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Democracia: 2. Participação direta e indireta

by Lucas Gomes


Foto de alguém votando em urna eletrônica

Você já sabe que a DEMOCRACIA é um regime de governo caracterizado pela participação popular. Entretanto, o modo por meio do
qual essa participação se dá, permite estabelecer uma diferença entre dois tipos de democracia. Ao menos, assim refletiram os
diversos filósofos que, durante o século 18, se debruçaram sobre a questão. Esses dois tipos de democracia são ao mesmo
tempo divergentes e complementares.

Vamos tentar entender o porquê desse paradoxo, mas, antes disso, é preciso ficar mais claro do que estamos falando. Então,
quanto ao modo de participação popular, a democracia pode ser:

– direta: em que todos os indivíduos de uma coletividade manifestam sua opinião sobre os assuntos concernentes
a esta mesma coletividade, votando em assembléias ou reuniões coletivas;

– representativa: em que a coletividade elege representantes a quem delega o poder para tomar as decisões.

História da democracia

O regime de governo democrático originou-se em Atenas, na Grécia da Antigüidade,
conhecendo seu apogeu no século 5 a.C. Tratava-se precisamente de um regime em
que o “povo” se manifestava diretamente, reunindo-se e votando em assembléias,
para tomar as decisões a respeito da vida da sua cidade. Saiba
mais sobre o assunto
.

Democracia na modernidade

Historicamente, depois da Grécia e de Roma, as idéias democráticas só irão reaparecer com maior força na Idade Moderna, a partir
dos séculos 17 e 18. Nessa época, os abusos de poder dos monarcas levaram os intelectuais a discutir os poderes absolutos do
governante, questionando o que tornava legítimo qualquer poder de qualquer governo. Contra o absolutismo em vigor, ergueu-se
o liberalismo.

As idéias liberais se revoltaram contra a ordem aristocrática que vinha da Idade Média, quando o poder político e a propriedade
tinham transmissão hereditária: os herdeiros do rei e dos nobres recebiam não só as terras e os bens de seus antepassados, como
também o poder sobre os homens que viviam em suas propriedades.

O pensamento liberal, ao contrário, estabeleceu uma distinção entre a esfera pública e a privada, entre a sociedade política e
a sociedade civil. Para um filósofo liberal, como John Locke, o poder só é exercido com legitimidade se tiver origem parlamentar.
O que isso significa? Isso significa que ninguém tem o direito de ocupar um cargo político só porque nasceu numa família nobre.

Representantes do povo

O direito ao poder, para Locke, depende de um mandato popular. Nesse sentido, a representação política só adquire legitimidade
se tiver surgido da vontade dos cidadãos, expressa pelo voto. Os cidadãos elegem representantes para defender seus interesses
junto ao governo.

Mais uma vez, porém, a representação popular a que se refere o liberalismo dos séculos 17 e 18, não deixava de ser elitista.
Abrangia somente os grupos sociais mais favorecidos. O voto era censitário, isto é, dependia de um censo – imposto pago para
se obter a condição de eleitor. Com isso, a grande maioria da população estava excluída do processo político e as decisões
continuavam restritas àqueles que possuíam renda e propriedades.

Além da representação

Ainda no século 18 – enquanto se levantava e valorizava a questão da legitimidade da representação – um outro filósofo,
Jean-Jacques Rousseau defendia um novo enfoque para a democracia direta da velha Grécia.

Para ele, as sociedades humanas são construídas a partir de um pacto ou contrato social. Por meio desse acordo, cada indivíduo
aliena seu poder em favor da coletividade. Entretanto, a vontade geral não poderia jamais ser alienada nem representada. Ou seja,
para Rousseau, os deputados e governantes não são representantes do povo, mas apenas seus agentes. Assim, devem estar subordinados
à soberania popular, que toma decisões por meio de assembléias, plebiscitos e referendos.

Vontade geral é o conceito básico para compreender como Rousseau encarava a democracia. No seu modo de ver as coisas, todo
indivíduo é – ao mesmo tempo – uma pessoa privada e uma pessoa pública (cidadão): enquanto pessoa privada, ela trata de seus
interesses particulares; enquanto pessoa pública faz parte de um corpo coletivo que tem interesses comuns.

Problemas e conflitos

Mas nem sempre o interesse de um coincide com o de outro, pois muitas vezes o que beneficia uma pessoa em particular pode ser
prejudicial ao interesse coletivo. Nesses termos, aprender a ser cidadão é justamente saber distinguir qual é a vontade geral,
típica do interesse de todos, mesmo que à revelia dos seus próprios interesses enquanto pessoa particular.

Rousseau não era ingênuo a ponto de desconhecer as dificuldades de implantação de uma democracia direta, sobretudo em nações de
território extenso e grande densidade populacional. No mundo de hoje, de fato, ela parece inviável. Imagine que fosse necessário
colher a opinião de cerca de 120 milhões de brasileiros cada vez que uma decisão governamental tivesse de ser tomada.

Tentativa e erro

Por outro lado, alguns instrumentos da democracia direta – como os plebiscitos e os referendos – são muitas vezes fundamentais
para a vontade da maioria prevalecer sobre os interesses minoritários. Para haver participação popular no exercício do poder,
contudo, é necessário que os cidadãos sejam politizados: saibam o que querem ou do que precisam e conheçam aqueles que agirão
a bem do interesse comum.

Caso contrário, a manipulação, a corrupção e o jogo de interesses acabam transformando a maioria da população numa massa de
manobras, que agirá em detrimento de seus próprios interesses e necessidades. Na verdade, a cidadania e a democracia se
aprendem no seu próprio exercício. Como dizia Aristóteles, “só construindo podemos nos tornar mestres de obra”. É um processo
de tentativa e erro, no qual os brasileiros, por sinal, parecem ter errado mais do que acertado nos últimos anos. De qualquer modo,
a única alternativa é continuar tentando.

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