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Cinzas da paixão e outras estórias, de Maria Aparecida Rodrigues

by Lucas Gomes

Cinzas da paixão e outras estórias

, de Maria Aparecida
Rodrigues, é um livro de contos, que se colocam em várias direções
ideológicas, filosóficas e estilísticas.

Há narrativas, como “Um apólogo moderno”, em que
se revela o tom metalinguístico, com os diálogos entre a mulher
de papel e a mulher de imagem se alternando, como se elas fossem insignificantes,
em decorrência de suas condições imaginárias. Todavia,
este jogo – e todo discurso artístico possui um caráter
lúdico – esconde um tônus existencial profundo, à
medida que as personagens, sem nome, manifestam os seus limites, próprios
da condição humana. A ausência do nome não somente
indetermina o ser das personagens, mas revela ainda uma espécie de constância
do existir, uma vez que a maioria dos humanos vive em circunstâncias idênticas.
Na verdade, a despeito de elas dialogarem – e o diálogo deveria
revelar a essência do ser –, permanecem em estado de ente, de objeto
perante os olhos.

Enquanto em “Um apólogo moderno” a miserabilidade humana
é materializada em linguagem de forma lúdica, no conto “Tocaia”,
explora-se o lado monstruoso do homem, marcado por aquela maldade típica
do humano, que Brasigóis perscruta em seu “Memorial do medo”.
Sabiamente, a autora coloca os fatos narrados na fala do próprio assassino
– narrador de primeira pessoa –, fazendo com que os acontecimentos
pensados e executados friamente se revistam de maior crueldade, à medida
que transforma o homicídio em ato e, não, em ação,
como ocorre na maioria das narrativas de enigma. Não é sem razão,
portanto, que o assassino combina um novo serviço, provando que a maldade
se transformou em uma rotina existencial e, em consequência, a vida perde
sua importância.

Uma outra direção ideológica pode ser percebida no conto
“Caixa dois”, em que se colocam as dificuldades financeiras do narrador,
a fim de sobreviver, e as facilidades de outros, que se enriquecem rápida
e inexplicavelmente. A postura da narrativa leva à discussão das
necessidades materiais, também imprescindíveis à realização
do humano, desde que conjugadas com a visão de uma viagem permanente
ao interior de si mesmo. A sobrevivência é necessária à
alimentação do corpo, para que ele possa construir o seu monumento
do espírito, do ser, no seu mais profundo sentido ontológico.

O livro se compõe de narrativas que examinam os vários sentidos
da existência humana, inclusive sua composição psicológica,
pautada por desejos que caminham desde a sexualidade, muito bem trabalhada na
ambigüidade das palavras, como o seu lado sociológico, objetivado
pela convivência ou desavença entre os seres. A desavença
resulta de atitudes em que entram os limites da condição humana,
que o catolicismo coloca nos sete pecados capitais.

Créditos: José Fernandes, membro da Academia Goiana
de Letras

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