Home EstudosLivros Sermão pelo bom sucesso das armas de Portugal contra as de Holanda, de Pe. Antonio Vieira

Sermão pelo bom sucesso das armas de Portugal contra as de Holanda, de Pe. Antonio Vieira

by Lucas Gomes

O sermão do Padre Antônio Vieira, intitulado Pelo bom sucesso das armas de Portugal contra as de Holanda, trata-se de um texto religioso redigido pelo sacerdote, com vistas à pregação que realizou no Brasil, no ano de 1640, na Igreja de Nossa Senhora da Ajuda, na Bahia.

Pela leitura do sermão, observa-se que seu tema se relaciona com a época da turbulência social vivida pelo país. Era em 1640; a Baía estava a ponto de cair sob o jugo holandês. Arrebatado por uma inspiração patriótica, Vieira quis reanimar os brios dos Brasileiros e fazer ao Céu uma santa violência. Num sublime transporte de génio compôs essa obraprima, verdadeiramente única no seu género, repleta das sublimes audácias de Moisés e dos Profetas. Seja qual for a idéia que façamos da pregação, é impossível não sentir a grandeza e a originalidade de tal eloquência.

Motivado pelo firme propósito de tentar impedir o jugo holandês, o Padre Antônio Vieira constrói seu sermão e dirige-o ao povo que fomentou o projeto expansionista, povo católico, impregnado de religiosidade, fiéis dominados pelas virtudes da fé, em nome da qual ampliavam suas conquistas e, conseqüentemente, suas riquezas.

Convém observar que a pretensão de dominar o desconhecido vigorou em sua plenitude por ocasião das grandes navegações. O temor de navegar por mares “virgens” foi superado pela audácia dos portugueses. Corajosos, ambiciosos, arrostaram perigos e não hesitaram em pôr em risco suas vidas, conforme as próprias palavras de Vieira:

Se esta havia de ser a paga e o fruto de nossos trabalhos, para que foi o trabalhar, para que foi o servir, para que foi o derramar tanto e tão ilustre sangue nestas conquistas? Para que abrimos os mares nunca dantes navegados? Para que descobrimos as regiões e os climas não conhecidos? Para que contrastámos os ventos e as tempestades com tanto arrojo (…).

Mas a primazia ora alcançada pelos desbravadores estava sob ameaça. À fartura suceder-se-ia, devido à falta da infra-estrutura necessária para a manutenção do império conquistado, uma perda inominável: o Brasil se vê na iminência de passar à propriedade dos holandeses. Eis o motivo que propicia a alegação de Vieira de estar o Brasil passando para as mãos dos “hereges”, ao redigir seu sermão.

Assim posicionado, o sacerdote prega o sermão argumentando com Deus e repreendendo-O, a fim de que Ele conceda aos portugueses a vitória que engrandecerá a glória divina:

(…) Pequei, que mais Vos posso fazer? E que fizestes vós, Job, a Deus em pecar? Não Lhe fiz pouco; porque Lhe dei ocasião a me perdoar, e perdoandome, ganhar muita glória. Eu dever-Lhe-ei a Ele, como a causa, a graça que me fizer; e Ele dever-me-á a mim, como a ocasião, a glória que alcançar. (…). Em castigar, vencei-nos a nós, que somos criaturas fracas; mas em perdoar, vencei-Vos a Vós mesmo, que sois todo-poderoso e infinito. Só esta vitória é digna de Vós, porque só vossa justiça pode pelejar com armas iguais contra vossa misericórdia; e sendo infinito o vencido, infinita fica a glória do vencedor. (…). (VIEIRA, 1959, p. 322-323).

Entretanto, não se pode perder de vista que esse sermão se destinava a “reanimar os brios dos brasileiros”, entendidos aqui como os brasileiros nascidos no Brasil, os colonos portugueses e o corpo de milícias que defendia a Bahia de todos os Santos.

Estes são, pois, o auditório universal de Vieira. Contudo, havia um auditório “intermediário” composto por um único ser e interlocutor virtual: Deus, pois Vieira não fala diretamente aos fiéis; ao contrário, dirige-se a Deus, que é seu “interlocutor”: “Não hei-de pregar hoje ao povo, não hei-de falar com os homens, mais alto hão-de sair as minhas palavras ou as minhas vozes: a vosso peito divino se há-de dirigir todo o sermão.” (VIEIRA, 1959, p. 301).

A cena se passa como se o pregador estivesse em um grande palco: ele dirige-se indiretamente à platéia – os brasileiros – e “contracena” com Deus – o “ator” imaterial. Após estruturar as bases da analogia entre o seu próprio discurso e o do Profeta Rei, o padre passa a apresentação dos argumentos propriamente ditos, construindo o sermão.

No Sermão da Sexagésima, Vieira pretendia ensinar aos colegas sacerdotes um meio eficaz de seduzir os fiéis e atraí-los para a seara do Cristo e no sermão Pelo bom sucesso das armas de Portugal contra as de Holanda, Vieira pretende seduzir Deus e atraí-lo para a sua própria “seara”, a dos portugueses.

No sermão Pelo bom sucesso das armas de Portugal contra as de Holanda, as Sagradas Escrituras são o meio de prova dos argumentos arrolados por Vieira
e também o veículo que aproxima o orador do seu auditório real para assegurar a fidelidade deste, pois a Bíblia, por representar a palavra de Deus, consubstancia
os anseios do orador e do seu auditório, naquele momento histórico.

Como pode-se observar, a tese a ser defendida por Vieira está explícita no próprio título do sermão; o sacerdote advoga que Deus retome a aliança com os portugueses para que estes possam derrotar os holandeses.

Notas importantes

1. A formação discursiva, por excelência persuasiva, se faz presente no referido texto, pois o contexto deixa claro que Portugal está perdendo o Brasil para os holandeses e Vieira pretende incitar os brasileiros à luta armada; para isto, prega o sermão Pelo bom sucesso das armas de Portugal contra as de Holanda. Para persuadir os brasileiros, Vieira dirige-se diretamente a Deus e “repreende-O” pelo que Ele está “permitindo” que aconteça com os portugueses.

2. O sermão constitui o lugar onde se instalam todas as condições para o exercício de dominação pela palavra, pois, ao “argumentar” com um interlocutor do plano espiritual, Vieira está, na verdade, monologando, uma vez que Deus não vai “contra-argumentar” com o padre. Assim, em nenhum momento, Vieira terá um “opositor”.

3. O texto se caracteriza como um discurso exclusivista por não haver espaço para mediações ou ponderações. Assim, os signos são fechados e o discurso fixa-se em um jogo parafrásico. Repete-se uma fala já sacramentada pela instituição, neste caso a Igreja, e é à sua interpretação da Bíblia Sagrada que Vieira recorre para compor o seu discurso. Nele não há espaço para mediações ou ponderações porque a voz da Bíblia é universalmente aceita como o fundamento do pensamento cristão e o instrumento de acesso a Deus e a Seu Filho. Qualquer “ponderação” que se fizesse, conforme demonstramos no decorrer desta tese, seria
considerada herética, já que, por ser fruto do raciocínio, discordaria do discurso do sacerdote.

4. O texto se apresenta como o lugar do monólogo, em detrimento do diálogo, pelo fato de o padre argumentar com um ser do mundo espiritual. E ainda que assim não fosse, só por basear-se na Bíblia, o pregador eliminou qualquer possibilidade de diálogo, uma vez que a Bíblia Sagrada é a “palavra de Deus” e contra ela ninguém haverá de se levantar, sob pena de incorrer em pecado grave e correr o risco de “arder nas chamas do Inferno”, de acordo com a crença difundida entre os fiéis pela própria Igreja Católica.

5. O”tu” se transforma em mero receptor e, por conseguinte, não tem nenhuma possibilidade de interferir ou modificar o que está sendo dito. Essa característica pode ser comprovada pelo fato de ninguém poder se insurgir contra a “palavra de Deus”. Para os receptores reais do discurso de Vieira, isto é, os brasileiros, o padre intermedeia a mensagem divina e, portanto, é um representante de Deus, o que bloqueia as comunicações desses fiéis e cria uma “ilusão de reversibilidade”.

Créditos: Cláudia Assad Álvares, Doutora em Filologia e Língua Portuguesa

Links relacionados: Obra para download

Posts Relacionados