Home EstudosSala de AulaFilosofia Ditadura: 1. A ditadura na Roma antiga e nos dias atuais

Ditadura: 1. A ditadura na Roma antiga e nos dias atuais

by Lucas Gomes


Júlio César, ditador de Roma

O conceito de ditadura se origina Roma antiga. Em latim, a palavra era dictatura.
Entretanto, o significado moderno do conceito é completamente diferente
da instituição que ele designava na Antigüidade. De qualquer
modo, uma comparação entre ditadura antiga e moderna pode ajudar
a compreender melhor o sentido que o termo adquiriu nos dias de hoje.

Para começar, a ditadura romana era uma instituição de
caráter extraordinário. Só era ativada em circunstâncias
excepcionais, para fazer frente a situações de emergência,
como uma crise interna ou uma guerra. O ditador era nomeado por um ou pelos
dois cônsules – os chefes do governo romano -, de acordo com o senado
e por processos definidos constitucionalmente. Da mesma maneira, também
eram definidos os limites de sua atuação.

Ainda assim, os poderes do ditador eram muito amplos e seus decretos – o que
ele “ditava” (e vem daí “ditadura”) – tinham o valor
de lei. Apesar disso, seus poderes não eram ilimitados: o ditador não
podia revogar ou mudar a Constituição, declarar guerra, criar
novos impostos para os cidadãos romanos, nem exercer o papel de juiz
nos casos de direito civil. Finalmente, a ditadura tinha sua duração
explicitamente fixada: não podia durar mais de seis meses.

Um poder sem limites


General Francisco Franco

Atualmente, a expressão ditadura serve para designar os regimes de
governo não-democráticos ou antidemocráticos, isto é,
aqueles onde não há participação popular, ou onde
isso ocorre de maneira muito restrita. Nesse sentido, de igual à ditadura
romana, ela só apresenta uma coisa: a concentração de poder
nas mãos do ditador. Além disso, a ditadura moderna não
é autorizada por regras constitucionais: ela se impõe de fato,
pela força, subvertendo a ordem política que existia anteriormente.

Para piorar, a extensão do poder do ditador não está determinado
pela Constituição nem sofre qualquer tipo de limites. Sua duração
não está prevista de modo algum e pode se estender por décadas.
No Brasil, por exemplo, a última
ditadura
foi de 1964 a 1985. Na Espanha, o general Francisco Franco tomou
o governo em 1936 e só o deixou quando morreu, em 1975, numa ditadura
que durou cerca de 40 anos. Em Cuba, o ditador Fidel
Castro
ficou quase meio
século no poder
.

A ditadura moderna implica, antes de mais nada, a concentração
de poder. Em geral, num órgão já existente do Estado (via
de regra, o poder Executivo). Estende também o poder além dos
limites normais, por exemplo, suspendendo os direitos dos cidadãos. Deixa
ainda o poder livre dos freios e dos controles estabelecidos pelas leis. Foi
o que aconteceu no Brasil, por exemplo, a partir de 1968, quando o Ato Institucional
nº 5, deu imensos poderes ao Executivo, como o de fechar o Legislativo,
caso lhe fosse conveniente.

Por tudo isso, a ditadura moderna tem uma conotação inquestionavelmente
negativa. Designa, como já se disse, os regimes não-democráticos
ou antidemocráticos. É um contraponto à democracia, na
qual o poder se encontra dividido em várias instâncias de poder,
equilibrando-se Executivo, Legislativo e Judiciário. Num regime democrático,
a transmissão da autoridade política é feita de baixo para
cima, através da manifestação popular, via eleições.
Na ditadura, além da concentração do poder numa instância
exclusiva, a transmissão da autoridade política ocorre de cima
para baixo, a partir da decisão do ditador ou dos ditadores.

Conservadores e revolucionários

Nos dias de hoje, quanto às finalidades com que são instaladas,
podem-se distinguir dois tipos de ditadura:

1) as conservadoras, cuja finalidade é defender o satus
quo dos perigos de uma mudança. Esse foi o caso das várias ditaduras
militares que se estabeleceram na América Latina nos anos 1960 e 70:
Argentina, Brasil, Chile, Uruguai.

2) as revolucionárias, que visam abater ou minar, de
forma radical, a velha ordem político-social e introduzir uma ordem nova,
como foi o governo instaurado pela Convenção Nacional francesa,
em 1793, que pôs fim à monarquia, ou ainda o próprio governo
cubano, depois de 1959, que instaurou o socialismo no país.

Entretanto, existem outros termos usados para denominar regimes não-democráticos.
Dentre eles, os mais importantes são despotismo, absolutismo, tirania,
autocracia e autoritarismo. No vocabulário comum e mesmo no vocabulário
político do dia-a-dia, esses termos são freqüentemente usados
como sinônimos. Na filosofia política, porém, podem-se estabelecer
distinções entre eles.

Despotismo

Despotismo, num primeiro sentido, refere-se ao despotismo oriental, da Antigüidade.
Tratava-se do governo monocrático (monos = um só), típico
da Ásia e da África e que era oposto à democracia grega.
O filósofo Aristóteles
o chamava de despótico, comparando-o ao poder que o patrão (em
grego, despotes) exerce sobre o escravo.


Montesquieu

Na Idade Moderna, o pensador francês Montesquieu (1689-1755) retomou
o conceito, definindo-o como o governo no qual “um, sozinho, sem leis nem
freios, arrasta tudo e todos no sabor de suas vontades e de seus caprichos”.
Na Europa dos séculos 17 e 18, despotismo serviu para designar os regimes
de monarquia absolutista, que poderia ser considerado bom ou mal, de acordo
com a maneira com que o monarca exerce o poder.

É nesse sentido que se fala em despotismo esclarecido, no século
18, quando o monarca, embora detenha o poder absoluto, é “instruído
por sábios conselheiros sobre a existência das verdadeiras leis,
gozando da plenitude de seus poderes para aplicá-las e promover, agindo
assim, o bem estar e a felicidade de seus súditos”.

Tanto o despotismo quanto o absolutismo são conceitos que se aplicam
a monarquias hereditárias, consideradas legítimas pelos súditos,
que integram uma sociedade tradicional. Nela, a participação política
da grande maioria da população é nula. A monarquia é
vista como a única forma de governo possível, por ter as suas
raízes no passado mitológico ou na origem divina.

Tirania e autocracia

Tirania era o governo de exceção na Grécia antiga. Assemelhava-se
à ditadura moderna, pois nasciam das crises e da desagregação
da democracia ou de algum regime político tradicional. O tirano não
era um monarca legítimo, mas o chefe de alguma fração política,
que impunha pela força o próprio poder a todos os outros partidos.
Da mesma forma que os ditadores modernos, os tiranos exerciam um poder arbitrário
e ilimitado, recorrendo às armas.

Ao contrário dos outros termos examinados, autocracia não tem
uma conotação histórica precisa. É um termo abstrato
que se usa com dois significados principais: um particular e um geral. No particular,
ele denota um grau máximo de absolutismo. Uma autocracia é um
governo absoluto que detém um poder ilimitado sobre seus súditos.
Sob este ponto de vista, um monarca absoluto é um autocrata, mas ele
pode não sê-lo, quando divide o poder alguns colaboradores que
tenham condições de limitar sua vontade.

Em seu significado geral, o termo autocracia foi usado por alguns teóricos
da política e do direito para designar todo tipo de governo antidemocrático
ou não-democrático. Mas, nessa acepção, a palavra
não obteve sucesso, nem na linguagem popular nem na linguagem técnica
da filosofia ou da ciência política.

Autoritarismo


A suástica nazista

Autoritarismo também é um termo usado para designar todos os
regimes que se contrapõem ao democrático. Por outro lado, modernamente,
o significado é mais restrito e designa governos fortes que, porém,
não chegam a constituir uma ditadura, pois possuem um grau relativamente
moderado de mobilização popular e de participação
política da sociedade. É o caso do governo de Hugo Chávez
na Venezuela contemporânea, onde a oposição ao governo é
severamente controlada.

Mas o autoritarismo deve ser diferenciado do totalitarismo. Este é o
grau máximo de absolutismo nos regimes ditatoriais modernos, em que o
Estado exerce total controle da vida dos cidadãos. Eles ocorreram em
sistemas como o da Alemanha nazista, sob Hitler,
e o da Rússia comunista, sob Stálin,
em que a propaganda chegava a convencer o cidadão de que ele existia
não para seu próprio benefício, mas para benefício
do Estado. O resultado dessas duas ditaduras pode ser medido pelas cerca de
30 milhões de mortes que provocaram ao longo de aproximadamente duas
décadas.

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