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A Cidade Sitiada, de Clarice Lispector

by Lucas Gomes

Na mesma atmosfera de silêncio e isolamento, vive Lucrecia, de A Cidade Sitiada.
Escrito em Berna, por Clarice Lispector, e publicado em 1949, o romance é uma
espécie de inventário da monotonia. No início, Lucrecia está a procura de um marido
capaz de livrá-la do tédio na pequena cidade, o subúrbio de São Geraldo – onde
o silêncio é sepulcral – e levá-la para a metrópole. Depois da morte do
marido, contudo, ela retorna à vida e de lá espera por alguma outra coisa – algum
outro homem talvez – que pudesse novamente “salvá-la” da rotina.

A simplicidade do enredo reflete-se na simplicidade da
técnica narrativa. Dividido em doze capítulos, o texto é construído por frases
curtas, marcadas mais por pontos finais do que por vírgulas. Não há fluxo da
consciência, nem surpresas poéticas no curso das sentenças. O universo da
narração, igualmente marcado pelo silêncio, parece estreito e plano como uma
paisagem que jamais se modifica.

A narrativa, em terceira pessoa, é pontuada por capítulos
separados em títulos. A ordem estrutural reflete a organização do mundo narrado
– uma ordem tranqüila e silenciosa, onde nada se esquivava. Quanto à
escritura, tem-se uma economia de retenção do texto e não, como se poderia
esperar de uma escrita deliberadamente feminina, um texto livre, solto e
inspirado, como acontece em Perto do coração selvagem, no qual pode-se
ver nitidamente a expressão do que Hélène Cixous chama de economia da
feminilidade
– por excelência aberta, extravagante e corajosamente
subjetiva, como uma voz reverberando ao longo do discurso.

Em A cidade Sitiada, entretanto, a voz da protagonista
se cala e é através do olhar que ela se comunica com o ambiente ao seu redor,
tal como um forasteiro em uma cidade desconhecida que “conquista” a realidade
com os olhos, pois ainda é incapaz de articular a linguagem dos nativos. Como
diz o texto: “Lucrecia Neves talvez quisesse exprimi-lo, imitando com o
pensamento o vento que bate portas – mas faltava-lhe o nome das coisas’.

Sua forma de expressão reduz-se a olhar bem – “[…] tudo o
que Lucrecia Neves podia conhecer de si mesma estava fora dela: ela via”; “entre
bocejos incessantes também ela quereria assim exprimir sua modesta função que
era: olhar”. Os diálogos são curtos, marcados por frases pontilhistas, e há um
grande silêncio, cheio de tédio e monotonia, envolvendo o texto, no qual
Lucrecia, como as demais, é uma mulher sitiada, prisioneira da palavra que não
possui.

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