e ideológico que o livro Cazuza
é gestado. Direcionada às crianças, a obra traz, num tom
fortemente didático, questões que envolvem a moral, o enaltecimento
de virtudes que devem a todo custo ser seguidas – tais como a tolerância,
a generosidade, a obediência, o respeito e a piedade – e o repúdio
aos vícios, como a mentira, a soberba, o autoritarismo, questões
essas entremeadas com noções de higiene e de saúde, com
a exaltação do amor à família, como célula
a ser mantida, pois é no seu seio que se enceta a formação
do cidadão, que será posteriormente lapidado pela escola.

O livro acompanha, portanto, os anos de escolarização de Cazuza,
cujo término coincide com o término da própria infância
– que durava o tempo do ciclo escolar, entendido como o tempo necessário
para a formação do indivíduo. Durante esse período,
as experiências vividas pelo menino, protagonista e narrador da história,
em casa, na rua e, finalmente, na escola – revelados como espaço de aprender
– proporcionam-lhe o conhecimento necessário que orientará a formação
de sua conduta ética.

À medida que o menino cresce, aumenta seu repertório de experiências,
resultado de sua interação com a família, com os amigos
da vizinhança e com os professores. Por isso, o processo de educação
de Cazuza só estará concluído quando este tornar-se “um
homenzinho”, como Viriato Corrêa se refere ao personagem ao final
do curso primário.

Adulto em miniatura, seu processo educativo encerra-se com a conclusão
do ciclo escolar: o menino estará finalmente pronto, moldado, constituído
como cidadão.

O percurso de Cazuza em busca de sua formação inicia-se com
seu ingresso na escola de primeiras letras no povoado de Pirapemas, onde nasceu.
Freqüenta, depois, a escola da Vila, em Coroatá, para onde seus
pais se mudaram, em virtude de questões de ordem financeira, e, por fim,
ingressa no Colégio Interno, em São Luís, capital do Maranhão.
Múltiplas realidades são experimentadas desde que Cazuza se torna
um menino de escola: no povoado, depara-se com uma escola desestimulante, tosca
e sem atrativos, onde o professor grita e aterroriza as crianças com
sua aliada pedagógica, a palmatória; na escola da Vila, afeiçoa-se
às duas professoras, solteiras, que nutrem pelas crianças um amor
maternal, sendo exemplos de candura, meiguice e paciência, e, finalmente,
no Colégio Interno, instituição urbana e moderna, Cazuza
entra em contato com diversos professores e enfrenta a difícil tarefa
de memorizá-los e relacioná-los com suas devidas disciplinas.

É interessante observar que o progresso escolar de Cazuza corresponde
a seu gradual afastamento do campo: do povoado para a vila e desta para a cidade,
capital do estado, o contato com o meio urbano ocorre num crescendo e, a cada
nova mudança, novas descobertas enchem o menino de alegria. Viriato Corrêa
explicita, na narrativa, o quanto o processo evolutivo da sociedade rumo aos
avanços econômicos, tecnológicos, sociais, morais e políticos,
já alcançados pelas nações mais desenvolvidas, estava
vinculado à educação, cuja função neste processo
deveria ser a de um dínamo propulsor.

A trajetória de Cazuza por estes locais e a diversidade de escolas por
ele experimentada oferecem-lhe a oportunidade de vivenciar episódios
variados, dos quais é sempre possível retirar um aprendizado.
Cenas escolares e domésticas revezam-se como pano de fundo para a abordagem
de temas julgados pertinentes à formação da conduta das
crianças, constantemente confrontadas com valores que deverão
ser assimilados e, posteriormente, reproduzidos e aplicados no decorrer de suas
vidas. Tudo é pretexto para que lições sejam desfiadas
na voz do adulto – seja ele representado pela figura dos pais, do professor,
do médico ou do pároco – este sempre muito atento e pronto a interceder,
mediando quaisquer situações de embate como, por exemplo, a suposta
superioridade do menino mais rico da sala, a tirania dos mais fortes sobre os
mais fracos, ou qualquer manifestação preconceituosa que pudesse
emergir a partir da interação das personagens.

Viriato Corrêa introduz suas personagens, principalmente as infantis,
apresentando-as por meio de traços distintivos, fortemente marcados,
o que as tornam fácil e rapidamente identificáveis pelo leitor.
Estes traços aderem de tal modo a cada uma delas, que não seria
exagero afirmar terem sido construídas num processo quase caricatural.
Portadoras de uma única característica, revelada desde logo, elas
desfilam pela narrativa encarnando virtudes e vícios que, ao serem exacerbados,
visam unicamente a um bem sucedido ensinamento.

As personagens de um romance podem ser planas ou esféricas: as primeiras
seriam aquelas que, por serem construídas em torno de uma única
idéia ou qualidade, permanecem inalteradas em qualquer circunstância.
Já as personagens esféricas seriam as organizadas com maior complexidade
e, por isso, capazes de surpreender seu leitor – pois trazem em si a imprevisibilidade
da vida. Entretanto, embora não surpreendam o leitor, essas personagens
pouco complexas cumprem exatamente seu papel dentro de uma narrativa cujo intuito
primeiro é educar e formar: o maniqueísmo das personagens em Cazuza,
ao contrário de enfraquecer a narrativa, tem por função
realçar as virtudes e os valores, que deveriam ser incorporados, e os
vícios, que deveriam ser evitados pelas crianças leitoras.

Em Cazuza, o protagonista vive algumas das experiências mais
típicas do gênero, a saber: a separação em relação
à casa paterna, a atuação de mentores e de instituições
educacionais, o encontro com a esfera da arte, experiências intelectuais
eróticas, experiência em um campo profissional e eventualmente
também contato com a vida pública, política. Embora a experiência
erótica não faça parte do universo do menino Cazuza, todas
as outras experiências citadas podem ser aplicadas à sua trajetória:
o colégio interno e o convívio com os professores desta instituição,
em especial com o Professor João Câncio, com quem aprendia além
dos conteúdos escolares, muitas lições de vida; as luzes
e as vitrines da cidade e seu teatro que permitiram à criança
roceira o contato com o Belo, e, finalmente, o contato direto com as ambigüidades
políticas, ao vivenciar o embate travado na própria instituição
escolar entre o menino rico e o menino pobre.

As inúmeras microlições que povoam o cotidiano de Cazuza
e de seus colegas vão sendo sorvidas pelos leitores à medida que
avançam em suas páginas. São ensinamentos transmitidos
didaticamente, ora de modo mais objetivo, como no discurso de um mestre, ora
de modo mais velado, através de parábolas e leituras exemplares
– lições que estão em perfeita consonância com o
momento político que o país atravessa. As experiências vividas
por Cazuza, apesar de retratarem as peculiaridades dos costumes de uma época
determinada, representam, em essência, a necessária experiência
a ser vivida por todas as crianças: a de crescer e se tornar um adulto.
Paralelamente a essa experiência do indivíduo em seu processo de
crescimento ‘natural’ e cultural, corre a experiência da nação,
que vai se modificando através dos tempos. Assim, as transformações
privadas e particulares do protagonista imiscuem-se com essas modificações,
confundindo-se com a amplitude das transformações públicas
e gerais da nação. Desse nexo, surge o homem novo de um mundo
novo, mas ambos – indivíduo e sociedade – emergem de tal maneira conectados
que o destino de um se exprime no desenvolvimento do outro, inscrevendo, a biografia
privada, os seus sinais no devir histórico.

E é dentro deste movimento dialético que ressalta-se as discussões
de Viriato Corrêa sobre a Pátria, o Trabalho e a Educação
que perpassam toda a narrativa de Cazuza. Acredita-se que a forma como
estão entrelaçadas estas temáticas as torna de extrema
importância no ideário estadonovista: o engrandecimento da Pátria
é fruto do trabalho do cidadão educado, instruído e moldado
pela escola.

A questão da Pátria é generosamente contemplada em diversas
circunstâncias ao longo do livro. São, porém, os capítulos
intitulados “Que é Pátria”, “Que é Brasil”
e “A obra dos brasileiros” aqueles que traduzem de forma mais explícita
as questões que Viriato Corrêa julga interessantes para a formação
do caráter infantil e é, neles, principalmente que vou me ater
para a discussão do tema Pátria. Tais capítulos estão
impregnados de um nacionalismo eufórico e de um civismo
ímpar, bastante condizentes com o momento histórico.

O tema em questão surge, no capítulo “Que é Pátria”,
com a discussão, em sala de aula, sobre um dos símbolos pátrios
– a bandeira nacional – sugerido pelo professor como tema de uma produção
de texto:

– O tema que eu vou dar para a composição de hoje, (…),
além de belo, deve ser grato para vocês.
E escreveu no quadro-negro: A Bandeira Nacional.
De ponta a ponta das carteiras as fisionomias se alegraram.

A alegria compartilhada pelos alunos provém, primeiramente, do fato
de que discorrer sobre a bandeira nacional seria uma novidade em relação
aos velhos temas de composições enfadonhos e inexpressivos a que
eram sempre submetidos, mas, principalmente, porque esse seria um tema de fácil
execução. A facilidade ao executar a tarefa proposta pelo professor
revela o apreço e o orgulho que estas crianças nutrem pelos símbolos
pátrios, aqui representados pela bandeira nacional. Pegas pelo coração,
asseguram não lhes faltar assunto quando o tema lhes é tão
caro, e explicitam isso enquanto elaboram seus textos, anunciando que “com
um tema dessa ordem a pena corre sobre o papel”, ou que “não
há caiporismo” que os impeça de fazer bem esta tarefa.

Em Cazuza, Corrêa também procura resgatar o passado histórico,
com o intuito de reforçar o sentimento nacionalista. Assim, o professor,
durante as aulas, não poupa os alunos de uma rememoração
incansável sobre os feitos de nossos heróis, arrolando desde nossos
primeiros patriotas, os defensores do solo brasileiro, como Estácio de
Sá, Mem de Sá, Araribóia e Jerônimo de Albuquerque
e a coragem desses homens para expulsar os franceses do Rio de Janeiro e do
Maranhão, assim como os pernambucanos que arrasaram o domínio
holandês no Norte, até chegar a um herói anônimo,
um voluntário da Guerra do Paraguai, que era gratificado com um pequeno
soldo que a nação lhe pagava por ter lutado em defesa da pátria.

O capítulo que retrata o episódio deste voluntário de
guerra merece ser comentado. Em poucas palavras, pode-se dizer que o capítulo
apresenta um soldado brasileiro – o voluntário – vigiando um prisioneiro
paraguaio. Estando apenas os dois homens frente a frente, eles começam
a conversar, e da simpatia para a piedade é um curto passo: o soldado
brasileiro liberta o prisioneiro paraguaio. A passagem dos anos, porém,
não apaga da memória do nosso soldado este seu ato, e uma dúvida
martela sua mente: Seria correto apiedar-se de um inimigo da pátria?

O padre que ouvia o voluntário tenta apaziguar seu espírito,
dirimindo sua dúvida – que poderia ser a dúvida de qualquer cidadão
ciente de seus deveres para com sua pátria:

Nunca pode ser um ato mau aquele que é um ato de piedade humana.
No mundo não deve haver povos amigos, povos inimigos; só deve
haver irmãos.
O bom patriotismo é aquele que se pode praticar juntamente com a
fraternidade. Porque o bom patriotismo não é o que vence as
guerras, mas o que realiza a paz e a concórdia dos homens. (…)
O seu procedimento seria belo em qualquer ocasião e mais belo foi
por ter sido na guerra. Na guerra o fim é destruir. Não há
clemência, não há humanidade. E você, na guerra,
teve um gesto de misericórdia. (…)
Pode ser que, para os homens, você seja um criminoso, mas para Deus,
que não nos fez inimigos e, sim, irmãos, você praticou
uma nobre ação.

Percebe-se, mais uma vez que, para Viriato Corrêa, o patriotismo não
pode ser incondicional. O autor já deu mostra disso no episódio
que retrata as belezas naturais do país, que não deveriam ser
exaltadas sem razão. Exaltar o que me pertence, apenas porque é
meu, não é patriotismo – ser patriota é reconhecer, por
exemplo, que “a natureza brasileira não é nenhuma perfeição
de doçura e amenidade”, ou que “não temos ferro, não
temos petróleo, não temos outros minerais que são a riqueza
real do mundo”, mas, por outro lado, temos a verdadeira riqueza que “é
aquela que está nas mãos do homem”, ou seja, a sua capacidade
para encarar os problemas da pátria, buscando solucioná-los.

Assim como faz com as virtudes, Viriato elege alguns valores a serem trabalhados
com seus pequenos leitores. O ideal de liberdade é um deles e pulsa forte
na escrita desse autor, que tem bastante firme a idéia que os brasileiros
trazem em seu caráter o gérmen da liberdade.

Em Cazuza, o discurso viriatiano também consagra várias
linhas à defesa da liberdade, cujo valor é exaltado tanto através
de situações corriqueiras, quanto através de fatos importantes
para a história do país. Singelo, porém revelador, é
o episódio em que o menino Cazuza, desobedecendo sua mãe, prende
num alçapão um corrupião que “andava a cantar, todas
as manhãs, na cerca da casa de moer cana”. A mãe do menino
se contraria:

– Cazuza, eu já te disse que isso não se faz!(…)
– Mas este não foi tirado do ninho expliquei-lhe. Já é
grande, não tem mãe.
– Mas tinha liberdade e tu lhe roubaste a liberdade. Deus fez as aves para
viverem livremente no espaço e tu queres encerrá-las nas grades
de uma gaiola.
– Mas eu lhe dou comida, água, tudo, acrescentei. Ela pegou-me pelo
braço.
– Onde mamãe vai me levar? Indaguei assustado.
– Vou prender-te no quarto, uma semana, (…) um mês.
– Não, não! Bradei.
– Mas eu te dou água, comida, tudo. Por que não queres?
– Porque é ruim, respondi. Assim não brinco, não corro,
não vejo nada.
– Ah! Exclamou mamãe. Então a comida, água, não
bastam. É preciso a liberdade que tu não podes dispensar,
é a liberdade que queres tirar ao corrupião. A prisão
que te assusta é a prisão que queres dar ao pássaro.

A conclusão a que a mãe induz o filho a chegar é a de
que não basta prover, suprir um ser com as necessidades mais básicas
de sobrevivência, se ele não puder provar o sabor de ser livre.

Cazuza, sintonizado com seu tempo, capta e traduz as principais questões
do momento sobre esse tema. O livro enfatiza, em variadas situações,
a idéia de que o trabalho honesto dignifica e enobrece o homem, e isso
diz respeito tanto àquele que executa a atividade quanto ao que a contrata;
afinal, o contratante, ou seja, o patrão, é aquele quem propicia
ao empregado construir sua própria riqueza.

Exemplar é o episódio que narra a briga, no recreio, entre dois
colegas de classe, um rico e um pobre. Desnecessário dizer que o rico
é apresentado como
“pretensioso”, pois “olhava os companheiros por cima dos ombros”,
e egoísta, aquele para quem “não existia a camaradagem”,
ao passo que o pobre tem de
seu apenas o “brio de cumprir seu dever de estudante”. A contenda
acirra-se e logo se desvia para a questão da suposta superioridade do
garoto rico:

– Não lhe dou pancadas porque não me troco com você.(…)
– Não se troca comigo, por quê? Pensa que tem o rei na barriga?!

A professora, que com “um psiu enérgico fê-los parar”,
acode veemente:

– O trabalho honesto não diminui ninguém. Eleva. O pai
de Custódio sendo carreiro de seu pai não está recebendo
nenhum favor.
Um precisa de serviço; o outro, de dinheiro. Há uma troca
entre os dois. Seu pai dá o dinheiro de que o pai de Custódio
necessita; o pai do Custódio faz o serviço de que seu pai
tem necessidade.
Seu pai, como prefeito, não recebe um pequeno ordenado, a que chamamos
subsídio? É uma troca. Ele dá o seu trabalho ao povo;
o povo dá-lhe uma determinada quantia pelo seu trabalho. E o trabalho
do pai do Custódio é tão honesto como o trabalho de
seu pai.

É interessante perceber que, em Cazuza, a eclosão dos
conflitos dá-se, invariavelmente, na presença de adultos – sejam
eles os pais, os professores ou mesmo o
padre – os quais, por estarem sempre com olhos e ouvidos muito aguçados,
atuam de forma quase imediata e bastante pontual sobre os problemas, garantindo
sua supressão. Sufoca-se o conflito antes que ele se desenvolva e atinja
proporções “indevidas”, numa artimanha semelhante
à que se pretendia que ocorresse nos espaços fabris, onde se vivia
um clima de suspeição generalizada que legitimaria uma vigilância
freqüente. Os adultos educadores de Cazuza se assemelhariam ao
Estado protetor de Vargas, aquele que, a exemplo desses adultos em constante
vigília, tutela os conflitos da sociedade.

A saúde e a integridade física e mental do trabalhador brasileiro
não poderiam ser deixadas de lado em Cazuza. A narrativa de
Viriato não se furtou de abordar situações que envolvessem
a saúde e os hábitos de higiene, explicitando serem eles fatores
intrinsecamente relacionados ao progresso do país. É com este
intuito que nos é apresentada a personagem Pata-choca, por exemplo, um
dos internos no colégio de Cazuza, cuja função é
trazer à luz a questão da saúde do cidadão, em especial
do cidadão-trabalhador.

O menino era “o aluno mais atrasado da escola. Havia bastante tempo
que lá estava e não conhecia, sequer, as letras do alfabeto”.
No povoado em que vivia, Pata-choca era encarado com um misto de consternação
e indiferença – a indiferença reservada àquelas criaturas
de quem não se espera coisa alguma. Todos acreditavam que ele era “o
modelo do menino que não dá para nada”, por isso ele carregava
nos ombros o pesado estigma da inutilidade e do vício:

Era um pequeno amarelo, feio, desmazelado, carne balofa, olhos mortos,
barriga muito grande e pernas muito finas. Vivia silencioso, boca aberta,
cochilando nos bancos, com um eterno ar de cansaço, como se a vida
lhe fosse um grande sacrifício. Mas nada o corrigia. Ao apanhar distraídas
as pessoas de casa, atirava-se aos torrões de terra, comendo-os gulosamente.

Os sintomas da ancilostomose, que num passado não tão distante
já preocupara, e muito, as autoridades sanitárias e até
mesmo os intelectuais do país, são detalhadamente apresentados,
bem como os encaminhamentos que se deveriam dar a casos deste tipo – consultar
um médico, tomar remédios, ter hábitos de higiene – numa
bem sucedida tentativa do autor de alertar a população e conduzi-la
a uma vida mais saudável. A ignorância e o preconceito devem ser
combatidos, pois eles não permitiam ao pai enxergar a doença do
filho, creditando à sua vontade voraz de comer terra uma sem-vergonhice,
um vício. Poucas páginas adiante aparece no povoado um médico.
Viriato Corrêa faz uso freqüente desta prática em Cazuza,
que é a de não deixar o leitor esquecer-se dos problemas levantados
na narrativa antes que eles sejam, de algum modo, resolvidos, prática,
aliás, condizente com a intenção educativa/formativa do
livro.

Desta forma, o surgimento providencial do médico, casualmente a bordo
do “vaporzinho” que aporta no povoado carente de um sistema de saúde,
é a chance de
redenção de Pata-choca. O diálogo travado com o pai do
menino aponta para a necessidade de se estar alerta aos males do corpo:

– Como deixou o menino ficar neste estado? É preciso curá-lo
e curá-lo com presteza. (…)
– Ele não é doente, doutor! O que ele é, é sem-vergonha.
Está assim porque come terra. (…)
– Ele come terra é porque está assim. O que esta criança
tem são bichas. As bichas é que o fazem comer terra. (…)
São os vermes, no estômago e no intestino, que obrigam esta
pobre criança a ter desejos esquisitos de comer coisas extravagantes.
O senhor com certeza dá-lhe bordoada.
– Sim, doutor, para lhe tirar o vício.
– Não adianta nada. (…) O que adianta é remédio.
O que é preciso é curá-lo.
No dia em que deixar de ter vermes, deixará de comer terra. (…)
É bem possível que neste menino mole e triste esteja uma criatura
alegre e inteligente. Dê-lhe remédio para lombrigas.

O diagnóstico do médico é certeiro e suas palavras, proféticas:
dezenas de páginas depois, quando Cazuza já freqüenta o colégio
na capital, reaparece Pata-choca. Ele “estava irreconhecível”:
tornou-se um menino saudável, cheio de vontade e ativo, “com uma
brilhante expressão de inteligência nos olhos” e atende,
agora, pelo nome de Evaristo. A mudança de nome vem completar a transformação
pela qual o menino passou, selando definitivamente o passado de vergonha e tristeza.
Livre da doença e, conseqüentemente, livre dos estigmas, o menino
insere-se perfeitamente na escola, de onde sairia pronto para contribuir com
sua parcela, como um homem são, produtivo e que, portanto, merece ser
valorizado socialmente, porque é um verdadeiro trabalhador.

A preocupação com a formação do professorado é
outra questão que emerge das páginas de Cazuza, ao explicitar,
por exemplo, que a diretora da escola da vila, para onde o menino se mudara
com seus familiares, tinha feito um curso na capital, que a ensinara a trabalhar
com as crianças. Conhecida por abolir de sua escola os castigos físicos,
a jovem diretora era questionada por muitos adultos da comunidade – claros representantes
da ala retrógrada – sobre seus métodos, pois estes adultos não
podiam compreender que diretora não tivesse o costume de castigar os
alunos. A sua resposta era a de que preferia fazer os alunos estudarem usando
os meios brandos, o estímulo e o exemplo.

Dona Janoca, a diretora, recebeu-me com o carinho com que se recebe
um filho. Os meninos e as meninas, que me viram chegar, olharam-me risonhamente,
como se já tivessem brincado comigo.
Eu, que vinha do duro rigor da escola do povoado, de alunos tristes e de
professor carrancudo, tive um imenso consolo na alma.
A escola da vila era diferente da escolinha do povoado como o dia é
da noite.
Dona Janoca tinha vindo da capital, onde aprendera a ensinar crianças.
(…)
Havia em suas maneiras suaves um quê de tanta ternura que nós,
às vezes, a julgávamos nossa mãe.
Sua voz era doce, dessas vozes que nunca se alteram e que mais doces se
tornam quando fazem alguma censura.
Mostrava, sem querer, um grande entusiasmo pela profissão de educadora:
ensinava meninos porque isso constituía o prazer de sua vida.

Fonte: Ana Elisa de Arruda Penteado, mestra em Literatura, UNICAMP

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