Home EstudosSala de AulaHistoria Os indianos: 8. Dos Vedos ao Islã

Os indianos: 8. Dos Vedos ao Islã

by Lucas Gomes

No decorrer do segundo milênio antes da nossa era, todo o mundo antigo
foi abalado por invasões, movimentos de populações, que
se entrechocaram como um movimento de ondas, cujo centro principal de origem
emanava da Ásia central. Com intensidade diferente, todas as regiões
foram afetadas: os Dóricos instalaram-se na Grécia, os Hititas
na Anatólia e os Árias nos planaltos iranianos e na Índia
setentrional. Estas tribos arrastaram outras na sua passagem. Quando os Árias
– daí em diante os Indianos históricos – aparentados com Iranianos,
como o demonstra a língua, se espalharam entre 1500 a.C. e 1200 a.C.
pela planície indo- gangética, foi-lhes necessário empurrar
as populações indígenas recalcitrantes em direção
ao Decão. Atualmente, etnias como os Tamuls, os Tégulus e os Kanara,
de raça dravidiana, e os Munda, repelidos igualmente para a Índia
central, constituem núcleos de sobrevivência do antigo substrato
aborígine, que se esforçava por sobreviver ao lado do ocupante.

Temendo
ser absorvidos por esta massa de submetidos que restava, os conquistadores,
mais bárbaros, mas dotados de melhor armamento, instauraram uma sociedade
fechada e compartimentada em castas, fundada primeiro numa descriminação
racial baseada na cor da pele, depois na função social. Ao alto
da pirâmide, os Sábios ou brâmanes, depois os Guerreiros
ou xátrias, em seguida os Camponeses ou vaicias e enfim os Sudras para
os servir. Quanto aos autóctones, não assimilados, ficavam “fora
das castas”.

Durante várias gerações, os brâmanes transmitiram
oralmente os Livros do Saber, os Vedas, que se aparentam com o Avesta do Irã
e só serão registrados escrito a partir do século VI antes
da nossa era, quando a escrita de origem aramaica foi introduzida no Pendjab,
sem dúvida pelas administrações do ocupante persa aquemênida.
Este conjunto literário – os Vedas – vibra de poesia naturalista e apresenta-se
como uma compilação de cantos e hinos litúrgicos, acrescentada
de todo o ritual a observar nos sacrifícios.

Antigos pastores nômades, os Árias, introduziram sua teogonia
constituída essencialmente por divindades astrais, celestes e atmosféricas:
o Sol (Suria ou Vishnu), o Céu estrelado (Varuna), o Céu trovejante
(Indra) e os deuses da Tempestade, o Fogo (Agni) e toda uma plêiade de
divindades e gênios secundários. Ao longo dos séculos, vingança
dos vencidos, esta teogonia não cessaria de evoluir num sentido cada
vez mais influenciado por eles.

Ao texto sagrado dos Vedas, juntar-se-iam, em breve (por volta de 600 a.C.),
outros textos mais especulativos: comentários religiosos, os Brahamana
e os Upanichades lições esotéricas, num verdadeiro-conjunto
de meditações filosóficas. Foi então, que se elaborou
o dogma fundamental, que regeu todo o pensamento indiano: o do Samsara, ou da
transmigração, do ciclo sem fim das reencarnações
ao qual todo ser vivo está condenado. Estas vidas sucessivas, estes perpétuos
renascimentos são determinados pelo caráter variavelmente meritório
das vidas anteriores; em suma, tem-se a vida que se mereceu toda a existência
dos futuros budistas será orientada pelo desejo de fugir definitivamente
deste ciclo infernal.

Do seio dos Yogin, ou ascetas brâmanes, que vivem retirados nas florestas
para meditar, sairiam duas novas religiões, o jainismo e o budismo, enquanto
a teogonia indiana não cessava de proliferar e de se vestir de lendas
cada vez mais poéticas e maravilhosas. Com efeito, essa sociedade védico-brâmane,
petrificava a sociedade que se esfarelava numa infinidade de subcastas. Esta
rigidez paralisante devia provocar no século VI a.C. os dois grandes
cismas, que parecem mais de origem social que religiosa, visando romper as estruturas
muito compartimentadas da sociedade brâmane. O jainismo foi pregado por
um monge de origem real, Vardhamana, apelidado de Jina, o Vitorioso, e o budismo
por um obscuro príncipe dos confins do Nepal, Siddharta Gautama, chamado
o Sábio, quer dizer Buda, que não admitia o sistema das castas.
Estas duas religiões, nascidas quase ao mesmo tempo no século
VI antes da nossa era, terão o desenvolvimento brilhante de que temos
conhecimento.

Abalado, o bramanismo reagiria e orientar-se-ia numa via que originará
mais do que uma religião, uma verdadeira civilização. Hoje
ainda, a filosofia, as crenças, os ritos, os mitos e lendas brâmanes
continuam rigorosamente enraizados e vivos. Claro que o seu exagerado panteísmo,
um pouco idólatra, pode surpreender-nos à primeira vista, na realidade
não passa de uma “cortina de névoa”, uma irradiação
infinita do conceito do Deus único: “Deus está em tudo”.
Estas inumeráveis divindades, cósmicas na origem, serão
todas sobrepujadas e dominadas, sem exceção, pelas personalidades
esmagadoras de Siva e de Vishnu, que constituem com Brama, a Trimurti, (a tríade)
brâmane. O último dos três deuses não atingirá
nunca a imensa popularidade dos dois primeiros. No bramanismo, o caminho apresentado
ao crente para romper a engrenagem da transmigração é o
yoga, que ambiciona um conhecimento e uma concentração interior,
adquiridos através de um severo ascetismo do corpo e do espírito.

Desde a queda da civilização de Mohenjo-Daro, a planície
indo-gangética tinha sem dúvida seus deuses, seus mitos, sua maneira
de sentir e de pensar, mas já não tinha arte. Será preciso
esperar a passagem de Alexandre que, indiretamente, avivará as brasas
que incubavam há séculos. Um rei de Magadha – o atual Bihar –
inspirando-se em Apadana de Persépolis, mandou construir um palácio
que espantou o viajante grego Megástenes. Saía-se da “‘ arquitetura”
de lama, palha e madeira! Magadha parece que desempenhava um papel considerável
na história indiana, dominou todo o vale gangético nos séculos
VI e V a.C. Pode- se considerá-lo como o berço da Índia
antiga; é em Magadha, com efeito, que nasceu o budismo, o qual obteve
um extraordinário eco tanto no pensamento como nas artes plásticas.
Pode-se considerar, que toda a produção artística dos dois
últimos séculos antes da nossa era, traz a marca exclusiva da
religião budista. Com o soberano Asoca (272 a 231?) acaba o longo silêncio
da arte, que tinha desaparecido com a chegada dos Árias. O primeiro império
indiano da história será obra da dinastia Mauria (322 a.C. a 187
a.C. ?), cuja mais ilustre personalidade foi o soberano Asoca. Convertido ao
budismo, conseguiu levá-lo à quase totalidade da península
indiana, onde chegou a exercer sua soberania. Realizava assim a primeira unificação
política e favorecia a volta a uma arte digna deste nome. Com ele vemos
aparecer o uso da pedra, tanto em arquitetura como em escultura. Na construção,
segundo um reflexo freqüentemente observado, o trabalho na pedra inspira-se
diretamente nas técnicas utilizadas na madeira, reproduzindo paradoxalmente
todos os elementos do madeiramento.

Fez gravar em altas colunas de pedra – que se encontraram dispersas por uns
trinta lugares mais ou menos – éditos que pregavam uma moral universal
de rara elevação. Mas, depois da sua morte, o continente retornou
rapidamente ao desmembramento político que tantas vezes conheceu. No
decorrer dos últimos séculos antes da nossa era, o repertório
iconográfico do budismo elaborava-se lentamente, assimilando fórmulas
decorativas estrangeiras, gregas, alexandrinas, mas sobretudo irano-aquemênidas.
Foi sem dúvida do Irã, que veio a singular técnica da escavação
rupestre, monolítica, que aparece por volta de 80 a.C. e que se manterá
por muito tempo (até aos séculos VIII e IX d.C.). De Pataliputra,
a capital de Asoca e de seu palácio, que tanto espantou Megástenes,
pouca coisa resta.

Foi nesta época, que apareceram os primeiros stupa, tão peculiares
na Índia, esses grandes relicários em forma de tumulus, hemisféricos,
encimados por um mirante munido de um guarda-sol, símbolo de autoridade
e dignidade. O maciço era contido dentro de uma balaustrada ligeiramente
recuada; esta galeria intersticial, a céu aberto, servia para a deambulação
ritual, circular e repetida, tendo o edifício à direita, ou à
esquerda, em sentido inverso, para os ritos funerários. Esta balaustrada
e a base do stupa de um e de outro lado fiel, eram ornamentadas com uma infinidade
de pequenos baixos-relevos narrativos, ilustrando a vida de Buda, colocados
aí para sua edificação. Nos lugares de Sanchi, Bharhut
e Bodhgaya, existem ainda alguns muito nítidos.

Na Índia, a escultura sempre se integrou na arquitetura, a ponto, de
às vezes, transformar os edifícios em verdadeiras esculturas monumentais
(como a de Mahabalipuram, Ellora…) ou em grandes tapeçarias esculpidas
(como em Madurai e os Gopurás de Tiruvannamalai). Neste baixos-relevos
narrativos do início, a imagem de Buda não era reproduzida, mas
sugerida por símbolos: a marca das suas pegadas, seu guarda-sol, seu
cavalo ou seu trono vazio… Esta regra iconográfica cheia de respeito,
desapareceu no século II da nossa era. Espontâneo e vivo, o estilo
de Bharhut, permaneceu como um dos mais atraentes da Índia.

Posts Relacionados