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Meus poemas preferidos, de Manuel Bandeira

by Lucas Gomes

Análise da obra

Coletânea de poemas selecionados pelo próprio Manuel Bandeira, um dos mais importantes
poetas brasileiros do século XX. Mostram a busca pelo significado das coisas com
um lirismo maduro e simples. Cheios de angústia e busca pelo significado das coisas,
os poemas tratam basicamente sobre morte, humildade, infância e sensualidade.
São quatro fortes pontos que marcaram a vida do autor.

Estilo

A leitura não-linear, rompendo a ordem cronológica da publicação dos livros, mostra a evolução e a reformação estética de temas recorrentes na poesia de Manuel Bandeira: a presença do cotidiano, a preocupação com a morte, e defesa da linguagem modernista, a sensualidade, o lirismo tradicional, o antilirismo, a impossibilidade existencial, reminiscências da infância, o humor, a experimentação com o significante, o apego a formas finisseculares parnasiano simbolista.

A poesia de Manuel Bandeira caracterizou-se pela variedade criadora, desde o soneto parnasiano, pela prática do verso livre, até por experiências com a poesia concretista. Por outro lado, conservou e adaptou ao espírito moderno os ritmos e formas mais regulares, como os versos em redondilhas maiores.
Em sua poesia, observa-se uma constante nota de ternura e paixão pela vida. Seu lirismo intimista registra o cotidiano com simplicidade, atribuindo-lhe um sentido de evento e espetáculo. Nela, também, estão presentes a infância, a terra natal, a cultura popular, a doença, a preocupação com a morte, a defesa da linguagem modernista, a sensualidade, o lirismo tradicional, o antilirismo, a reflexão existencial, a infância e o humor.

Verificamos, em Manuel Bandeira, traços indicadores de uma sensibilidade romântica,
sobretudo de uma profunda tristeza, aliada ao desencanto e à melancolia. A confissão
de seu estado de espírito, da presença do “eu” em poemas e da morte como motivo
poético mais freqüente conferiu-lhe uma aura romântica.

Temáticas e estilos

A morte estava muito presente na vida de Bandeira, pois muito jovem descobriu a tuberculose. Como não pôde seguir a vida como arquiteto, Bandeira começou a se dedicar à poesia para preencher o espaço. Esta temática está presente desde o primeiro livro. A morte também determinou um estilo, mas sem o entusiasmo dos modernistas da época. Os paulistas eram extremamente exaltados, como Oswald e Mário de Andrade. Bandeira era um poeta da humildade, do tom mais baixo.

Outra temática dos poemas de Bandeira é a sensualidade, tratada de maneira diferente, não tradicional. O objeto do desejo era principalmente as prostitutas. Em função da própria experiência de vida sexual dele, não convencional por causa da doença.

Também a infância, como retorno ao passado, opõe-se a este presente de angústia e dor vivenciado pelo poeta. O folclore, suas quadras e canções populares, a família sempre apareceram ligados à infância. Foi o tempo feliz antes da doença. Depois o pai, a mãe e o irmão morreram, então foi o tempo de comunhão com os parentes.

Profundamente

Quando eu tinha seis anos
Não pude ver o fim da festa de São João
Porque adormeci

Hoje não ouço mais as vozes daquele tempo
Minha avó
Meu avô
Totônio Rodrigues
Tomásia
Rosa
Onde estão todos eles?

– Estão todos dormindo
Estão todos deitados
Dormindo
Profundamente.

Em muitos poemas, Bandeira aproxima-se da estética parnasiana através da rigidez formal, da seleção de temas, da busca do universal e da apreensão objetiva da realidade.
Em outros textos aparecem o irracionalismo, as paisagens indefiníveis, nebulosas e as atmosferas crepusculares. O Simbolismo, que além dessas características privilegiou a musicalidade, despertou no poeta o gosto pelo subjetivismo, pela introspecção.

Paisagem Noturna

(…)
O plenilúnio vai romper… Já da penumbra
Lentamente reslumbra
A paisagem de grandes árvores dormentes.
E cambiantes sutis, tonalidades fugidias,
Tintas delinqüescentes
Mancham para o levante as nuvens langorosas.

Assimilando as conquistas dos poetas do Modernismo, Manuel Bandeira, em muitos
textos nos quais discute a prática poética, define esta nova postura estética.
Primeiramente, houve uma ruptura com o Parnasianismo, ou com a tradição lírica
da época; depois, estes textos negariam as confecções e manifestariam o desejo
de libertação:

Poética

Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem-comportado
(…)
Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbados
O lirismo difícil e pungente dos bêbados
O lirismo dos clowns de Shakespeare
– Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.

O poema Poética é um manifesto modernista – metapoema = poesia que fala de poesia.

Versos livres, tom de manifesto que se recusa ao lirismo comedido, bem comportado – o lirismo metrificado, protocolar e acadêmico, erudito e conservador.

Ironiza o lirismo namorador que lembra a tradição romântica (Político, Raquítico, Sifilítico), tanto quanto o lirismo normativo, acadêmico, que lembra o parnasiano (contabilidade tabela de co-senos secretário…).

Muitas propostas da “fase heróica” do Modernismo (1922-1930) estariam incorporadas à sua poesia, entre elas: a fusão prosa/poesia, versos brancos (sem rimas), versos livres (sem métrica), nova utilização de sinais gráficos (linha pontilhada para indicar a respiração, por exemplo), o diálogo, o humor negro e a linguagem coloquial.

Pneumatórax

Febre, hemoptise, dispnéia e suores noturnos.
A vida inteira que podia ter sido e que não foi.
Tosse, tosse, tosse.
Mandou chamar o médico:
– Diga trinta e três.
– Trinta e três… trinta e três… trinta e três…
– Respire.

– O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e
o pulmão direito infiltrado.
– Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?
– Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino.

Experiências concretistas

O Concretismo, poesia de vanguarda que se firmou na década de 60, também mereceu
a atenção de Bandeira. Palavras soltas, sonoridade, visualização.

A onda

a onda anda
aonde anda
a onda?
a onda ainda
ainda onda
ainda anda
aonde?
aonde?
a onda a onda

A opressão da realidade, a solidão e a doença conduziram-no à busca da evasão,
à procura do lugar ideal, onde praticamente tudo seria possível:

Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada

E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
– Lá sou amigo do rei –
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada

A Estrela

Vi uma estrela tão alta,
Vi uma estrela tão fria!
Vi uma estrela luzindo
Na minha vida vazia.

Era uma estrela tão alta!
Era uma estrela tão fria !
Era uma estrela sozinha
Luzindo no fim do dia.

Põe que da sua distância
Para a minha companhia
Não baixava aquela estrela?
Por que tão alta luzia?

E ouvi-a na sombra funda
Responder que assim fazia
Para dar uma esperança
Mais triste ao fim do meu dia.
(Lira dos cinquent’anos)

A estrela é uma imagem obsessiva na poesia de Bandeira, metaforizando o absoluto, o inatingível, a luz que orienta, na mesma linha da poesia romântica e simbolista.

Algumas vezes, significa a mulher, sensual e distante, ansiosamente aguardada (“estrela da manhã”).

Em A estrela, notam-se as posições entre a vida vazia do poeta e o brilho do astro inacessível, utópico. Os contrastes aparecem no plano espacial e cromático (“Era uma estrela sozinha Luzindo no fim do dia”, “E ouvi-a na sombra funda”).

Nos últimos versos há ironia, pois a estrela reitera a sua distancia insuperável, dando ao “eu” lírico uma esperança triste, uma vez que ele a contempla sem a menor possibilidade de aproximação.

A poesia de MB apresenta uma amplitude de âmbito, testemunhado uma variedade criadora que vem do Parnasianismo crepuscular até as experiências concretistas, do soneto às formas mais audazes de expressão.

Os Sinos

Sino de Belém,
Sino da paixão…
Sino de Belém,
Sino da paixão…
Sino do Bonfim!…
Sino do Bonfim!…

Sino de Belém, pelos que ainda vêm!
Sino de Belém, bate bem-bem-bem.
Sino da paixão, pelos que ainda vão!
Sino da paixão, bate bão-bão-bão.

Sino do Bonfim, por que chora assim?…

Sino de Belém, que graça ele tem!
Sino de Belém bate bem-bem-bem.
Sino da paixão. – pela minha irmã!
Sino da paixão. – pela minha mãe!

Sino do Bonfim, que vai ser de mim?…

Sino de Belém, como soa bem!
Sino de Belém bate bem-bem-bem.
Sino da paixão… Por meu pai?…-Não! Não!
Sino da paixão bate bão-bão-bão.
Sino do Bonfim, baterás por mim?…

Sino de Belém,
Sino da paixão…
Sino da paixão, pelo meu irmão…
Sino da paixão,
Sino do Bonfim…
Sino do Bonfim, ai de mim, por mim!

Sino de Belém, que graça ele tem!

A poesia tem também um tom pessoal, intimista, coloquial, sempre resvalando ou abordando diretamente o cotidiano.

Cita-se o poema Testamento:

…”Criou-me desde menino
Para arquiteto meu pai,
Foi-se-me um dia a saúde…
Fiz-se arquiteto? Não pude!
Sou poeta menor, perdoai!”

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