Home EstudosLivros Chove Sobre Minha Infância, de Miguel Sanches Neto

Chove Sobre Minha Infância, de Miguel Sanches Neto

by Lucas Gomes

Chove Sobre Minha Infância

, romance publicado
em 2000, e primeiro romance de Miguel Sanches Neto, foi escrito baseado nas
vivências reais do autor, mas não é uma autobiografia. É
um romance que se apropria de um discurso memorialístico, no qual o autor
é narrador a um só tempo. Nele, o Sanches Neto conta uma história
na sua própria voz e em seu próprio nome.

Mesmo quando se vale de suas próprias experiências,
o autor não busca a verdade factual, mas a psicológica.

Em uma linguagem simbólica, tem momentos de crônica,
poesia e conto, formando um singular romance em blocos que, além de cativar
pelo lirismo, é um vigoroso retrato de um pouquíssimo explorado
período de nossa História recente.

Inicialmente apresentando uma visão ingênua, revoltada
e otimista, o narrador vai amadurecendo ao contar sua história, passando
do órfão que não compreende bem o seu mundo a um adulto
que domina seus símbolos e suas dolorosas verdades. Miguel Sanches Neto
constrói uma saga dramática no sul do país, em que as antíteses
sociais são forçadas a conviver entre si. O personagem principal
deve receber a herança do mundo rural e do analfabetismo para encontrar-se
consigo e com sua história – uma necessidade muitas vezes camuflada em
um país envergonhado de si mesmo. O leitor vai encontrar neste romance
um Brasil que se olha, se mostra e que comove, identificando-se com a história
do menino perdido em meio a poderosas forças antagônicas.

Nessa obra Miguel Sanches Neto rastreia o seu passado vivido
no interior do Paraná, delimitando uma trajetória de angústias
e pesadelos, constrói uma saga dramática no sul do país,
em que as antíteses sociais são forçadas a conviver entre
si: a vida que queriam lhe impingir e o seu desejo real.

Chove sobre minha infância é uma narrativa
que vai se construindo pela memória do narrador, que avalia tudo aquilo
pelo qual passa por uma ótica pessoal, centrada em seus sofrimentos.
Estamos diante de um menino de extrema sensibilidade para o confronto com o
mundo e com a morte, que luta desesperadamente contra a orfandade, não
só a real mas principalmente contra a orfandade cultural – ele vem de
uma família de analfabetos, dedicada à agricultura, e se sente
destinado para o mundo dos livros. Esta ausência do pai, morto na primeira
infância, representa a própria ausência de uma herança
cultural. O menino triste vai crescendo como observador de uma força
negativa que o impede de ser ele mesmo. Esta força se concentrou na figura
do padrasto, que nega seu projeto. O padrasto, portanto, é pintado com
tintas fortes até o momento em que há, depois da consolidação
da vocação do menino, agora um adulto, uma revelação
que o concilia com o mundo do padrasto. O livro não é complacente
com o narrador, porque ele acaba tendo destruído o relato em que se vê
como vítima.

A família está muito presente neste livro. Ela
é ao mesmo tempo odiada e amada.

Inicialmente apresentando uma visão ingênua, revoltada
e otimista, o narrador vai amadurecendo ao contar sua história, passando
do órfão que não compreende bem o seu mundo a um adulto
que domina seus símbolos e suas dolorosas verdades.

O protagonista volta à sua infância, fazendo reviver
o mundo em que se formou. Embora use a primeira pessoa do singular, a rememoração
não se fixa propriamente na trajetória do personagem principal,
buscando antes, a partir dele, pintar o painel de um período.

Depois do primeiro capítulo, em que encontramos o protagonista
adulto na sua volta ao tempo, a história passa a ser narrada do ponto
de vista da criança, numa linguagem simples, lírica, em que o
personagem não tem uma noção precisa dos fatos. Esta limitação
perceptiva, própria da idade, vai sendo progressivamente superada pelo
menino, que passa por várias circunstâncias familiares e sociais,
para chegar à visão adulta.

O drama central do personagem é o desejo de continuação
de uma história familiar que se encontra gravada em seu nome (pois ele
é uma espécie de repetição do Miguel Sanches que
o precedeu) e a necessidade de mudança.

O romance acaba com o protagonista adulto, voltando à
sua cidade. Ele já não pertence àquele lugarejo, nem à
história dos seres que ficaram presos a ele. Mas não sabe o que
fazer com seu passado, com sua história. Faça o que fizer, será
sempre devedor, sentindo-se descender tanto da família da mãe
e do pai quanto da do padrasto, apesar de todos os conflitos.

Posts Relacionados