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As primaveras, de Casimiro de Abreu

by Lucas Gomes

Em Primaveras, de Casimiro de Abreu, acham-se os temas prediletos do poeta e que o identificam como lírico-romântico: a nostalgia da infância, a saudade da terra natal, o gosto da natureza, a religiosidade ingênua, o pressentimento da morte, a exaltação da juventude, a devoção pela pátria e a idealização da mulher amada. A sua visão do mundo externo está condicionada estreitamente pelo universo do burguês brasileiro da época imperial, das chácaras e jardins. Trata de uma natureza onde se caça passarinho quando criança, onde se arma a rede para o devaneio ou se vai namorar quando rapaz.

Este único livro de poesias escrito por Casimiro de Abreu, foi lançado em 7 de Setembro de 1859, e é uma coleção de poesias melancólicas e sentimetais pela maior parte, em que a uma grande simplicidade na forma se alia um sentimento apaixonado e veemente.

À simplicidade da matéria poética corresponde amaneiramento paralelo da forma. Casimiro de Abreu desdenha o verso branco e o soneto, prefere a estrofe regular, que melhor transmite a cadência da inspiração “doce e meiga” e o ritmo mais cantante. Colocado entre os poetas da segunda geração romântica, expressa, através de um estilo espontâneo, emoções simples e ingênuas. Estão ausentes na sua poesia a surda paixão carnal de Junqueira Freire, ou os desejos irritados, macerados, de Álvares de Azevedo. Ele pôde sublimar em lânguida ternura a sensualidade robusta, embora quase sempre bem disfarçada, dos seus poemas essencialmente diurnos, nos quais não se sente a tensão das vigílias.

Vê-se então que o livro As primaveras articula-se em torno de três temas básicos:

· o lirismo amoroso
· a saudade da pátria e da infância
· a tristeza da vida

Vivendo três anos em Portugal, onde elaborou boa parte de As primaveras, Casimiro de Abreu desenvolveu o sentimento de exílio, que tanto perseguia os românticos. Inspirado em Gonçalves Dias, escreveu uma série de poemas impregnados de nostalgia da terra natal, denominados Canções do exílio. Neles, contudo, não chega a alcançar o nível de seu modelo.

No entanto, não é apenas a saudade do Brasil e a correspondente sensação de estar exilado que anima a sua lírica. O que o consagrou foi a nostalgia (tipicamente romântica) daquelas realidades pessoais que ficam para trás: a mãe, a irmã, o lar, a infância. Tornou-se, por excelência, o poeta da “aurora da vida”, do tempo perdido, das emoções da meninice. Mesmo sabendo que a infância não significa o paraíso, sucumbiu à doçura dessas lembranças.

À parte isso, o poeta atrai o leitor com o ritmo fácil, a singeleza do pensamento, a ausência de abstrações, o caráter recitativo e o tratamento sentimental que empresta ao tema, garantindo a eternidade de pelo menos um poema, “Meus oito anos“:

Oh! que saudades que tenho
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras
À sombra das bananeiras,
Debaixo dos laranjais!

Como são belos os dias
Do despontar da existência!
– Respira a alma inocência
Como perfumes a flor;
O mar é – lago sereno,
O céu – um manto azulado,
O mundo – um sonho dourado,
A vida – um hino d’amor!

Que auroras, que sol, que vida,
Que noites de melodia
Naquela doce alegria,
Naquele ingênuo folgar!
O céu bordado d’estrelas,
A terra de aromas cheia,
As ondas beijando a areia
E a lua beijando o mar!

Oh! dias da minha infância!
Oh! meu céu de primavera!
Que doce a vida não era
Nessa risonha manhã.
Em vez das mágoas de agora,
Eu tinha nessas delícias
De minha mãe as carícias
E beijos de minha irmã!

Livre filho das montanhas,
Eu ia bem satisfeito,
De camisa aberto ao peito,
– Pés descalços, braços nus –
Correndo pelas campinas
À roda das cachoeiras,
Atrás das asas ligeiras
Das borboletas azuis

Naqueles tempos ditosos
Ia colher as pitangas,
Trepava a tirar as mangas,
Brincava à beira do mar;
Rezava às Ave-Marias,
Achava o céu sempre lindo,
Adormecia sorrindo
E despertava a cantar!
Oh! Que saudades que tenho
Da aurora de minha vida (…)

No final de uma vida breve, pressentindo a morte, o poeta aprofunda o sentimento de tristeza – já presente em seus textos saudosistas, até transformá-lo num sentimento quase desesperado de impotência perante o destino, conforme se pode verificar em Livro negro, composto por doze poemas doloridos. Deles, o mais significativo é “Minha alma é triste“:

Minha alma é triste como a rola aflita
Que o bosque acorda desde o albor da aurora
E em doce arrulo que o soluço imita
O morto esposo gemedora chora.

E, como rola que perdeu o esposo,
Minh’alma chora as ilusões perdidas
E no seu livro de fanado gozo
Relê as folhas que já foram lidas.

No poema de circunstância “A Faustino Xavier de Novais“, ele demonstra não ter sido somente o cantor de uma ternura ingênua. Imbuído do mais puro sarcasmo, aponta suas armas, nesse poema, contra os desvios sociais da época:

Venha a sátira mordente,
Brilhe viva a tua veia,
Já que a cidade está cheia
Desses eternos Manés:
Os barões andam às dúzias
Como os frades nos conventos,
Comendadores aos centos,
Viscondes – a pontapés.

(…) Pinta este Rio num quadro:

As letras falsas dum lado,
As discussões do Senado,
As quebras, os trambolhões,
Mascates roubando moças,
E lá no fundo da tela
Desenha a febre amarela,
Vida e morte aos cachações.

Casimiro de Abreu, em As primaveras, registra o esquema afetivo de sua geração. A rigor, os poetas dessa geração eram estudantes dados à boemia, oriundos de famílias de classes abastadas, cujos padrões culturais traduziam a assimilação de padrões da cultura européia.

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