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Charneca em Flor, de Florbela Espanca

by Lucas Gomes

Charneca em Flor

é a obra-prima que Florbela Espanca nunca veria publicada pois às vésperas da
publicação,  em dezembro de 1930, Florbela supostamente pôs fim à sua vida.
Tal ato de desespero fez com que o público se interessasse pelo livro e passasse
a conhecer melhor a sua obra. Dizem os críticos que a polêmica e o encantamento
de seus versos é devida à carga romântica e juvenil de seus poemas, que têm
como interlocutor principal o universo masculino.

Possivelmente, era
para a autora, um livro de recordações, em que queria registrar as melhores
lembranças da vida. Trata-se, sem dúvida, do livro em que Florbela melhor
enfrenta a sua totalidade humana, ou seja, é aquele em que melhor consegue
condensar as suas vivências, passando-as à poesia como nunca o fizera antes.

É em Charneca em
Flor
que melhor se define a sua sensibilidade, apresentada de modo complexo
e intenso. Considerado como o seu livro mais sincero, é nele que Florbela
retrata a fase mais difícil e pessoal da sua vivência como poetisa, e presta
homenagem à sua terra natal. Segundo Antero de Figueiredo, o livro Charneca
em Flor
ficará como um dos mais belos depoimentos literários do coração
português de ontem, de hoje, de todos os tempos
(Revista Alentejana).

Intensa,
insatisfeita, amarga, exaltada, sensual e mística
(João Gaspar Simões,
História da Poesia Portuguesa do Século XX
) ao mesmo tempo, Florbela dá o
melhor de si, distanciando-se das restantes poetisas. Definitivamente, Florbela
contribui em Charneca em Flor para a emancipação literária da mulher e
ousa levar ainda mais longe o erotismo no feminino, como o mostra Volúpia.
Dá, por tudo isso, vida a sonetos tão raros como Charneca em Flor,
Outonal
, Ser Poeta e Amar!.

Poemas escolhidos:

Volúpia

No divino impudor da mocidade,

Nesse êxtase pagão que vence a
sorte,

Num frémito vibrante de ansiedade,

Dou-te o meu corpo prometido à
morte!

A sombra entre a mentira e a
verdade…

A nuvem que arrastou o vento
norte…

– Meu corpo! Trago nele um vinho
forte:

Meus beijos de volúpia e de maldade!

Trago dálias vermelhas no regaço…

São os dedos do sol quando te
abraço,

Cravados no teu peito como lanças!

E do meu corpo os leves arabescos

Vão-te envolvendo em círculos
dantescos

Felinamente, em voluptuosas
danças…

Charneca em Flor

Enche o meu peito, num encanto
mago,

O frémito das coisas dolorosas…

Sob as urzes queimadas nascem
rosas…

Nos meus olhos as lágrimas apago…

Anseio! Asas abertas! O que trago

Em mim? Eu oiço bocas silenciosas

Murmurar-me as palavras
misteriosas

Que perturbam meu ser como um
afago!

E, nesta febre ansiosa que me
invade,

Dispo a minha mortalha, o meu
burel,

E, já não sou, Amor, Soror Saudade…

Olhos a arder em êxtases de amor,

Boca a saber a sol, a fruto, a
mel:

Sou a charneca rude a abrir em
flor!

Ser Poeta

Ser poeta é ser mais alto, é ser
maior

Do que os homens! Morder como quem
beija!

É ser mendigo e dar como quem seja

Rei do Reino de Aquém e de Além Dor!

É ter de mil desejos o esplendos

E não saber sequer que se deseja!

É ter cá dentro um astro que
flameja,

É ter garras e asas de condor!

É ter fome, é ter sede de
Infinito!

Por elmo, as manhãs de oiro e
cetim…

É condensar o mundo num só grito!

E é amar-te, assim, perdidamente…

É seres alma e sangue e vida em
mim

E dizê-lo cantando a toda a gente!

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