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Divã, de Martha Medeiros

by Lucas Gomes

A obra Divã é uma novela curta, um livro de transição entre a crônica
e a ficção. É o primeiro livro em prosa de Martha Medeiros e foi publicado em
2002. Seus temas são: casamento, paixão, amor, morte e fidelidade.

Usando o procedimento literário de narrar sessões de terapia, uma conversa com seu psiquiatra, a autora
passa a impressão de que o livro poderia ser literatura testemunhal.

Divã conta a história de Mercedes, uma mulher de 40 anos, moderna, inteligente,
pragmática, divertida, super-feminina, casada, com dois filhos, com a vida estabilizada
– que procura um psicanalista. Para Mercedes, a consulta começa como uma curiosidade
e acaba por tornar-se numa experiência envolvente que vai pôr a descoberto as
facetas que ela mais reprime. No consultório descobre-se uma mulher ciumenta,
insegura, que dramatiza por tudo e por nada. Descobrem-se, também, as memórias
que guarda religiosamente: o primeiro namorado, a amiga, as mulheres dos amigos
do marido ou a namorada do filho. Nesta aventura, Mercedes conta com o apoio da
amiga Mônica e do marido desta, Gustavo.

É interessante notar na estrutura do romance Divã, que os capítulos, curtos e condensados, são
sessões de terapia, à busca do conhecimento de Mercedes e seu eu profundo. Cada capítulo tem uma
temática diferente, alicerçada na mundividência da personagem central. Assim, os capítulos podem ser
lidos estanques e/ou seqüentemente, sem perda de interesse ou profundidade. A estrutura lembra o
“romance rosácea”, como já foi chamado pela crítica especializada, Vidas Secas, de Graciliano
Ramos: os capítulos são verdadeiros contos.

A coragem de desnudar-se diante do público, as confissões ousadas (adequadas, visto que “são” um
monólogo com o terapeuta Lopes, – mero contraponto), metáforas notáveis, que concretizam o abstrato: o
consultório é a alfândega que vai me dar o visto para passar para o lado mais oculto de mim. Não
sei explicar direito. Acho que a terapia vai servir para tirar a clandestinidade da coisa, preciso de
um aval para fazer esta alteração de rota
(pg.13).

O foco narrativo na 1ª pessoa, o tom pretensamente confessional, a opção por mostrar seu lado incomum,
crespo, o que, em geral, se esconde, tudo reforça uma intimidade sem jamais resvalar para o vulgar.
Como diz a epígrafe da capa: “São muitas mulheres numa só, e alguns homens também. Prepare-se para uma
terapia de grupo”. Toda a narrativa de Martha Medeiros traz a transparência de uma verdade confessional:
ficção da melhor qualidade. Mercedes é e não é Martha, o tempo todo. Impossível separá-las, saber qual
é qual, quem é a máscara de quem. Todas as personagens secundárias são importantes para se conhecer
Mercedes, que se atira à procura do auto-conhecimento abissal, sem volta, “sempre asfaltando uma nova
estrada para mim, totalmente desfalcada de sinalização. Lopes, não encontro mais placa de PARE nos
cruzamentos”.

Os mergulhos profundos nas questões metafísicas mais complexas, a procura do eu
essencial, de respostas que não existem (“Agora entendo que nunca estarei pronta”,
pg.154), a coragem de se olhar sem máscaras, o desprezo pelas convenções sociais,
essa é a rota de Mercedes/Marta. Como em literatura nada é fortuito, mas deliberado,
uma observação: M(ercedes), personagem, e M(artha), autora, têm as mesmas iniciais
do nome e sobrenome da autora do romance.

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