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Equador, de Miguel Sousa Tavares

by Lucas Gomes

Equador

foi o fruto de uma longa maturação e investigação histórica que inspirou um
romance fascinante vivido num período complexo da história portuguesa, no início do século
XX e últimos anos da Monarquia.

Romance histórico na definição mais clássica do gênero — pela presença de cor local, de
personagens referenciais de primeiro plano, pela evocação fiel de um tempo.

Como protagonista, Sousa Tavares escolhe a figura de Luís Bernardo Valença (já citado).
Este é descrito no começo da romance, no ano de 1905, através de um narrador onisciente
como um homem de 37 anos, que trabalha no escritório de uma companhia de navios em
Lisboa que lhe foi herdada pelo pai e que de vez em quando tem um relacionamento amoroso.
Além de ser sócio de um clube, onde na maioria das vezes se defendem opiniões pragmáticas
– e que ele chamou atenção ultimamente através de dois artigos no jornal “Mundo” e uma
pequena publicação acerca da questão colonial.

Nos seus dois artigos, Luís Bernardo exigia uma política colonial moderna que fosse efetiva
para o comércio e a economia, e também mostrava uma pretensão civilizacional. Assim o
narrador onisciente resume o conteúdo das obras do protagonista.

O estilo jornalístico, altamente eficaz, reforçado por um visualismo muito forte, a que não
são também alheios outros elementos sensoriais (sobretudo quando se fala de paisagens
distantes, como é o caso da são tomense, aqui quase personificada e elevada à categoria
de personagem) e também sensuais (ligados quer à Natureza africana, quer às mulheres que
povoam a narrativa e pontuam o percurso do protagonista), permite ao leitor acompanhar,
de forma muito próxima e expectante, as deambulações das personagens por meio mundo, nos
primeiros anos do século XX.

É a revisitação histórica de um período crucial da história portuguesa (entre os anos de
1905-1908), coincidindo com a decadência da Monarquia, a alvorada da República, a grave
crise política, social e econômica do Império Português Ultramarino, centrado, no que
a este romance diz respeito, na exígua colônia de São Tomé e Príncipe.

Centrado em temáticas como a colonização e a questão das liberdades fundamentais do ser
humano, o romance não procura a resposta mais fácil, porque politicamente correta, de
condenação da escravatura e da defesa incondicional da auto-determinação dos povos porque
esta, acontecendo, se revelaria profundamente anacrônica e insustentável para o pensamento
da época histórica recriada, privilegiando, em vez disso, até pela referência a fontes
como a imprensa da época, um discurso que procura traduzir, tão fielmente quanto possível,
o debate da sociedade portuguesa de novecentos sobre aquilo que à questão imperial e
colonial dizia respeito.

A par das temáticas que já referimos surgem ainda a viagem (a de Luis Bernardo — de Lisboa
para São lomé; a de Ann e David — na Índia e depois daí para São lomé), com especial ênfase
para aquilo que ela tem simultaneamente de exótico (porque de diferente e de distante) e
de simbólico (falamos concretamente de viagens que são fugas, castigos, missões, processos
de libertação, autognose etc.). As relações interpessoais, sobretudo as afetivas e físicas,
também encontram aqui espaço privilegiado nas 518 páginas que constituem o romance.

O destaque vai para sentimentos como o amor, o desejo, a paixão, a lealdade, a traição, a
mentira e a amizade e a forma como a sociedade os cataloga e organiza em casamento, honra,
infidelidade ou adultério.

A novidade do romance reside no ponto de vista quase marginal que adota
(de fora para dentro — das colônias para a metrópole), funcionando também o romance,
como discurso alternativo em relação à própria História (esta, escrita sempre a partir
da capital). A narrativa permite, uma reflexão sobre o momento histórico que Portugal
atravessa atualmente, as relações que estabelecem com países que são “próximos”
(aliados e/ou concorrentes), a crise econômica e social, a estabilidade ou falta dela
no que à política diz respeito, enfim, sobre as fragilidades e as grandezas de Portugal e
dos portugueses, as suas vitórias e derrotas, sejam elas coletivas ou individuais.

Romance de paixões extremas, de convicções fortes e inabaláveis, Equador, de Miguel
Sousa Tavares, permite recriar com imprevisibilidade a partir do percurso de Luís Bernardo
Valença, as misérias e grandezas da alma humana, as suas qualidades e os seus vícios, as
suas ambições e os seus receios.

Miguel Sousa Tavares esmerou-se na construção das personagens Luís Bernardo – inteligente,
culto, de visão estratégica, sedutor e solitário, um outsider na sociedade lisboeta de então,
onde se destaca pela diferença, colocando-se um século adiante dos seus pares. Está, apesar
de tudo, mais próximo de David, o cônsul inglês, pelas idéias, cultura e forma de estar.

David é um autêntico camaleão, um cidadão do mundo, com a capacidade de se adaptar a qualquer
lugar ou circunstância, inteligentíssimo, empreendedor, fleumático e totalmente devotado à
sua mulher, Ann.

Por sua vez, Ann é uma personagem esfíngica, extremamente bela, culta e viajada, diferente de
todas as outras mulheres que povoam o cotidiano de Luís Bernardo.

É um livro intenso, profundamente sensorial, onde se sente o pulsar da vida em cada folha de
árvore, em cada gota de chuva, em cada grão de areia das magníficas praias de S.Tomé.

Na descrição do clima, da paisagem, dos sons, dos cheiros, transpira uma sensualidade
telúrica que lateja em cada palavra. Um livro onde idealismo e realidade chocam frontalmente
numa guerra entre razão ou dever e emoção ou vontade.

Enredo

Equador é a história de um homem, Luís Bernardo, que é nomeado para o cargo de
Governador Geral de São Tomé e Princípe.

Luís Bernardo é um jovem empresário lisboeta, no início do século XX. Dotado de visão
estratégica, facilmente se apercebe que as potências estrangeiras tentam, sob a capa de
um “humanismo hipócrita”, eliminar a concorrência dos produtores portugueses de cacau,
alegando o uso ilegal do trabalho escravo e incentivando o boicote à compra do cacau
de São Tomé.

Mas a realidade não é diferente da dos outros países colonizadores. Luís Bernardo escreve
um artigo denunciando a situação e é convidado pelo próprio Rei D. Carlos a ocupar o lugar
de governador das ilhas de S. Tomé e Príncipe durante três anos, sendo-lhe atribuída a missão
de averiguar se há ou não trabalho escravo na referida colônia e convencer o cônsul inglês de
que o trabalho escravo em Portugal já faz parte do passado.

Aqui se ligam as vertentes históricas e pessoais da obra. Facilmente se conclui que
Luís Bernardo terá que enfrentar alguns dos mais importantes produtores de cacau portugueses,
não sendo certo que, dada a instabilidade política que existia na época, tenha um apoio total
de Lisboa na execução dessa tarefa.

No plano pessoal, esta missão representa, para Luís Bernardo, o fim de uma vida mundana
na capital do Império e o princípio de um longo exílio numa ilha distante de todas as partes
do mundo. Será aqui que, para ele, o amor se revela. Mas, como em todas as coisas na vida,
também o amor nem sempre é certo. Um dos pontos mais fortes desta obra é, precisamente, o
percurso individual (no sentido interior) do personagem central, Luís Bernardo.

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