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Conversa de bois (Conto de Sagarana), de Guimarães Rosa

by Lucas Gomes

Análise da obra

Conversa de Bois

é um conto, no qual toda uma problemática da relação Homem – Natureza – Animal
está presente, com a “filosofia animal” e a “bestialidade humana” trabalhadas conjuntamente.

As reflexões sobre o poder e a fraqueza centralizam-se em Conversa de Bois, conto narrado em
terceira pessoa, narrado por Manuel Timborna, que é entrevistado pelo autor, que pede para recriar a
história:

– Só se eu tiver licença de recontar diferente, enfeitado e acrescentado ponto e pouco…
– Feito! Eu acho que assim até fica mais merecido, que não seja”
.

Manuel Tiborna diz que sim, que inclusive poderia contar um caso de que sabia.
O narrador diz que ouvirá a história, mas desde que possa contá-la depois modificando
e acrescentando detalhes, com o que Tiborna concorda.

E então Manuel Timborna começa a “contar um caso acontecido que se deu”, procurando
demonstrar que “boi fala o tempo todo”. Ele fala de um tempo em que os animais
conversavam entre si e imagina se isto até hoje acontece, se transformam em heróis,
questionando o saber dos homens com o seu suposto não saber.

O cenário do conto é uma estrada do interior de Minas Gerais.

Conversa de Bois está inserido entre aqueles que compõem o primeiro livro do autor, Guimarães
Rosa: é o penúltimo entre os nove contos que se encontram em Sagarana. A marca roseana de contador
de “causos” aparece logo no primeiro parágrafo: Que já houve um tempo em que eles conversavam, entre
si e com os homens, é certo e discutível, pois que bem comprovado nos livros das fadas carochas (…)
.

Neste conto, os bois e os homens cruzam-se como num contraste que se prolonga até o fim. Guimarães Rosa
apresenta alternadamente os diálogos dos homens e os “diálogos” dos bois, revelando-se aqui uma espécie
de “filosofia bovina”, uma síntese do que “pensam” sobre a vida e sobre os homens. Neste conto, os bois
são verdadeiros personagens, possuidores de capacidades intelectuais quase iguais às dos homens. Os bois
não possuem humanidade, não agem, “pensam” e “falam” como os homens, à maneira das fábulas e histórias
da carochinha, mas sim como nós podemos imaginar, com o recurso da intuição, que eles o fariam se
realmente pudessem.

O homem, no conto, tem seus problemas, suas revoltas contra ele próprio, em oposição ao boi, que carrega
o jugo de e na sua vida e que, à noitinha, resmunga, discutindo sua vida, filosofando sobre o círculo
nascimento-crescimento-morte.

Em Conversa de bois, o boi não é apenas ícone da natureza, ele torna-se personagem ativo. E passa
nesse momento, a formar com o menino Tiãozinho um só personagem, metade humano metade animal. A parte
homem do ser antropomórfico e hibrido, o menino “humano”, não possui o dom da palavra. A palavra surge
na consciência dos bois. Ao menino, cabe apenas o desejo de vingança e a vergonha imposta pela atitude
pecaminosa da mãe.

Personagens

Tiãozinho – Menino-guia. Odiava o Agenor carreiro, pois o malvado vivia fazendo carinho na mãe de
Tiãozinho, mesmo quando o pai do menino ainda estava vivo, entrevado em cima de um jirau.

Agenor Soronho – Carreiro. Mandava em Tiãozinho como se fosse pai dele.

Januário – Pai de Tiãozinho.

Buscapé, Namorado, Capitão, Brabagato, Dansador, Brilhante, Realejo e Canindé – protagonistas
bovinos da história, que vão na sua marcha lenta, carregando “o peso pesado” do carro-de-bois, carregado
de rapaduras e um defunto.

Resumo do conto

O autor produz uma história valorizando quatro elementos importantes da paisagem do interior de Minas. O
carro, puxado por bois, vai cortando o sertão, levando rapadura e um defunto – o pai de Tiãozinho (cego
e entrevado, já de anos, no jirau) para o arraial. Os bois, enquanto arrastam o carro, vão conversando,
emitindo opinião sobre muitas coisas, principalmente sobre os homens.

Buscapé e Namorado são os bois da guia, os dois que vão bem à frente do carro. Capitão e Brabagato são os
bois que vão mais atrás.

O pai de Tiãozinho, Januário, vivia, há muitos anos, entrevado e cego em cima de um jirau. A mãe de Tião
não tinha mais paciência de cuidar do enfermo. Guardava seus carinhos para Soronho carreiro. De noite,
enquanto todos dormiam, Tiãozinho ouvia os soluços do pai, um choro doído, sem consolo.

Tiãozinho odeia Agenor Soronho. Mesmo quando o pai estava vivo, o carreiro tinha autorização para xingar,
bater de cabresto, de vara de marmelo, de pau… Que seria dele agora, com o pai morto? Tiãozinho
tentava fazer tudo direito: capinava, tirava leite, buscava os bois no pasto, guiava-os no carro de boi.
Quando crescer, quando ficar homem, vai ensinar ao seu Agenor Soronho… Ah, isso vai!… Há de tirar
desforra boa, que Deus é grande!…
.

O caminhar cadenciado e monótono levou Agenor Soronho ao sono. O perigo era iminente. Se caísse, as rodas
do carro de boi passariam por cima dele. Na frente dos bois, Tiãozinho andava meio acordado, meio
dormindo. Nesse quase estupor, o pensamento coincidia com a fala dos bois. Era como se o menino fosse
boi também. Os bois entendiam o pensamento dele: falava em vingança, em morte do carreiro. De repente,
meio inconsciente, Tiãozinho deu um grito, os bois saltaram, todos a um tempo, para frente, e Agenor
Soronho caiu. Uma das rodas do carro passou por cima do pescoço dele, quase o degolando. Estava morto.
Agora, com dois defuntos, a caminhada ficou mais alegre.

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