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Dentro da Noite Veloz, de Ferreira Gullar

by Lucas Gomes

Obra excessivamente política, sem a qualidade literária que correspondesse
aos seus argumentos, os poemas de Dentro da Noite Veloz, foram escritos
uns no Brasil e outros no exílio, alguns ainda ligados às idéias
do CPC, com a preocupação de denunciar o cotidiano sofrido pelas
pessoas numa poesia dita engajada.

Neste livro o eu-lírico que havia desaparecido volta a aparecer. O poeta
diz da realidade presente, não mais como algo de fora, mas como algo
interior, da vida do poeta, de suas vivências subjetivas. Pois a poesia
é para ele “um modo de indagação e conhecimento do
mundo em que vive, resposta possível a cada questão que se coloca
tanto no plano social como no pessoal.

Dentro da Noite Veloz é marcado por um contido pessimismo,
mas um pessimismo ativo que lhe infunde coragem, que lhe dá forças.
O poema “Maio de 1964”
exemplifica o posicionamento do poeta nesta sua fase:

Tenho 33 anos e uma gastrite. Amo
a vida
que é cheia de crianças, de flores
e mulheres, a vida,
esse direito de estar no mundo,
ter dois pés e mãos, uma cara
e a fome de tudo, a esperança.
Esse direito de todos
que nenhum ato
institucional ou constitucional
pode cassar ou legar.

Mas quantos amigos presos!
quantos encárceres escuros
onde a tarde fede a urina e terror.
Há muitas famílias sem rumo esta tarde
nos subúrbios de ferro e gás
onde brinca irremida a infância da classe operária.

No poema “Dois e dois: quatro”, encontramos mais uma vez as dificuldades
existenciais como temática principal, embora o autor deixe claro que,
mesmo sofrida, a vida vale a pena:

Como dois e dois são quatro
sei que a vida vale a pena
embora o pão seja caro
e a liberdade pequena

No longo poema sobre a morte de Che Guevara, “Dentro da noite veloz”,
o guerrilheiro surge como herói das gestas medievais, morre fisicamente
mas, transformado em mito, (“em multidão”), sua luta continua:

Ernesto Che Guevara
teu fim está perto
não basta estar certo
pra vencer a batalha

Ernesto Che Guevara
entrega-te à prisão
não basta ter razão
pra não morrer de bala

Ernesto Che Guevara
não estejas iludido
a bala entra em teu corpo
como em qualquer bandido

Ernesto Che Guevara
por que lutas ainda?
a batalha está finda
antes que o dia acabe

Ernesto Che Guevara
é chegada a tua hora
e o povo ignora
se por ele lutavas

O “Poema brasileiro”, imitando a linguagem estatística e
a dos computadores, repetindo apenas poucas palavras, nos atinge mais do que
uma longa conferencia sobre a mortalidade infantil:

No Piauí de cada 100 crianças que nascem
78 morrem antes de completar 8 anos de idade
No Piauí
de cada 100 crianças que nascem
78 morrem antes de completar 8 anos de idade
No Piauí
de cada 100 crianças
que nascem
78 morrem
antes
de completar
8 anos de idade
antes de completar 8 anos de idade
antes de completar 8 anos de idade
antes de completar 8 anos de idade
antes de completar 8 anos de idade

Em Dentro da Noite Veloz a linguagem é mais clara, o poeta
não mais quer transformar o poema em lugar de reflexão sobre o
fazer poético; o que lhe interessa, agora, é a vida do homem:

Não se trata do poema e sim do homem
e sua vida
– a mentida, a ferida, a consentida
vida já ganha e já perdida e ganha
outra vez.

Créditos: Profª. Drª Thereza da C. A. Domingues
Centro de Ensino Superior de Juiz de Fora (CESJF)

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