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Os indianos: 4. O império Maurya

by Lucas Gomes

Vencedor de Dario III, em 331 a.C., Alexandre Magno da Macedônia conquistou
o antigo império persa, província após província.
Quando chegou às margens do Indo, dois séculos após Dario
I – menos um decênio -, teve de enfrentar o poderoso exército de
um soberano indiano Poros (sans. Puro), que reinava provavelmente no Pandjab.
Ao mesmo tempo, um jovem general da Índia oriental ter-se-ia revoltado
contra o seu soberano (da dinastia dos Nanda, no Magadha) e, levado por um ardor
ambicioso, teria procurado o apoio do conquistador grego para destronar o rei
de Magadha, seu senhor. É pelo menos o que sugere Plutarco (Alex., LXII).

Alexandre e Poros, óleo sobre tela,
Museu do Louvre, Paris, França

Sejam quais forem as razões – e são numerosas – que impediram
Alexandre de atender este atraente projeto que lhe teria dado acesso à
Índia gangética, o general magadi teve de passar sem o auxílio
dos invasores. Conhecido dos gregos com o nome de Andrakotos, Sandracotos ou
Sandrakuptos, iria desempenhar um importante papel no destino da Índia.
Teria sido a recusa de Alexandre que o colocou na oposição? A
verdade é que logo após a morte do grande macedônio, em
323, teria assumido o papel de “chefe da liberdade”. Os prefeitos
de Alexandre foram mortos e as suas tropas obrigadas a retirarem-se (317-316).
Três anos mais tarde, em 313-312, Sandrakoto subia ao trono do Magadha,
pondo fim à dinastia dos Nanda, e inaugurando, com o nome sânscrito
de Chandragupta, a dos Maurias. E quando, pouco antes de 305, Seleuco, fundador
do reino e da dinastia selêucida, veio ao Pandjab, seguindo o caminho
de Alexandre, Chandragupta possuía um verdadeiro império que se
estendia do Indo ao Ganges, dominava o delta destes dois rios, e se apoiava
num poderoso exército. A organização administrativa parece
ter sido bem empreendida, vigiada por inspetores imperiais, e facilitada pelo
bom estado das estradas que o soberano tinha em grande cuidado. Não se
tratava já, para Seleuco, de desprezar a aliança de um monarca
tão poderoso: abandonou-lhe os territórios para lá do Indo,
e concedeu-lhe, diz-se, a mão de uma princesa grega. A partir desse momento,
a Índia entrou na órbita dos grandes impérios do tempo;
a sua capital, situada em Pataliputra ou Magadha, foi durante muitos decênios
centro de uma embaixada grega que o embaixador Magasténio ilustrou, e
cujas informações são preciosíssimas, embora em
segunda mão.



Açoca (ou Açoka, ou Axoca, ou ainda Asoka,
foi um imperador indiano, da dinastia Maurya e
reinou entre 273 e 232 a.C.

As conquistas territoriais de Chandragupta parece terem-se aumentado com a
Índia central e uma grande parte do Decão no reinado do filho
Bindusara, de quem nada de exato se conhece. Mas foi um filho deste, o célebre
Açoka, que levou a dinastia ao seu apogeu; as fontes gregas nada dizem
a respeito dele e a tradição búdica conservou dele apenas
um retrato insignificante. Felizmente, este imperador teve o cuidado de mandar
gravar éditos por todo o lado, nos territórios que governava,
graças aos quais se pode reconstituir a sua personalidade e o modo da
sua propaganda imperial.

Tendo-se apoderado do poder por volta de 264 a.C., teria sido coroado em 260;
oito anos mais tarde, tendo conquistado de modo particularmente brutal o poderoso
reino de Kalinga (que se estendia do delta da Mahanadi ao do Godavari), Açoka
manifesta a sua tristeza e arrependimento no XIII édito, que merece ser
largamente citado:

…Cento e cinquenta mil pessoas foram deportadas; cem mil lá
foram mortas; várias vezes este número pereceu…A tristeza assaltou
o Amigo dos Deuses (Açoka) depois que ele conquistou Kalinga. Com efeito,
a conquista de um país independente é o morticínio, a morte
ou o cativeiro para as gentes: pensamento que magoa imenso o Amigo dos Deuses,
que lhe pesa. E isto pesa ainda mais ao Amigo dos Deuses: os habitantes, brâmanes,
samanes ou de outras comunidades, os cidadãos que praticam obediência
aos superiores, ao pai e mãe, aos senhores, a perfeita cortesia em relação
aos amigos, familiares, companheiros e parentes, em relação aos
escravos e criados, e a constância na fé, todos então são
vítimas da violência, do morticínio ou da separação
daqueles que lhes são queridos. Até os felizes que conservaram
os seus afetos, se acontece mal aos amigos, familiares, camaradas ou parentes,
sofrem com isso um golpe violento. Esta participação de todos
os homens é um pensamento que pesa ao Amigo dos Deuses… Seja qual for
o número dos mortos, dos falecidos e dos cativos na conquista de Kalinga,
fosse esse número cem ou mil vezes mais pequeno, pesa presentemente no
pensamento do Amigo dos Deuses
”. (trad. para o francês por
Jules Bloch).

Esta conquista sangrenta provoca em Açoka uma crise moral, e determina
a sua conversão ao budismo, fato que iria ter uma incalculável
repercussão na Índia. Daí em diante, segundo o mesmo edital,
Açoka quer que “haja, para todos os seres, segurança, domínio
dos sentidos, equanimidade e doçura”; a vitória que ele “considera
como primacial é a vitória da Lei”. Esta lei é tanto
a sua como a do budismo e do bramanismo: é o dharma indiano, simultaneamente
lei, religião e ordem moral: Finalmente, aconselha aos seus sucessores
que não pensem em novas vitórias, mas pelo contrário a
elas prefiram “a paciência e a leve aplicação da força”.

Açoka não se contenta com fazer gravar estes conselhos “nas
montanhas e em pilares de pedra”: ordena que sejam proclamados ao som de
tambor a toda a população. Durante os trinta e seis anos do seu
reinado, instituiu pelo império uma organização administrativa
muito firme, cujo papel parece ser tanto social quanto religioso; não
poupa aos funcionários nem críticas nem pregações,
e exerce sobre eles uma vigilância que penetra até no gineceu.
Ele próprio não se cansa de fazer peregrinações
aos lugares santos do budismo, organizando também excursões regulares
de propaganda que servem ao mesmo tempo para inspecionar o bom andamento das
coisas administrativas. O seu zelo para com o budismo não o impede, porém,
de aconselhar a tolerância mútua das seitas, nem que as favoreça
quando calha. Enfim, tornou-se célebre pela caridade para com os animais,
renunciando pessoalmente aos prazeres da caça, e ordenando que fossem
reduzidos os massacres de animais destinados à cozinha do palácio
imperial: em vez de matar todos os dias “centenas de milhares”, basta
matar três: dois pavões e uma gazela, e ainda assim “nem sempre”;
mais tarde, suprime completamente o uso da carne na sua mesa.

O seu império englobava toda a Índia do Norte e do Noroeste,
compreendendo nele uma parte do Afeganistão (uma inscrição
dele foi recentemente descoberta em Kandahar), e estendia-se ao Sul, até
ao país dos Andra (vales inferiores da Godavari e da Krisna). Mantinha
relações diplomáticas com a Síria, a Cirenaica,
o Egipto, a Macedónia, o Epiro ou Corinto. A unificação
política da qual Açoka foi o mais augusto fator estimulou o desenvolvimento
econômico de todo o país. Com ele, o budismo tornou-se um poderoso
fator civilizador; difundiu-o em Caxemira, nas regiões gregas, e até
no Ceilão, onde enviou o filho (?) em missão. Paralelamente, as
artes plásticas tiveram grande surto, sendo empregadas pela primeira
vez, parece, matérias duradouras.

Após a sua morte, o império foi dividido. O Magadha, o Malva
e a região de Ayodia passaram para as mãos dos Sungas (176-64
a.C.?), depois para as dos Kanvas (64-50): o centro de gravidade deslocou-se
para Ocidente. Isto coincidiu com graves acontecimentos que se produziam a Noroeste,
e que iriam ter profunda repercussão na própria Índia.
Depois de Alexandre, os reinos indo-gregos tinham-se fundido na Bactriana, no
Gandara (Pexavar), no Kapixa (Cabul), etc. Em constantes lutas uns contra os
outros, e alvo dos ataques dos Iranianos e dos Partos, um dos reis de Bactriana,
Demétrio, empreendeu a conquista da Índia cerca de 189, e avançou
até Pataliputra. O seu sucessor, Menandro, manteve-se aí apenas
até 168, mas conservou um reino no Pandjab. A partir desta época,
as regiões de Cambaia e de Broach foram incluídas na rota comercial
dos gregos. Parece que o primeiro dos Sungas, Puxiamitra (I76-I40?), teria repelido
os invasores. Coube ao seu neto repeli-los para o outro lado do Indo.



Grande stupa de Sanchi, período Andhra

A importância dos Sungas e dos Kanvas não pode ser minimizada,
embora não tenha podido conservar o império mauria. A administração
foi menos espectacular do que a de Açoka, mas pode afirmar-se que mantiveram
uma elevada tradição cultural e artística nas regiões
que dominaram; foi na época deles que se cavaram as mais belas grutas
antigas, e que se erigiram, entre outros, os célebres monumentos (stupa)
de Barhut e de Sanchi, cujos relevos historiados ilustram tão perfeitamente
as descrições literárias. da vida do tempo.

Por outro lado, o budismo fazia consideráveis progressos na evangelização:
não só se expandia na Índia, compreendendo nela as regiões
do sul (particularmente a do Amaraviti), como atingia os indo-gregos até
à Bactriana; o rei Menandro, por exemplo, ficou célebre na tradição
búdica pelas «perguntas» que fazia ao sacerdote Nagasena,
cujas respostas são um elogio do budismo. Por seu lado, o bramanismo
evoluía ao mesmo tempo para um teísmo cada vez mais acentuado,
e para uma tradição épica, em perfeito acordo com a estrutura
guerreira da Índia desse tempo. Seitas cada vez mais numerosas se fundam
nesta época: adoradores de Siva, que o sacerdote Lakuliça em breve
organizará; de Visnu que tende a tornar-se o símbolo místico
da paz do coração; da sua encarnação, o deus bucólico
Krisna, cujos adoradores recebem o nome de bagavata; da sua outra encarnação,
Rama, herói do grande poema épico, o Ramaiana. Que esta forma
afectiva de religião indiana tenha podido agradar aos Ocidentais, temos
disso prova concreta no pilar, ornamentado com o pássaro mítico
de Visnu, Garuda, e consagrado a Vasudeva-Krisna; foi erigido cerca de 100 a.
C., não longe de Vidiça, em Besnagar, pelo grego Heliodoro, oriundo
de Taxila, e embaixador do rei Antiálquidas junto do rei Sunga.

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