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Entenda a crise cubana

by Lucas Gomes

Cubanos esperam morte natural do regime

Na Havana de poucos prédios restaurados e de construções
e ruas deterioradas (foto abaixo), há um cansaço explícito
com a Revolução
Cubana
– e um desejo implícito de mudança. Por temor,
são poucos os que assumem isso com todas as letras, mas, num discurso
muitas vezes ácido contra o governo, os cubanos revelam nas entrelinhas
esperar a morte dos líderes Fidel e Raúl Castro para ver o fim
do regime cinquentenário.

Dizem que as reclamações feitas abertamente nas ruas, em restaurantes
e cafés, nos pontos de ônibus, nas barbearias, dentro dos táxis,
são um fenômeno relativamente recente na capital cubana. Segundo
o jornalista independente Reinaldo Escobar, é coisa de uns cinco a seis
anos.

Um dos principais motivos é o bolso. Com a economia do país em
frangalhos, o governo vem apertando o cinto. Com metade de seus campos improdutivos,
Cuba importa 80% dos alimentos. Mas, com a diminuição do preço
do níquel no mercado internacional – o principal produto de exportação
cubano – e do turismo pela recessão mundial, o país cortou
38% de suas importações no ano passado para tentar seguras divisas.

Os efeitos foram sentidos diretamente pela população, que percebeu
a diminuição gradativa da lista de alimentos subsidiados. Os cortes
de produtos foram tão drásticos que correu o rumor de que o governo
estudava cancelar de vez a “libreta de abastecimiento”, sistema
que vigora na Ilha desde 1962. “Se suspenderem a libreta, a população
morrerá de fome”, disse uma cubana que pediu para não ser
identificada. “A situação está cada vez pior. Não
há esperança. Não há onde nos agarrar”, completou.

A declaração parece não ser um exagero. “A crise
por que passa Cuba é a pior desde o colapso da União Soviética
(URSS), em 1991”, afirmou ao o cubano Carmelo Mesa-Lago, professor emérito
de Economia da Universidade de Pittsburgh, nos EUA.

A necessidade de fazer cortes de gastos forçou o Estado a decidir enxugar
sua folha de pagamento, em que, segundo o próprio presidente Raúl
Castro, mais de 1 milhão de cubanos ganham salários para não
fazer nada. “Se uma fábrica precisa de 100 trabalhadores, o governo
emprega 200 pela metade do salário, mas também a produtividade
é a metade e se cria um ambiente negativo ao esforço individual”,
explicou o acadêmico da Universidade de Pittsburgh.

Em agosto, Raúl indicou que 20% dos 5,1 milhões da força
de trabalho cubana seriam demitidos por improdutividade. Em 13 de agosto, anunciou-se
que os primeiros 500 mil estarão nas ruas até o fim do primeiro
trimestre de 2011. “Temos de deixar de ser o único país
do mundo onde se ganha sem trabalhar”, disse Raúl na Assembleia
Nacional em agosto.

A frase incomodou muitos, porque foi Fidel Castro que, em 1968, expropriou
todos os pequenos negócios, fazendo com que quase todos os trabalhadores
ficassem sob o controle estatal. “Obrigaram-me a trabalhar para o governo,
e agora que a situação está mal viramos um fardo que se
aproveita do Estado?”, indagou a cubana que pediu anonimato.

As demissões são temidas apesar da decisão governamental
de permitir ofícios particulares para absorver a mão de obra excedente.
Como só podem ter um negócio em sua área de atuação
os formados até 1964 em uma universidade ou curso técnico, muitos
não sabem o que farão se forem despedidos, pois os 178 pequenos
negócios e cooperativas urbanas e cerca de 40 serviços permitidos
não correspondem a suas habilidades. “Estou no meu emprego há
anos. Agora vou ter de aprender a ser cabeleireira, marceneira?”, questionou
uma arquiteta.

Modelo fracassado


Mercado de frutas em Centro Havana sofre com desabastecimento:
Cuba importa 80% de seus alimentos. (Foto: Leda Balbino)

A ruína econômica, que fez até o próprio Fidel reconhecer
que “o modelo econômico de Cuba não funciona nem mais para
os cubanos”, soma-se à ausência de direitos civis para ampliar
a frustração com o rumo adotado pela Ilha nos últimos 51
anos. “Não é que se queira o capitalismo. O que não
se pode é sustentar uma forma de projeto com poucos direitos civis”,
disse a cubana que não quis se identificar.

Além de querer ganhar mais do que os salários médios equivalentes
a US$ 20, que forçam a grande maioria a recorrer ao mercado negro para
sobreviver, os cubanos desejam se autodeterminar. Ter acesso livre às
informações. Poder navegar na internet. Falar o que pensam sem
retaliação. Abordar um estrangeiro sem a acusação
de que cometem assédio ao turismo.

Também querem viajar para o exterior sem perder o direito de ser cubano
e sem uma burocracia cobrada em CUCs (pesos conversíveis, de valor equivalente
ao dólar), e não em seus salários de pesos cubanos (cada
24 são 1 CUC).

Apesar do descontentamento, são raros os que creem num levante popular
contra o regime. Quando são questionados sobre essa possibilidade, recordam
do Maleconazo de 1994, quando uma manifestação no calçadão
à beira-mar de Havana terminou após a repressão da polícia.

“Nem em curto e meio prazo haveria uma revolta. O povo cubano é
pacífico e se adapta às circunstâncias. Uma minoria somos
heróis que vão à guerra. Isso explica por que o regime
dura há tanto tempo”, disse o ativista dos direitos humanos Elizardo
Sánchez, fundador da Comissão de Direitos Humanos Cubanos e de
Reconciliação Nacional de Cuba.

Assim, com um sistema econômico e político considerado insustentável
e sem uma geração jovem de sucessores, os cubanos observam o envelhecimento
da liderança que fez a Revolução, com idades entre 75 e
85 anos, e esperam. “Não há mal que dure cem anos, nem corpo
que o resista”, disse Sánchez, que completou: “Não
é bom pensar na morte de alguém, mas parece que essa é
a solução.”

Cuba tenta repetir política emergencial de 95

Ao anunciar o plano de cortar 500 mil empregos estatais até o primeiro
trimestre de 2011 e permitir empreendimentos privados para absorver a mão-de-obra
excedente, Cuba tenta repetir o que fez em 1995, quando atravessava “o
período das necessidades especiais” causado pelo colapso da União
Soviética, em 1991.

Naquele ano, o governo chegou a cortar empregos estatais, mas, com a melhora
da economia, aos poucos congelou licenças para atividades privadas que
vinham sendo permitidas e reabriu vagas no aparato do Estado. Mas, segundo analistas,
dessa vez o país corre o risco de não conseguir o mesmo êxito
que teve com as reformas depois do colapso soviético.

“Não sei se conseguirão o mesmo porque, nos últimos
15 anos, a situação econômica do país piorou por
causa da desvalorização do peso cubano, a crise econômica
mundial e o turismo prejudicado por furacões há três anos”,
disse Uva de Aragon, do Instituto de Pesquisa Cubana da Universidade Internacional
da Flórida, em Miami. Além disso, a Venezuela – o principal parceiro
econômico da Ilha desde a chegada de Hugo Chávez ao poder (1999)
– também enfrenta dificuldades econômicas principalmente
pela queda do preço do petróleo, o que se reflete na ajuda enviada
aos cubanos.

As reformas, que poderiam sinalizar mudanças sem precedentes no rumo
político da ilha, são encaradas com ceticismo pelo especialista
Andy Gomez, do Instituto para Estudos Cubanos e Cubano-Americanos da Universidade
de Miami. Para ele, a medida anunciada mostra que, mais do que a necessidade
de mudanças, o Estado cubano se vê “quebrado” e sem
saída para manter o salário de seus empregados.

“Cuba se encontra na pior condição econômica desde
a Revolução. Pior até mesmo do que o período especial.
O turismo teve queda de 30% no último ano, mais de 80% dos alimentos
são importados, e o país, com 65% dos habitantes no campo, não
tem capacidade para exportar praticamente nada que não seja tabaco e
rum”, explica Gomez. Além disso, ele indica que Cuba precisa de
bancos e instituições fortes para levar uma economia com investimentos
privados adiante.

Reformas de Raúl Castro

Desde que ele assumiu o poder por causa da doença que afastou Fidel
Castro da presidência, em 2006, o presidente Raúl Castro adotou
algumas pequenas reformas, como a permissão para abrir cabeleireiros
e barbeiros mediante pagamento de impostos para o governo, assim como licenças
para táxis privados e retomada do controle de terras improdutivas por
produtores agrícolas particulares.

Neste ano, ele anunciou o plano que previa a demissão de mais de 1 milhão
de funcionários públicos, mas disse que elas ocorreriam nos próximos
cinco anos. A medida faria parte de suas reformas moderadas para melhorar a
produtividade do trabalho e elevar a qualidade dos serviços.

Para suavizar o golpe, o governo autorizará o aumento simultâneo
em oportunidades de emprego no setor não-estatal, permitindo que mais
cubanos se tornem autônomos, formem cooperativas dirigidas por empreendedores
privados e aumentem o controle privado de terras estatais e de infraestrutura
em longo prazo.

Mas, para Uva, as medidas adotadas não são o possível
começo do fim do comunismo na Ilha. “Gostaria de pensar que seria
o início de uma abertura econômica em Cuba, mas não vejo
isso ocorrendo de maneira tão fácil. Estão cortando empregos,
mas não ficou claro ainda como essas pessoas conseguirão manter
suas vidas”, disse.

Para ela e Gomez, os principais empregos que surgirão em um primeiro
momento são de taxistas, vendedores de doces na rua, pequenas padarias
e cabeleireiros. Eles alertam, no entanto, que a criação de novos
empregos dependerá exclusivamente do poder de compra de novos produtos
e ferramentas de trabalho – como, por exemplo, tintura, secador, fornos
ou mesmo farinha de trigo.

De acordo com a rede CNN, as reformas econômicas anunciadas por Raúl
têm deixado alguns cubanos preocupados com seus trabalhos e com a garantia
do regime comunista na ilha.

Outros, no entanto, estão esperançosos com a possibilidade de
receber um salário maior do que oferecido pelo governo, de US$ 20 em
média. O Estado cubano controla mais de 90% da economia, com meios de
produção que vão de sorveterias a laboratórios científicos
e estações de gás. Serviços comumente executados
por profissionais independentes como carpinteiro, encanador e sapateiro também
são controlados pelo Estado.

Fontes: Último Segundo (IG)

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