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Chapadão do Bugre, de Mário Palmério

by Lucas Gomes

Análise da obra

Chapadão do
Bugre

, o segundo romance de Mário Palmério, onde figura José
de Arimatéia, é um romance baseado numa história real e
misteriosa ocorrida no interior de Minas Gerais no início do século,
fato que não seria relevante se o povo da cidade em que tudo ocorreu,
Passos, não acabasse por eleger a obra de Palmério como a mais
original das versões sobre o episódio. Este foi o romance para
o qual vinha colhendo, desde o êxito de Vila dos confins, abundante
material lingüístico e de costumes regionais, e que recebeu de toda
crítica os mais rasgados elogios. Lançado em outubro de 1966,
o romance teve inúmeras edições.

Mais amadurecido no manejo da composição, atuando
com desembaraço e verdade no levantamento dos tipos mais expressivos
de sua galeria de personagens, Mário Palmério, como este chapadão
do Bugre, confirmou sua condição de ficcionista de ato nível,
de escritor capaz de transpor para a literatura a linguagem e os costumes do
homem do interior. Altamente dramático, cruel e violento, o romance prende
o leitor pela sua trama, mas é o tom de conversa entre compadres que
o torna inesquecível.

Foco narrativo

Narrado em 3ª pessoa, paralela à qual coexiste a
“consciência” de Camurça, a mula de montaria que visualiza
o sentido de toda a trama – inclusive sua própria morte, como ocorre
com os protagonistas de O coronel e o lobisomem e Sargento Getúlio
, Chapadão do Bugre é, sob o ponto de vista da
estrutura narrativa, bastante insólito, rompendo os esquemas tradicionais.

Linguagem

Lingüisticamente, de todas as obras da nova narrativa é,
ao lado de A pedra do reino, a que menos se desvia da norma culta do
português, apesar de ser forte, nos diálogos, a presença
de um linguajar caboclo-sertanejo.

Chapadão do Bugre recompõe o tecido vocabular
de nosso interior, de que constituem exemplos frisantes expressões como:
“O caminho que eu cortei tava sem sintoma”, “Ia deixando que o Zé Calixto
espalhasse o fiz-e-aconteci particular lá dele”, “Era como se fosse um
descuidoso caminho aberto de recém”, “…o bom gênio da polícia
– acomodada e pouca”, “Viagem de boca não faz despesa”.

Tema

No que diz respeito à temática, Chapadão
do Bugre
, como afirma um crítico, apresenta a destruição
do reino dos coronéis e dos jagunços:

Uma força estranha e impiedosa, representada pelo
capitão Eucaristo Rosa, se abate sobre o sertão, destruindo tanto
os coronéis e suas práticas políticas clientelísticas
como o jagunço José de Arimatéia, sem que ninguém
(…) possa chegar a entender as normas do novo mundo que se estabelecia no
sertão. Apenas Camurça, a mula de José de Arimatéia,
percebe, à hora da morte, a realidade. E o faz do ponto de vista dos
marginais e oprimidos do sertão. Mas é tarde e a destruição
é inexorável”
(João H. Weber).

Enredo

Em Chapadão do Bugre, Mário Palmério
forja a monumental e trágica história de um cavaleiro solitário
do sertão brasileiro, que vaga por uma terra adubada com sangue, onde
florescem a intolerância, a violência e a crueldade.

Como nas tragédias clássicas, o destino brinca
com vidas humanas, e conflitos sucessivos jogam uns homens contra outros, num
vendaval de violência e morte do qual nem os poderosos chefes políticos
do lugar são protegidos. Alimentando tudo, o furioso desejo de conquista
da terra e do amor.

O romance nos leva ao interior do Brasil, mostrando-nos, com
riqueza de detalhes, uma sensacional história onde o drama pessoal e
a luta de interesses políticos se misturam. O autor consegue traduzir
os pensamentos dos personagens, seus egos e mostra até o que um animal
de montaria “pensa” a respeito da situação em que seu
montador se encontra.

Trecho da obra

A CHACINA

Acostumado a levantar-se cedo e ir logo ao Forum, Seu Juca
Meirinho ali chegou pouco antes das sete da manhã, malgrado o frio e
a ausência do Juiz de Direito.

Sabia da reunião marcada para as oito horas entregara,
na véspera, por ordem do Dr. Damasceno, a chave da porta de entrada do
sobrado ao Sargento-Ordenança e desejava, agora, pôr-se à
disposição do delegado militar. Abriria o café do vão
da escada e, vez ou outra, acharia desculpa para ir até o andar de cima,
conforme recomendara o doutor, a fim de verificar se não tentavam fuçar
pelo quartinho fechado, cheio de roupas e outras coisas particulares, além
de tanto livro e papelada.

A porta estava aberta, de sentinela embalada. Mais velho que
o sobrado era o Juca Meirinho varredor e cafeteiro no antigo Fórum, e
já rapazote e já taludo, quando da construção e
instalação do novo o prédio acabou como por ser casa, coisa
sua, e o oficial de justiça foi entrando, distraído, pensando
no café do Capitão e das outras pessoas por chegar.

Alto! o cavalariano atravessou-lhe o passo.

Assustado com o berro, a feia catadura e a declarada má-inclinação
da sentinela a fera estava armada de máuser, sabre e mosquetão,
as cartucheiras pesadas de tanta bala mal pôde o Juca Meirinho gaguejar:

Mas eu sou o oficial de justiça… O doutor… O Doutor
Juiz de Direito…

Aqui não tem juiz de direito nenhum! O Forum ’tá
requisitado. Se arretire!

O jeito era afastar-se, como ordenava o soldado, e foi o que
fez o Juca, sem abrir mais a boca, cruzando a Praça e indo postar-se
na esquina da confeitaria. Quando aparecesse o Capitão reclamasse o café,
que viessem ali chamá-lo… E, se o homem azedasse, paciência!:
o volantezinho malcriado da porta do Forum, então, que ouvisse…

Erguia-se a manhã, ainda fria e nevoenta, e principiava
a encher-se o Largo das Mercês. Abriam-se as portas da Confeitaria do
Cucute, as das lojas e outras casas de negócio abriam-se as janelas dos
sobrados que davam para a Praça. Iam e vinham as normalistas descia dos
altos o povo do comércio, subiam os que voltavam do Mercado.

Encostava-se ao ponto o primeiro carro-de-praça, quando
o relógio da Matriz deu as sete horas, e começou a apitar a serraria-carpintaria
do Seu Costinha da Força-de-Luz, lá no Alto da Estação.

Mais um dia! pensava o Juca Meirinho, de pé na esquina,
curtindo a mágoa causada pelos gritos da sentinela. Felizmente, porém,
o Governo já havia mandado chamar, com urgência, o doutor… Seu
Polinésio da Estação falara, muito em segredo, na véspera,
depois que partira o Dr. Damasceno, sobre um telegrama do Dr. Tancredinho para
o pai, o Coronel Americão: as coisas, na Capital, corriam bem, pois o
rapaz se declarava muito satisfeito… Decerto a viagem o Dr. Damasceno Soares
era para fecharem, por lá, algum acordo, acertarem tudo com o Coronel
Americão, mandarem embora o Capitão Eucaristo e a soldadesca dele…

Sim concordava com Seu Polinésio da Estação
o Juca Meirinho o Dr. Damasceno, pessoa tão religiosa, não podia
estar apoiando, no íntimo, as barbaridades da Captura: o Dr. Jojoca,
coitado criatura tão alegre, um mão-aberta, brincalhão…
O inofensivo do Quincota, esse, o mal dele era somente aquela mania de futricar,
meter a colherzinha-torta onde não devia… Que limpassem a cidade do
banditismo, que se pusesse um freio aos abusos do Coronel Americão Barbosa…
havia mesmo necessidade de um pouco mais de energia por parte do Governo…;
mas sem tanta malvadeza e violência! Prenderem o Clodulfo era merecido:
culpado de tudo, o alma-negra de Santana do Boqueirão, o espírito-mau
que atuava na sombra… Sim. Precisavam de acabar com tanto crime, tanta jagunçada:
não passava uma semana sem nova façanha da quadrilha do Cludolfo:
a última Santana do Boqueirão inteirinha já sabia dela
a história do José de Arimatéia em Campanário…

Passou pela esquina o Xico das Moças murchozinho, as
mãos cruzadas nas costas, olhando pro chão, parecia até
que falando sozinho. Oito filhas-mulheres, o azarado! E todas solteiras ainda…
Decerto nem dormir ele não podia mais, com o fechamento da Lotérica…
Viver, agora, de que, o pobre do Seu Xico? Sustentar de que maneira a mulherada
em casa, se a única ocupação que sabia ele desempenhar
era vender bilhete e encher talão de bicho?

Chegou à esquina Seu Lamartine da Farmácia, o
Brasilino da Tinturaria, o Aracífico da Gráfica. De charrete,
passou o Zé da Vó, carregado de menino, vindo da chácara,
com certeza. Outro que perdera a minazinha, o Zé da Vó: o ponto
mais movimentado do centro da cidade, o invejado Elefante de Ouro, com mais
de vinte cambistas… Além do bicho, o víspora, e mais o buzo
e o jaburu nos fundos…

Deus havia de ajudar porém suspirou o Juca Meirinho.
O Dr. Damasceno acharia jeito de normalizar, na Capital, a ruim situação,
deixar, pelo menos, aberto o jogo… Ali estava ele sim, ele também,
Seu Juca Meirinho do Forum com um rombo danado na feriazinha… Brincando, brincando,
eram lá os seus oitenta, os seus cem-mil-réis o que rendia, em
comissão, e todo mês, o talãozinho dos advogados e do pessoal
aos cartórios justo o que pagava do aluguel de casa.

Os primeiros a chegar passava pouco das sete-e-meia foram o
Capitão Eucaristo Rosa e o Sargento Hermenegildo. De passo descansado
atravessaram pelo meio do Largo sem se deterem na esquina ou na confeitaria
e entraram logo no Forum.

A notícia da reunião correra pela cidade, e começava
a juntar mais gente na Praça, nas portas das casas de comércio,
nas janelas. Próximos do Forum, na calçada, a porção
de cavalarianos do Destacamento de Capturas, armados e municiados fartamente
se via pelas cartucheiras estufadas, pendentes dos cinturões.

Demonstração de força era o comentário
geral. Maneira d’o Capitão Eucaristo obrigar o Coronel Americão
a ceder a tudo, sujeitar-se por completo às imposições,
entregar à Captura os jagunços que faltavam. Todos já estavam
a par das boas notícias mandadas ao pai pelo Dr. Tancredinho, e do telegrama,
também, chamando o Juiz de Direito. Não demoraria a ordem para
que a Captura se retirasse de Santana do Boqueirão. E o Capitão
Eucaristo aproveitava o pouco tempo que lhe restava: iria embora, iria, mas
depois de dobrar a arrogância do Coronel Americão, deixar o chefão
de Santana humilhado, desmoralizado por completo…

Cederia o Coronel? Afinaria frente ao aparato da Captura e
às ameaças do Capitão? perguntavam, a si mesmos e uns aos
outros, os santanhenses reunidos no Largo das Mercês, parados de curiosidade
e expectativa.

Não eram ainda as oito horas quando apontaram na esquina
do alto da Praça certamente que vindos da casa do Coronel Américo
Barbosa, concentrados ali, primeiramente os chefes do Diretório convocados
pelo Capitão Eucaristo Rosa. Quase todos, ausente do grupo apenas Seu
Valério Garcia, o Delegado Municipal. Na frente, os principais: o Coronel
Americão e o Coronel Calixtrato, este de bengala e chapéu-panamá,
emproadão e pedante como sempre. Atrás, os outros três:
o Major Hipólito, Seu Josué Malaquias e o Coronel Ludgero Alves.

Desciam o Largo pela calçada da Força-e-Luz,
atravessavam-no junto ao ponto dos carros-de-praça, passaram pelos soldados
espalhados nas imediações do Forum. Entraram no sobrado como se
em um daqueles dias de eleição, na hora de encerrá-la,
lavrarem as atas e combinarem o foguetório, a passeata… alguém
se lembrou. Sim, apenas os chefes do Diretório do Coronel Américo
Barbosa podiam, nessas ocasiões, entrar no edifício guardado pelos
jagunços de carabina: a oposição que esperasse do lado
de fora, se estrebuchando de raiva, ciente já do resultado…

À porta do sobrado, a sentinela; dentro, no saguão
dos cartórios e ao pé da escada, outro volante um cabo, embalado
também. Ninguém mais.

Podem subir… o Cabo Zeca Branco disse. O Capitão já
’tá esperando lá em cima.

Subiram os dois lances da escadaria. No topo, à porta
do salão de júri, o Sargento Hermenegildo:

Os senhores entrem… Vou avisar o Capitão Comandante…
Mas, ’tá faltando um…

Seu Valério Garcia já deve de ’tar chegando o
coronel Americão disse. Mandou me avisar que vinha direto pr’aqui…
Ele mora logo em frente, na esquina da igreja…

Os cinco assentaram-se em torno da mesinha onde o Juiz de Direito
costumava presidir às audiências e ouvir as testemunhas. O Sargento
apressou-se em vir avisar o Capitão da chegada do coronel e companheiros.
O Delegado Especial Militar estava no gabinete reservado, do Doutor Juiz de
Direito o Sargento Hermenegildo explicara, antes de deixar o salão.

Demorou-se, porém, muito pouco, voltando com a ordem
do Capitão Eucaristo:

O Capitão Comandante quer falar primeiro com o Coronel
Américo Barbosa… Em particular…

Vazio o corredor, apenas mais outra sentinela um praçazinho
miúdo, preto tal qual o Sargento Hermenegildo , essa colocada junto à
porta fechada do gabinete do Juiz o Coronel Américo Barbosa observou,
enquanto caminhava seguido do Ordenança. O soldadinho entreabriu a porta,
esperou que o coronel entrasse, espremido, por ela, e fechou-a novamente. O
Sargento voltou ao salão de júri.

Correram alguns minutos. A sentinela foi então quem
veio chamar:

É para ir também o Coronel Calixtrato.

Me acompanhe! ríspido, feio, o Sargento Hermenegildo
ordenou.

Lá se foi também, chapéu-panamá
e bengalão nas mãos, escoltado pelo Ordenança, o Coronel
Calixtrato Barbosa. A sentinela abriu-lhe meia porta repetiu a cerimônia
e o Agente Executivo de Santana do Boqueirão entrou na saleta do fundo
do corredor.

Nesse meio-tempo, o Coronel Ludgero Alves, incomodado com a
demora do Valério Garcia já havia dado as oito horas o relógio
da Matriz levantara-se e fora até a uma das janelas do sobrado para olhar
o Largo. Espiou, primeiro, para o relógio cinco minutos já de
atraso! e avistou, em seguida, o Valério que cruzara o jardim, apressado,
pelos lados do coreto

O Coronel Ludugero! chamou, alto, da porta do salão,
o Sargento Hermenegildo, depois de receber outro recado da sentinela. Me acompanhe!

Tratados que nem menino de escola!… mal se continha, remoendo
o ódio, o velho Coronel Ludugero Alves. Fazendo chamada, o atrevidaço
do Capitão, e por um crioulão boçal daqueles…

Mas deixou a janela e acompanhou o Ordenança pelo corredor.
Chegados à porta fechada do gabinete do Juiz de Direito, a sentinela
levou a mão à maçaneta.

Foi quando o Coronel Ludgero Alves viu então: debaixo
da porta, infiltrando-se pela fresta rente ao assoalho, a coisa começava
a escorrer sobre as tábuas larga e grossa, e vermelha bicazinha… Sangue!
o velho, de instantâneo, tudo percebeu: o Americão, o Calixtrato!…
Num arranco inesperado para trás, conseguiu esgueirar-se por entre o
sargento e a sentinela, e tropegar rumo à escadaria:

’tão matando a gente! ’tão matando! o Coronel
Ludgero disparou a gritar que nem um alucinado.

Mas não conseguiu alcançar nem o fim do primeiro
lance da escada, lento de pernas, idoso demais para vencer os degraus estreitos
e quase a pique. Alcançado pela linda pontaria do Sargento Hermenegildo,
caiu por ali mesmo, picado pela rajada seca dos terríveis tiros curtos,
de aço, de pistola-máuser.

Logo ao primeiro grito do Coronel Ludgero Alves, muitas portas,
até então fechadas, se escancararam, ali por dentro do casarão
do Forum. Do gabinete reservado, onde haviam sido massacrados os coronéis
Americão e Calixtrato, saíram três cavalarianos, mascarados
de sangue, machadinha em punho um deles o Cabo Salvador, o que, trepado na cadeira
colocada atrás da porta, fora incumbido de golpear, em primeiro e na
cabeça, à medida que entravam os condenados ao abate, conduzidos
um por um pelo Sargento Hermenegildo. O Capitão Eucaristo Rosa, esse
rompeu, carabina engatilhada, do banheiro pegado ao quarto de dormir do Juiz
de Direito, na outra ponta do corredor. Da saleta dos advogados, vizinha ao
salão do júri, do cômodo ao lado da escadaria depósito
da papelada velha dos cartórios das sentinas do andar de baixo, do café
de Seu Juca Meirinho… de todos os cantos e desvãos saltaram os volantes
da Captura, açulados mais ainda pelos tiros da pistola do Ordenança.

Encantoados no salão, restava ao Major Hipólito
e ao Josué Malaquias apenas a janela aberta pelo Coronel Ludgero, na
hora em que fora ele olhar as horas e a Praça, preocupado com o atraso
de Seu Valério. Para ela arremeteram-se os dois.

Das sacadas dos outros sobrados da Praça, das esquinas
e calçadas, viram-nos tentar a escapada… a desesperada proeza de quererem
galgar o peitoril, montá-lo, atirarem-se janela abaixo. Os pobres: velhos,
encarangados de juntas… Muita gente assistiu aos dois como que a lutar um
com o outro, se atrapalharem, se espremerem… enquanto, de dentro do sobradão,
recomeçavam os tiros, rápidos, repetidos. Sim, venceram o parapeito
da janela, galgaram-no sim, o Josué Malaquias e o Major Hipólito:
transpuseram-no, precipitaram-se daquela altura… mas alçados e empurrados,
depois de fuzilados pelas costas, arrojados fora pelos soldados lá de
cima, para virem espatifar-se na calçada de pedras do Largo das Mercês.

Seu Valério Garcia tudo presenciou, parado no meio do
Largo, estupidificado, como que estuporado da cabeça aos pés.
Somente se mexeu para cair, derrubado por um balaço vindo dos altos do
Forum um coice de burro, de veloz, certeiro e rijo que o atingiu na boca do
estômago, quase que no centro exato da cintura.

Ocupar toda a praça fronteira ao Forum, guarnecer os
cantos do jardim, as esquinas do Largo, evacuar, limpar completamente as imediações
do Forum, isso foi obra de instantes para o treinado e ágil Segundo Destacamento
do Capitão Eucaristo Rosa.

Quando o oficial desceu o degrau de entrada do sobrado, acompanhado
do Sargento Hermenegildo, muitos santanhenses lograram vê-lo, uns através
de frestas de janelas, outros por debaixo das mesas ou amoitados atrás
do balcão da Confeitaria do Cucute. E ouvi-lo berrar para alguns volantes
da Captura que se abeiravam dos corpos estendidos no paralelepípedo e
lajes da calçada:

Se afastem! Entrem em forma! Os parentes que tomem conta!

Muitos, muitos anos depois, e Seu Valério Garcia ainda
contava, para quem quisesse ouvir, como escapara à chacina de catorze
de maio, em Santana do Boqueirão:

Foi Seu Genésio, atacadista de pinga e rapadura, quem
me segurou em casa, desde manhã cedo, fecha-não-fecha a compra
da safra do Pinhém daquele ano. Se aproveitava, o velhaco, da minha pressa,
mo’de a reunião… Me atrasou, acabou levando um vantajão no negócio,
mas me salvou a vida, o Seu Genésio…

E também mostrava, para quem quisesse ver, o relógio
de algibeira um patacão de ouro, pateque, redondão e grosso com
a bala de carabina, de chumbo, encravada bem no centro:

Parece até milagre, mas o soldado chegou a me enfiar
o pé por debaixo do pescoço… Eu ’tava de bruço’, e ele
ia começando a me desvirar, no chão, a ponta de bota… Na horinha
em que o Capitão Eucaristo gritou aquela abençoada ordem!

(Chapadão do Bugre, Capítulo 40, 1965.)

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