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Brasil – A vinda da Família Real para o Brasil

by Lucas Gomes


Chegada da Família Real Portuguesa ao Rio de
Janeiro em 07/03/1808, óleo de Geoffrey William
Hunt, Inglaterra, 1999

O mar, destino e fonte de riquezas para o Império Português. Em novembro de 1807, parecia a única saída para o comandante do pequeno país, pressionado pelas duas maiores potências da época.

De um lado, Napoleão. O imperador dos franceses estendia seus domínios em uma guerra pelo continente europeu. Derrubou monarquias e conquistou regiões onde hoje ficam a Bélgica, a Holanda, a Alemanha, a Itália e a Espanha.

“Temos que considerar que, naquele período, Napoleão tinha humilhado as principais monarquias européias e o príncipe regente Dom João percebia que, se Napoleão ocupasse Portugal, evidente que sofreria uma humilhação e seria preso”, explica o professor de história em Londres, Francisco Bethencourt.

Do outro lado, a Inglaterra, parceira comercial e militar de Portugal havia 500 anos. A Revolução Industrial ganhava um ritmo intenso nas fábricas inglesas, com mais empregos e máquinas que precisavam de muitas matérias-primas, entre elas, o algodão brasileiro. Para prejudicar este crescimento, Napoleão decretou, em novembro de 1806, o bloqueio continental. Os reinos da Europa deveriam fechar seus portos para navios britânicos.

Em Londres, o rei Jorge III tinha uma doença que causava surtos de demência, mas o sistema de governo já era parlamentarista. Em Lisboa, Dona Maria I estava louca. E quem tomava as decisões era o príncipe regente, Dom João, na época com 40 anos. No Palácio de Queluz, moravam a mulher dele, a espanhola Carlota Joaquina, e os oito filhos do casal.

Dom João preferia ficar a 50 quilômetros de distância. Seu refúgio favorito era o Palácio de Mafra. Cerca de 45 mil homens trabalharam na construção. O ouro do Brasil que chegava em arcas, às burras, transformou um simples convento em um palácio com 5,2 mil janelas e portas, uma basílica e uma biblioteca, com 40 mil obras. Neste cenário, era preciso escolher: ficar e enfrentar o exército francês que se aproximava ou ir para o Brasil. A política portuguesa até este momento estava em cima dos altos muros de Mafra.

A opção pela neutralidade não evitou o dilema que exigia uma solução rápida. No Palácio de Mafra, Dom João ouvia os conselheiros que desejavam uma aliança com a França, mas ele também recebia ministros que defendiam os interesses da tradicional amizade com a Inglaterra. No trono, Dom João hesitava, não dava uma resposta definitiva.

“Havia que responder a desafios políticos imensos. E esses desafios eram da ordem planetária. Quer dizer, não era uma questão da Espanha, de Portugal, da Inglaterra ou do Brasil. Era uma questão que importava ao mundo inteiro”, enfatiza o professor de história Joaquim Romero, da Universidade de Coimbra.

“O que o governo francês exigia? A ruptura de Portugal com a Inglaterra. Mas, obviamente, Portugal não poderia romper com a Inglaterra simplesmente porque havia o dado político de que a Inglaterra controlava os mares”, explica o presidente do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Arno Wheling.

O maior símbolo deste poder, era um navio de guerra ancorado no sul da Inglaterra. Até hoje, o navio Vitória, em todos os detalhes, lembra a batalha de Trafalgar, na costa da Espanha, em 1805. Os ingleses venceram a frota inimiga que tinha embarcações francesas e espanholas juntas. Napoleão desistiu de confrontos no mar, depois da batalha que envolveu 60 navios.

Livres caminhos nos oceanos eram a alma do império luso, que, como as figuras em uma carruagem, tinham traços orientais, africanos, europeus e americanos. A transferência da sede do império para o Brasil não era uma idéia nova. Essa idéia ocorria sempre nos momentos de crise, quando a corte portuguesa se sentia fragilizada perante uma situação de confronto ou de perigo na Europa”, observa a diretora do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Maria de Lourdes Vianna.

Mas em 26 de novembro de 1807, os portugueses já sentiam a angústia do abandono. Dom João, nesta mesma data, publica um decreto declarando:

” Tenho procurado por todos os meios possíveis conservar a neutralidade de que até agora tem gozado os meus fiéis e amados vassalos e apesar de ter exaurido o meu Real Erário, e de todos os sacrifícios a que me tenho sujeitado, chegando ao excesso de fechar os portos dos meus reinos aos vassalos do meu antigo e leal aliado, o rei da Grã-Bretanha , expondo o comércio dos meus vassalos a total ruína, e a sofrer por este motivo grave prejuízo nos rendimentos de minha coroa. Vejo que pelo interior do meu reino marcham tropas do imperador dos franceses e rei da Itália , a quem eu me havia unido no continente, na persuasão de não ser mais inquietado (…) e querendo evitar as funestas conseqüências que se podem seguir de uma defesa, que seria mais nociva que proveitosa, servindo só de derramar sangue em prejuízo da humanidade, (…) tenho resolvido, em benefício dos mesmos meus vassalos, passar com a rainha minha senhora e mãe, e com toda a real família, para os estados da América , e estabelecer-me na Cidade do Rio de Janeiro até a paz geral.”

No Rio de Janeiro, o vice-rei, Conde dos Arcos, corria com os preparativos para abrigar a Família Real e toda a comitiva. Desta vez, os rumores, dos dois lados do Atlântico, eram verdade.

Há exatamente 200 anos, a Família Real Portuguesa, acompanhada de ministros, padres e nobres embarcou em dezenas de navios rumo ao Brasil. Foi uma saída tumultuada, com carruagens abarrotadas de roupas, pratarias, louças.

Os portugueses ficaram sem seus principais governantes, sem dinheiro e com os inimigos franceses na porta de casa.

Lisboa, uma cidade cercada. Por terra, o exército francês, comandado pelo general Junot, vinha da Espanha. Mais dois ou três dias, chegaria à capital. Pelo mar, nove navios de guerra que saíram do Porto de Plymouth, no sudoeste da Inglaterra, bloqueavam a foz do Rio Tejo.

Dom João mandava diamantes para Napoleão, tentava negociar.

E, com a Inglaterra firmava acordos, assumia compromissos comerciais. Em uma convenção secreta, em Londres, em 22 de outubro de 1807, ficou acertado que Portugal declararia guerra contra a Inglaterra. Foi uma declaração para francês ver. Uma tentativa de adiar o avanço das tropas de Napoleão na Península Ibérica. O principal objetivo era evitar que as colônias e os navios portugueses caíssem nas mãos dos franceses. E, se Dom João não fizesse o que estava combinado, ou seja, ir para o Brasil, um plano inglês já estava pronto. “A frota inglesa estava pronta para bombardear o porto se Dom João não fosse para o Brasil”, conta o pesquisador Patrick Wilken.

O jornalista e pesquisador também descobriu em arquivos ingleses um plano de invasão do Brasil. Ele conta que o plano estava pronto desde 1805: 10 mil soldados ingleses iriam em várias embarcações direto para o Rio de Janeiro. Outra esquadra levaria a Corte Portuguesa para o mesmo destino. Era esperado um desembarque sem hostilidades. O documento do Ministério das Relações Exteriores da Inglaterra não devia ser divulgado.

Mas o ministro George Canning mandava os últimos avisos nas cartas: “Nossa frota está pronta agora, como já estava no ano passado, para escoltar a Corte Portuguesa na sábia decisão de ir para o Brasil.”

Em Lisboa, a movimentação no porto era mais intensa a cada dia. Carruagens, arcas e caixotes cheios de louças, documentos, a baixela real e mais tesouros. Centros de mesa, jóias e metade de todo o dinheiro que circulava no país.

As marcas nas paredes do Palácio de Mafra lembram quadros que foram para o Brasil. Quanto tempo antes tinham começado estes preparativos? “Cerca de um ano, talvez, que se começou a pensar nesses preparativos. Essa fuga acelerada não pode ter existido, porque a esquadra levava, entre várias coisas, nove carruagens. Ora, uma carruagem ou nove carruagens não se metem dentro de um navio da época em 24 horas”, explica o diretor do Museu da Marinha de Portugal, José Rodrigues.

Do Palácio de Queluz, saiu a carruagem da rainha. Dona Maria I, a Louca, teria dito para o cocheiro: “Não corra tanto, vão pensar que estamos a fugir.”

Naquele 27 de novembro, amanheceu chovendo em Lisboa, e as carruagens tiveram dificuldade para atravessar as ruas cheias de lama até o Cais de Belém, onde tinham poucos navios para tantos passageiros. Foi um grande tumulto, com caixas e bagagens para todos os lados. No fim, embarcaram a Família Real, com os nobres, os ministros, os juízes, alguns padres e soldados. Foi um dia de dolorosas separações para as famílias que, depois disso, ficaram divididas por um oceano.

“Há uma gravura (veja ao lado) que é particularmente significativa desse ponto de vista e que reflete e expressa a emoção de todos aqueles que viveram esse momento histórico. A começar pelo príncipe Dom João, cuja posição de mão, cujo semblante na gravura revela simultaneamente tristeza pela partida, mas a convicção de que se tratava de uma decisão absolutamente fundamental”, observa o diretor da Biblioteca Nacional de Lisboa, Jorge Couto.

A viagem

Na madrugada do dia 27 de novembro de 1807 os membros da Família Real saíram de Lisboa.

Às duas horas da madrugada do dia 29 de novembro um vento favorável permitiu que a esquadra zarpasse rumo ao Brasil, o almirante Sidney Smith e Lorde Strangford foram a bordo do navio Príncipe Real e ofereceram hospedagem ao Príncipe Regente na nau capitânia da frota da escolta inglesa, Dom João recusou.

Às 9 horas da manhã do dia 30 de novembro o General Junot entra em Lisboa liderando um exército de 26 mil homens, tendo a frente um destacamento de cavalaria portuguesa que se rendeu e se puseram às suas ordens.

Enquanto isso as esquadras portuguesa e inglesa, são surpreendidas por uma forte tempestade que dispersa os navios.

Em 5 de dezembro de 1807 os navios se reagruparam. Em 8 de dezembro uma nova tempestade formada por ventos do sul dispersa novamente os navios.

Dia 10 de dezembro eles conseguem a muito custo se reagrupar novamente. Em 11 de dezembro a frota avista a Ilha da Madeira . No dia 18 de janeiro de 1808 chegam à costa da Bahia . No dia 22 são avistados pelos habitantes de da Cidade de Salvador os primeiros navios da esquadra.

Às quatro horas da tarde do dia 22 de janeiro de 1808 todos finalmente todos os navios da esquadra estavam fundeados e o Conde da Ponte, governador da Bahia vai à bordo do navio Príncipe Real. No dia 23 é a vez dos membros da da Câmara de irem à bordo do navio Príncipe Real.

A chegada

Às cinco horas da tarde do dia 24 a comitiva real desembarcou na Bahia, com imensa pompa e solenidade.

Em 7 de março de 1808 chegam ao Rio de Janeiro.

Às quatro horas da tarde do dia 8 de março de 1808 a família real desembarcou. Dom João desceu do navio Príncipe Real e passou para um bergantim (uma embarcação de pequeno porte) e assim pode aportar ao cais. Ao mesmo tempo Dona Carlota e os filhos desceram do navio Afonso d´Albuquerque, apenas Dona Maria permaneceu à bordo. Só no dia 10 de março Dom João volta ao navio Príncipe Real para acompanhar o desembarque da mãe; logo após seu desembarque a Rainha mãe Dona Maria I, ouviu um baque de uma portinhola e misturado com os ruídos de tiros de canhão e o alarido da população, ela se assustou e começou a gritar: “Não me matem! Não me matem!” Foi imediatamente recolhida ao Paço.

A família real portuguesa desembarcou no antigo cais do Largo do Paço na atual Praça XV no Rio de Janeiro, é bom lembrar, que o cais ficava onde hoje existe a construção em forma de pirâmide (Chafariz da Pirâmide), mais tarde toda essa parte foi aterrada levando o atual cais das barcas Rio-Niterói para mais longe. Em tempo, a esquadra fundeou na Ilha das Cobras.

A chegada ao Rio foi um alívio, apesar do calor do verão nos trópicos e dos odores fétidos da capital da colônia. A família real foi alojada em três prédios no centro da cidade, depois de colocar na rua o vice-rei, Marcos de Noronha e Brito, o conde dos Arcos, e todas as internas de um convento carmelita. Os demais agregados se espalharam pela cidade, em residências confiscadas da população. Era a política do “Ponha-se na Rua”, nome dado por picardia pelos cariocas, que se inspiraram nas iniciais “PR”, de Príncipe Regente (ou de “Prédio Roubado”, como diziam os mais irônicos), que eram gravadas na porta das casas requisitadas para os nobres portugueses.

O episódio é considerado até hoje uma das maiores epopéias da história lusitana. Ao fugir do avanço das tropas de Napoleão, a corte portuguesa conseguiu manter seu reinado e a posse de todas as colônias. Com a ajuda, não desinteressada, claro, dos ingleses. Um oficial inglês, Arthur Wellesley, mais tarde feito duque de Wellington, expulsaria os franceses da Península Ibérica, deixando em Lisboa um bem armado visconde de Beresford, que cuidou de rechaçar outras investidas napoleônicas. Em 1815, Wellington derrotaria Napoleão na famosa Batalha de Waterloo se valendo, além da sorte, segundo certos relatos militares, da experiência adquirida nas batalhas travadas antes em Portugal. Para o Brasil, a vinda da corte portuguesa teve enorme impacto positivo. O príncipe regente mandou abrir os portos brasileiros ao comércio internacional e apressou a vinda de imigrantes. Liberou a circulação de moedas, criou o Banco do Brasil e as faculdades de medicina e engenharia. Enfim, emancipou o país, que se libertaria oficialmente da metrópole em 1822.

Fonte: JN | Revista Veja

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