Home EstudosSala de AulaAtualidades Ensinar “saiu de moda”?

Ensinar “saiu de moda”?

by Lucas Gomes

A baixa procura pelos cursos de licenciatura dificulta o número e a qualidade dos professores que voltam para o mercado, impondo um círculo vicioso à educação.

No contexto atual, em que o Brasil enfrenta escassez de professores para o ensino básico e em que começa a ganhar corpo uma mobilização nacional pela melhoria da qualidade da educação, as instituições de ensino superior se vêem diante de um grande desafio: como viabilizar os cursos de licenciatura. Este desafio se impõe, sobretudo, no âmbito da rede privada, a qual responde por uma parcela significativa das matrículas e dos formandos nesse tipo de graduação. De acordo com dados do Instituto de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) de 2005, essas instituições detêm 57% das matrículas e formam 60,1% dos docentes licenciados que chegam ao mercado de trabalho. Um relatório divulgado em julho pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) ajuda a dimensionar a crise pela qual o país passa. O estudo alerta para o risco de um “apagão do ensino médio” caso não sejam tomadas medidas, em caráter emergencial e estrutural, no campo da formação de professores. Tal avaliação se baseia, dentre outras coisas, em uma estimativa feita pelo Inep de que faltam cerca de 235 mil docentes no Brasil, principalmente em física, química, matemática e biologia.

Esse quadro se soma ao processo de implantação do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE) – lançado pelo Ministério da Educação em abril e que prevê que governo federal, Estados, municípios e escolas assumam o compromisso de tomar medidas em prol da melhoria da qualidade do ensino e da aprendizagem até 2022 – e que traz, necessariamente, o foco das atenções para a formação docente. Afinal, como alerta o documento do CNE, a dimensão do problema da falta de professores é tamanha que, se ele não for tratado adequadamente, “colocará em risco quaisquer planos que tenham a pretensão de pôr em prática estratégias que visem à melhoria da qualidade da educação no país”.

No âmbito das licenciaturas, essas questões se colocam frente a uma série de problemas que persistem há vários anos. A lista é longa e envolve vários aspectos que se inter-relacionam. O primeiro deles é a sustentabilidade, um desafio com que os gestores se defrontam cotidianamente.

Segundo o presidente da Associação Brasileira de Mantenedoras das Faculdades Isoladas e Integradas (Abrafi), Janguiê Diniz, o valor médio das mensalidades das licenciaturas é em torno de R$ 250,00. “É muito barato. Não é suficiente para cobrir os custos. As instituições estão desanimadas”, acredita.

O baixo valor das mensalidades está relacionado às características do público que procura as licenciaturas, o qual, via de regra, tem baixo poder aquisitivo. Para o diretor da Associação Brasileira de Mantenedoras do Ensino Superior (Abmes), Antonio Carbonari Netto, o perfil sócio-econômico é um problema central. “Os alunos que procuram as licenciaturas são, em geral, aqueles de baixa renda. Há aqueles que também sonham em ser professores, é lógico, mas são poucos, pois esses vão indubitavelmente para o ensino superior, após realizarem uma pós-graduação. Aí, o mercado é bem melhor.”

Ou seja, as instituições consideram que, de um lado, o perfil sócio-econômico do público impõe limitações no que diz respeito ao valor das mensalidades. De outro, avaliam que as perspectivas profissionais no campo do magistério afastam os possíveis candidatos às vagas de licenciatura. “A procura é muito pequena. Poucas são as pessoas que se interessam em pagar um curso superior que não tenha perspectiva de um bom emprego no futuro”, analisa Carbonari. “O magistério na educação básica não atrai mais. São baixos salários, péssimas condições de estrutura para o ensino e para a aprendizagem”, conclui.

Uma comparação entre o salário médio do docente brasileiro e o valor da bolsa de pós-graduação coloca a análise do diretor da Abmes em perspectiva: o Inep calculou, em 2005, que um professor de educação básica da rede estadual ganhava, em média, R$ 994,00. No Nordeste, este valor caía para R$ 822,92, menos do que uma bolsa de mestrado, R$ 955,00. Assim sendo, não é surpreendente que alunos formados em licenciatura optem pela carreira acadêmica.

Além disso, o Brasil é um dos países que menos pagam os professores. Um estudo realizado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) em parceria com a Organização Internacional do Trabalho (OIT) aponta que, num grupo de 38 países investigados, a remuneração dos docentes brasileiros é a terceira pior. Enquanto na Alemanha, o país mais bem classificado, um professor em início de carreira ganha US$ 35,5 mil ao ano, no Brasil, a expectativa de remuneração de um iniciante situa-se na faixa de US$ 12,5 mil.

Nessa medida, assinala a presidente da Associação Nacional pela Formação de Profissionais da Educação (Anfope), Helena Freitas, não é possível pensar a formação inicial de professores de maneira dissociada das ações e políticas de valorização do docente. Isso passa por salário, mas não se restringe a esta dimensão: inclui, por exemplo, a definição de um plano de carreira e a melhoria das condições de trabalho, de modo que o professor possa, por exemplo, concentrar a sua jornada em um único estabelecimento de ensino e tenha tempo para estudar.

Os dirigentes das instituições de ensino, de sua parte, consideram a remuneração do docente um elemento central. O presidente da Abrafi aponta os baixos salários como o principal problema. Ele considera que está ocorrendo uma “superdesvalorização” do professor. Carbonari Netto, da Abmes, segue a mesma linha de raciocínio e prevê um futuro negro, caso o atual quadro persista. “Sem salários profissionais condizentes, não haverá a profissão de professor.” Na opinião de Janguiê Diniz, se o governo tomar medidas fortes em prol da valorização do magistério, o impacto sobre as licenciaturas será positivo. “Se houver uma valorização do professor, isso vai acabar despertando o interesse do jovem em se habilitar como docente.”

Contudo, a realidade atual é que a falta de prestígio envolvendo a visão que parece predominar junto à sociedade quanto à profissão de professor se traduz em pouco interesse pelos cursos de licenciatura, impondo um círculo vicioso às instituições de ensino: a baixa procura acaba levando à formação de turmas pequenas, com impacto sobre os custos. Além disso, ressaltam os gestores, a evasão tende a ser mais elevada do que nas demais graduações.

O relatório do CNE menciona um estudo que, apesar de ter sido realizado há dez anos, ainda traduz a realidade das licenciaturas, pois, desde então, não foi adotada nenhuma medida para reverter os problemas então enfrentados: a evasão atinge picos de 75%, como é o caso da licenciatura em química. A situação nas áreas de física e matemática também é crítica, com evasão de 65% e 56% dos alunos matriculados, respectivamente. Chama a atenção que a pesquisa tenha constatado as mais altas taxas de evasão justamente nas áreas em que há carência de professores atualmente.

O combate à evasão abrange uma série de medidas a serem tomadas no nível do governo, e das definições de políticas públicas para a área de formação de professores e, também, o que diz respeito às instituições de ensino do segmento privado. Uma medida necessária no plano das políticas é a ampliação dos estímulos aos jovens interessados em se tornar professores. Por exemplo, os candidatos ao Programa Universidade para Todos (ProUni) – voltado para a inclusão de jovens de baixa renda no ensino superior por meio da concessão de bolsas em instituições privadas – que se inscreverem em um curso de formação de professores não precisam apresentar comprovante de rendimento.

A proposta recentemente aprovada pelo Congresso Nacional de transformar a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) na instituição responsável pela formulação de diretrizes e ações na área de formação de professores pode representar uma mudança do cenário atual, mas ainda falta uma definição com relação ao rumo que será dado.

Se no plano das políticas ainda há um caminho a percorrer, no nível da gestão existem medidas que podem ser adotadas para tornar as licenciaturas mais viáveis.

Filosofia e sociologia em alta

Em meio à crise de escassez de professores, começou a vigorar, em agosto, a resolução do Conselho Nacional de Educação que torna obrigatória a oferta de sociologia e filosofia como disciplinas no ensino médio e no segundo ciclo do ensino fundamental.

As duas disciplinas já eram oferecidas, em caráter obrigatório ou opcional, na grande maioria das unidades da federação. A expectativa é que agora a oferta se generalize, apesar do risco de falta de professores para essas disciplinas. Em 2004, por exemplo, somente 245 profissionais que se graduaram em filosofia optaram pela licenciatura, tornando-se professores, de acordo com o Inep. Apesar disso, para a Secretaria de Educação Básica (SEB), do MEC, a expectativa é que haja uma adequação entre oferta e demanda de docentes para as duas disciplinas.

Fonte: Marta Avancini, Revista Educação, ed. set/2007

Posts Relacionados